O não dito

Por Walter Hupsel | On The Rocks | Yahoo

Não há adjetivo possível para qualificar a ação do DENARC (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), um órgão da Polícia Civil e, logo, diretamente ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) ontem, 23, na cracolândia. Nenhuma palavra alcança o significado dela.

Uma operação com dez viaturas da Polícia Civil entrou na cracolândia da velha e ineficaz maneira de sempre: usando de demonstração de força e violência. A SSP justificou tamanha barbárie afirmando que os policiais que ali estavam para prender um traficante (na verdade um “vapor”, aquele que distribui drogas a um pequeno número de consumidores, normalmente para sustentar o próprio vício) e foram agredidos pela população da cracolândia.

Quase que imediatamente chegaram reforços que, com toda a civilidade e preparo para tal (lembram daestratégia “dor e sofrimento”?), debelaram a multidão com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha (que negam ter usado). No meio do fogo unidirecional estavam assistentes sociais e agentes de saúde da prefeitura que trabalham com redução de danos com a população em situação de extrema vulnerabilidade.

Esta ação aconteceu, mera coincidência, uma semana após a prefeitura lançar o programa “Braços Abertos”, que trata com dignidade a população usuária de crack oferecendo moradia, emprego e cursos de qualificação. O programa vinha recebendo matérias positivas inclusive de setores tradicionalmente contrários a certas políticas públicas e direitos humanos (com as “honrosas” exceções de sempre).

E uma ação desta magnitude, com este efetivo e neste local, dificilmente ocorreria sem o crivo, no mínimo, do secretário de Segurança Pública. Seria muita ingenuidade imaginar que a delegada perua do DENARC tivesse esta autonomia.

Seja qual for a razão desta ação, as hipóteses giram em torno de três linhas: pura lógica do conflito com zero de inteligência; uma ação para “controlar” a cracolândia e seus pontos de venda (Para acabar com o tráfico basta fechar o DENARC ); ou uma motivação política-partidária para tentar boicotar a operação “Braços Abertos” quebrando a confiança duramente construída entre a população da cracolândia e os agentes públicos ( “Que hotel que nada, eles querem é matar a gente”, disse uma dependente grávida que corria da polícia).

Não são hipóteses excludentes. E a inação do Governo do Estado sugere que, qualquer que for a resposta, endossa. A imediata exoneração da delegada Elaine Maria Biasoli é o mínimo, visto o “despreparo” dos seus comandados em lidar com o problema da cracolândia. A medida que avançamos nas hipóteses, a situação fica mais crítica. Não há saída digna possível.

A ação violenta de um órgão da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo em um local que está sendo alvo de uma intervenção da prefeitura suscita desconfianças. A palavra oficial do Governo do Estado, legitimando a ação do DENARC sem sequer mencionar a possibilidade de ter havido excessos, de investigação, as corrobora.

É, na sua lacuna, muito explicativa.

Redação

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