PT x PSDB: a nossa guerra do guano

O golpe de estado promovido pelo PMDB com ajuda da mídia e do Judiciário está chegando ao fim. A sociedade do espetáculo deu, entre nós, o mais macabro dos shows: uma quadrilha de bandidos, composta por políticos de vários partidos, juízes tendenciosos e/ou covardes, promotores partidarizados, delegados de polícia abusados, empresários sonegadores e jornalistas antiéticos conseguiu assaltar o poder. Dilma Rousseff, uma mulher honesta sem dinheiro escondido em paraísos fiscais como vários de seus inimigos, foi impedida de governar mediante fraude.

Dentre os vencedores poderíamos nomear vários bandidos procurados pela justiça que, sob a proteção de Michel Temer (ele mesmo um político desonesto que pediu e recebeu propina de construtoras), estão sendo inocentados preventivamente pela mídia. A mesma mídia que segue atacando ferozmente o PT sob o comando informal do presidente do TSE. Os banqueiros e rentistas estão rapidamente se apropriando das reservas financeiras do Estado em razão do aumento da taxa de juros.

Entre os perdedores, além dos 54,5 milhões de eleitores que votaram na Presidenta afastada do poder, estão os operários (que perderão direitos trabalhistas), os aposentados e pensionistas (cujos benefícios previdenciários serão achatados e/ou revogados), os cidadãos em geral (beneficiários de programas sociais interrompidos), os estudantes, os doentes, etc… O sonho de um país independente e capaz de se defender está sendo destruído com o apoio daqueles militares que correriam para o mato se tivessem que morrer pelo Brasil governado de maneira legítima pelo PT.

As gerações futuras também devem ser incluídas entre os perdedores. Elas nascerão num país novamente endividado e dependente. O sonho de viajar para a Disneylândia com o excedente produzido pelos juros sobrepujou o de estudar no exterior com incentivo público. A nação inclusiva de 200 milhões de habitantes se desfaz antes de ter sido construída. Alguns choram, outros se desesperam, muitos se esgoelam na internet, mas ninguém é capaz de fazer algo digno para evitar a fatalidade histórica do golpe de estado de 2016.

Interromper o curso da ação destrutiva de Michel Temer parece ser impossível. A covardia política das lideranças de esquerda é reforçada pela apatia de uma população anestesiada pela imprensa. O Brasil não está novamente dividido não entre o poder e o povo, mas entre “não poderes”: o PT é um “não poder”, pois ganhou a eleição e não foi capaz de movimentar sua base para impedir o golpe de estado; o PMDB tampouco é poder, pois não tem base popular e a legitimidade do governo Michel Temer não existe. O Judiciário participa do golpe também como um “não poder”, pois se recusa a interromper a destruição fraudulenta do regime constitucional.

Os únicos poderes de fato no país são as organizações religiosas que se expandem por todo território nacional e que, gostemos ou não, são capazes de “fazer a cabeça do povão”. Ficamos, pois, entre uma minoria religiosa autoritária, anticomunista e gananciosa que está super-representada no Congresso Nacional (os evangélicos e seus pastores) e uma maioria religiosa tolerante silenciosa que acredita nas virtudes da CF/88 e se encontra sub-representada no Estado aceleradamente desmantelado pelos golpistas (os católicos e seus bispos).

A espinha dorsal do Estado está curvada, pois os militares não conseguem ou não querem visualizar um futuro alternativo para o Brasil. Eles se tornaram prisioneiros dos erros políticos e sociais que cometeram durante a Guerra Fria. As investidas do MPF e da Justiça Federal contra o programa de modernização das Forças Armadas parece ter amedrontado o comando militar. O que ocorreria na Rússia se um juiz mequetrefe de primeira instância resolvesse desafiar os interesses militares do Kremlin?

Nas duas últimas décadas o poder político foi disputado por dois partidos: PT e PSDB. O PMDB funcionou apenas como um fiel na balança. Agora que resolveu se apropriar da balança jogando fora os freios e contrapesos da Constituição Cidadã, a banda podre do PMDB quer se livrar de uma vez por todas do PT. Michel Temer se apropriou do programa neoliberal tucano defendido por Aécio Neves nas últimas eleições presidenciais. Quando perder seu antigo rival (o PT), o PSDB perderá também o único discurso que lhe restou após o fim da era FHC: o antipetismo é uma impossibilidade retórica sem o petismo.

É evidente que um ou outro tucano vai se ajustar à nova realidade (caso de José Serra, por exemplo). Várias outras lideranças do PSDB, partido que também não tem base popular, estão sendo empurradas para o ocaso (Aécio Neves) ou para a oposição ao golpe de estado (Bresser Pereira). A fragmentação do PMDB (Kátia Abreu e Roberto Requião não apóiam o golpe e podem ser expulsos do partido) se reproduzirá dentro do PSDB (já é visível o mal estar entre os tucanos que se aninham no novo PMDB e aqueles que desejam conservar a autenticidade do partido da social democracia brasileira).

Vivenciamos dentro do nosso país algo parecido à Guerra do Guano. Entre 1879 e 1883 Chile de um lado e Bolívia e Peru de outro disputaram o controle de uma região rica em guano (matéria prima utilizada na época para a fabricação de fertilizantes e explosivos). A guerra provocou sofrimento humano e endividamento aos três países envolvidos, mas ao fim dela o guano havia deixado de ter valor ter valor comercial em razão da invenção de explosivos sintéticos. Durante duas décadas PT e PSDB se desgastaram numa guerra de atrito e o resultado foi o golpe de estado conduzido pela banda podre do PMDB: Dilma Rousseff (PT) foi derrubada para Michel Temer (PMDB) impor ao país um programa neoliberal (PSDB).

Há, porém, uma diferença entre nossa realidade e a Guerra do Guano. Ao final do conflito os países envolvidos (Chile, Bolívia e Peru) deixaram o guano onde ele estava depositado. O PMDB não poderá fazer o mesmo com a matéria humana sem representação partidária que ficará à mercê das alas religiosas em disputa. O Brasil de amanhã, portanto, pode ser o Oriente Médio de hoje à medida que os conflitos religiosos evoluam para agressões verbais, físicas e guerra não declarada.

Abandonado na natureza o guano é inofensivo. Abandonada à mercê das religiões, a população brasileira pode explodir nas mãos de Michel Temer ou do sucessor peemedebista dele.  É óbvio que os golpistas de 2016 desejam paz civil para desfrutar o poder, mas tudo pode ocorrer de maneira diferente. Afinal, no mundo dos fenômenos todos os planos (inclusive aqueles que foram traçados por Michel Temer e seus “amigos” dentro e fora do Estado) não passam de relações de coisas que quase sempre não ocorrem. Alea jact est…  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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