Os mortos de Perus não conseguem descansar em paz

A matéria da Carta Capital desta semana, sobre os mortos da vala de Perus tem assinatura: as “denúncias” partiram de pessoas ligadas à causa de Perus. O que elas temem não é o que denunciam – o suposto descaso das autoridades com sua causa. Seu temor é que o problema seja resolvido e não exista mais causa a ser defendida.

No subtítulo, a matéria diz: “Em São Paulo, ossadas do Cemitério de Perus se deterioram à espera de identificação” (http://is.gd/iBx7tM). A matéria tem vários paradoxos, menos por culpa do repórter, mas por manipulação da fonte.

Lembra que

“o governo contratou profissionais brasileiros e peruanos, e 433 caixas com o material foram transferidas para o laboratório. Dessas, 112 passaram por análises entre outubro e dezembro de 2014. Foram encontrados seis restos mortais com lesões contundentes e três com lesões por arma de fogo, mas ainda falta a identificação por DNA”.

No entanto, o enfoque é sobre abandono.

A fonte é Maria Amélia Teles, fundadora da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, fundadora da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e uma das três pessoas que estoicamente lideraram a luta dos familiares pelo reconhecimento dos corpos de Perus (ao lado do ex-deputado estadual Adriano Diogo).

Diz a matéria:

“Para Amelinha, falta vontade política: “A dificuldade em conseguir dinheiro para as investigações e a ausência da vala de Perus no relatório da Comissão da Verdade são provas de que o governo não quer enfrentar os crimes da ditadura”.

Amelinha fala de descaso em um local onde estão trabalhando 17 profissionais em regime integral em cima das ossadas de Perus, depois de 23 anos de abandono; o aluguel e reforma de uma casa, a criação de um Departamento de Antropologia na Unifesp, um trabalho conjunto da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), Ministério da Educação, Unifesp.

A injustiça com a rapaziada

Durante meses o Jornal GGN acompanhou os trabalhos da equipe montada para identificar as ossadas do cemitério de Perus.

Tem sido uma jornada memorável, que emocionou  a jovem equipe daqui, acompanhando o profissionalismo e o desprendimento da jovem equipe de lá. Jovens arqueólogos e antropólogos forenses, médicos legistas e odontólogos, com um envolvimento e uma emoção  só visíveis em grupos motivados e idealistas.

Colhemos depoimentos, testemunhamos a emoção viva de cada um, ao procurar famílias esquecidas há mais de vinte anos para comunicar o reinício dos trabalhos. O cuidado ao abrir cada um das 433 caixas com despojos de desaparecidos, espanar os ossos, organizar a balbúrdia criada pelos peritos anteriores. A consideração de ampliar as fotos ¾ dos desparecidos, colocando-as na parede da sala de autópsia, para não perder de vista seu objetivo, que é o de procurar identificar o maior número de ossadas.

Pela primeira vez, em mais de vinte anos, os familiares de desaparecidos estão recebendo a consideração que o Estado brasileiro lhes devia, depois de terem passado pela irresponsabilidade de Badan Palhares da Unicamp, por legistas da USP e do Instituto Médico Legal – todos devidamente processados pelo descaso com que trataram o tema.

O medo da solução

De repente, sinais estranhos, de críticas partindo de onde menos se esperava: das pessoas que fizeram de Perus o mote de sua vida política pós-ditadura.

Começou com um telefonema do até então deputado estadual paulista Adriano Diogo ao Jornal GGN alertando que a procuradora Eugênia Gonzaga – que preside a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, uma das fontes para a série de matérias sobre a Vala de Perus – não é uma fonte adequada. Fonte adequada é ele.

Em seguida, soltou uma nota desancando a Comissão pelo fato de três peritos argentinos terem parado de trabalhar nas ossadas. Seu manifesto recebeu o apoio das duas militantes líderes das famílias de desaparecidos, uma das quais é Amelinha. Elas foram chamadas pela Comissão e receberam as explicações, mostrando que não haveria nenhuma solução de continuidade, pareceram concordar com elas. Mas foi em vão.

Na sequencia, Adriano Diogo convocou uma audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo para interpelar técnicos que trabalham nas ossadas sobre a saída dos peritos argentinos. De nada adiantou os técnicos reafirmarem que a metodologia de pesquisa não seria alterada, que não haveria descontinuidade nos trabalhos. As militantes de Diogo “denunciaram” o abandono da metodologia dos argentinos, ignorando as explicações que tinham acabado de ser dadas, que não haveria descontinuidade.

Mais que isso, a Comissão decidiu incluir outros desaparecidos na análise dos ossos, aproveitando o trabalho meticuloso que vem sendo feito pelos peritos. Estima-se que a limpeza dos ossos terminará em setembro de 2015, tentando identificar não apenas militantes mas outros desaparecidos da ditadura – moradores de rua, vítimas da polícia.

Em um inexplicável sentimento de classe e de falta de solidariedade, as lideradas de Diogo reagiram, dizendo só aceitar a análise de ossos de militantes. E indignaram-se quando as reuniões passaram a contar com familiares de outros desaparecidos.

Os objetivos da causa

Por trás dessa reação, uma atitude comum naqueles que passaram a vida em torno de uma causa única. Na iminência da causa ser resolvida, algumas pessoas tentam encontrar outras causas relevantes nas quais aplicar sua enorme energia. Outras se sentem perdidas, por perder a única bandeira. E acabam colocando a perda do projeto pessoal acima do objetivo maior, que é a solução do problema. Como se a situação ideal seria a de nunca se ter uma solução, para se eternizar a causa.

Envolver a respeitada Carta Capital nessa mesquinharia foi a gota d’água.

Na casa que abriga as ossadas, há um horário para a imprensa e outro para as famílias. A reportagem foi levada no horário dedicado às famílias. Lá recebeu toda a atenção com que a equipe trata todos os visitantes, explicações entusiasmadas sobre o trabalho, relatos dos dramas familiares, informações sobre o andamento dos trabalhos.

De nada adiantou.

O fato novo é a retomada dos trabalhos de Perus. A matéria enfatiza que a identificação das ossadas está ameaçada por 23 anos de descaso do setor público.

O bravo grupo de Diogo mostrou coragem na luta contra a ditadura; grandeza ao levantar a bandeira dos desaparecidos de Perus.

Precisa mostrar desprendimento para deixar que seus mortos sejam enterrados em paz.

Luis Nassif

8 Comentários

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    1. Nao, imbecil. Não consegue

      Nao, imbecil. Não consegue ler direito o texto é entender que a comissão quer incluir na identificação pessoas desaparecidas sem vínculo político?

  1. O que está acontecendo com o Diogo?

    Diogo perdeu a eleição (votei nele) e o rumo. Fala em abandonar a vida política, desandou a se queixar do PT, “de que foi abandonado”, “que perdeu porque o partido o abandonou e não se empenhou”, enfim, está sobrando mágoa para todo canto. Não é assim que se encerra uma biografia. 

  2. 23 anos sem razão de viver………………………………..

    agora entendo o porquê de alguns morrerem de indignação mais de uma vez

    levaram com eles quase tudo do que os que ficaram pensam que foram

  3. Acho que os repórteres devem

    Acho que os repórteres devem ir além, se o assunto é a obsessão de um grupo por uma causa, mais obsessivo é quem só fala disso, seja para direita ou esquerda

    obs: Viseira é o dispositivo que coloca nas imediações dos dois olhos do cavalo, com a finalidade de direcionar a sua visão para frente, evitando portanto a interferência de acontecimentos laterais, que possam interferir no seu comportamento.

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