Raio-X da epidemia de coronavírus na África

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Como está o surto de COVID-19 no continente, o que torna a epidemia uma verdadeira bomba-relógio e quais medidas são adotadas

Mapa com regiões afetadas pelo coronavírus na África, em 23 de março de 2020

Apesar de quase 90% da África já registrar casos de COVID-19, o continente tem perdido espaço no noticiário para a situação nos Estados Unidos e na Europa, onde países mais ricos protagonizam a crise.

Segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, divulgado no dia 22 de março, a África tem pouco mais de 1,2 mil casos de COVID-19 espalhados por 42 dos seus 54 estados soberanos. 

O continente tem mais de 1 bilhão de habitantes, mas segundo um artigo publicado na revista Science, somente 3% da população tem mais de 65 anos – diferentemente da Itália, onde esse índice está em torno de 20%.

A pirâmide social poderia ser uma vantagem para a África, não fossem as demais peculiaridades de uma região marcada pela colonização, guerras, pobreza e outras mazelas, como HIV, tuberculose e malária, e uma imensa maioria das massas sem acesso a um sistema universal de saúde. 

Essas características levam especialistas a crer que a disseminação de coronavírus na África é uma verdadeira bomba-relógio. Os países precisam convergir todos os esforços na tentativa de controlar a situação.

Secretário-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus foi bem claro ao direcionar seu discurso para os conterrâneos. Ninguém deve presumir que não será afetado nessa pandemia e o melhor é que todos se preparem para o pior.

A preocupação dele é que o coronavírus – que começou concentrado em capitais africanas que importaram a doença da Europa e da China – se espalhe para as comunidades carentes, que geralmente não têm comida, ainda menos água e sabão para higienizar as mãos.

Desde que os números no continente começaram a crescer, a OMS definiu 13 regiões para monitorar de perto. Apesar de só apresentar 12 casos de coronavírus nesta terça (24/3), a Etiopia é uma delas, por causa do trânsito aéreo intenso com a China. 

Até o momento, o país que lidera em casos confirmados é a África do Sul, que já passou dos 550. Egito é o segundo país com mais casos, acima dos 300. A Argélia, no extremo norte do continente, é o terceiro, com mais de 200. Os três lugares estão justamente em zonas de maior densidade demográfica.

Como ocorre em outros continentes, na África, cada país está lidando com a situação à sua maneira. A maioria ainda não decretou o confinamento das pessoas dentro de casa, mas fechou locais públicos, escolas e outros estabelecimentos.

A exemplo do que ocorre no Brasil, dentro de um mesmo país, falta coordenação entre as medidas estabelecidas pelas autoridades.

A densidade demográfica a África

Por exemplo: a República Democrática do Congo, que é um país com 80 milhões de habitantes, vai decretar nesta semana o confinamento em Lubumbashi, mais ao sul, porque eles receberam um voo com mais de 70 pessoas e 2 dos passageiros (que vieram de uma região que fica do outro lado do país) testaram positivo para coronavírus.

Agora, a cidade inteira, que é a capital econômica do RDC, com 4 milhões de habitantes, vai parar por 48 horas, enquanto as autoridades buscam identificar e isolar as pessoas que tiveram contato com esses 2 casos confirmados. As demais províncias ou estados, incluindo o “berço” dos 2 casos confirmados, ainda não decidiram o que fazer.

A República do Congo – que também está na lista de prioridades da OMS na África – tem uma vantagem no combate ao coronavírus, que é a estrutura que já existia em portos e aeroportos para monitorar o trânsito de passageiros por causa do vírus Ebola.

Essa mesma estrutura agora é usada para ficar de olho nos casos de COVID-19, não só dos passageiros que deixam o país, mas também daqueles que estão chegando.

A vantagem não significa que a República do Congo está tranquila. Um pico de coronavírus no País não seria igual a um surto de ebola. No caso da COVID-19, são necessários aparelhos respiradores para o tratamento e, segundo a OMS, eles estão escassos no país.

Outras regiões da África adotaram medidas de mitigação mais ou menos rígidas. Na parte ocidental, em Senegal e Costa do Marfim, as fronteiras e espaços públicos foram fechados, mas não há quarentena forçada para a população.

No Gabão, que fica na região central do continente, a vida noturna em bares e restaurantes sofreu restrição de horário, uma medida válida, mas que espelha a resistência da sociedade em cooperar com o isolamento.  

Ruanda foi um dos poucos países a adotar o confinamento total da maior parte da população e proibiu por duas semanas as atividades e deslocamentos não essenciais. Marrocos e Tunísia, ao norte, fizeram o mesmo. A maioria dos países proibiu ao menos os eventos públicos e atividades em templos e igrejas, por exemplo. Ainda assim, há relatos de lideranças religiosas violando as recomendações.

A CURIOSA SITUAÇÃO DA LÍBIA, SEM NENHUM CASO

O extremo norte da África é uma das regiões mais densas do continente e tem uma situação curiosa, que é a da Líbia. É o único país ali nas proximidades que não tem nenhum caso de coronavírus até o momento.

Desde 15 de março a Líbia adotou o distanciamento social, fechou locais públicos e também reduziu o horário comercial de serviços não essenciais. Eles restringiram voos e monitoraram os passageiros internacionais, colocando em quarentena todos os aqueles já contaminados e os outros que embarcaram junto. 

Quando ainda não havia atingido sequer uma centena de casos confirmados, a África do Sul, com seus 57 milhões de habitantes, decretou emergência nacional e fechou parte dos portos e aeroportos para estrangeiros. Agora, rumo aos 600 casos, o país decidiu adotar o confinamento por 3 semanas, a partir da próxima quinta feira (26). O exército será acionado para patrulhar as ruas e fazer cumprir a quarentena.

UM VÍRUS QUE NÃO PODE SER SUBESTIMADO

Em entrevista ao R7, a professora de Relações Internacionais da UniSantos, Natália Fingerman, alertou que “o fato de o continente ter uma quantidade pequena de idosos, em função da baixa expectativa de vida, não garante uma quantidade muito menor de vítimas, já que as precárias condições sanitárias e a desnutrição são fatores que abalam a saúde da população.” A África tem algumas dezenas de mortos por COVID-5. 

Fingerman também ressaltou que a COVID-19 infelizmente é só mais uma doença muito séria num continente que tem mais de 400 mil casos e malária por ano. Uma epidemia de coronavírus pode ser novidade para a Europa mas, para a África, infelizmente, não é. As consequências já são conhecidas.

Links consultados:

https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/paises-da-africa-que-registra-mais-de-1200-casos-correm-contra-tempo-para-conter-coronavirus-24321222

https://noticias.r7.com/internacional/pandemia-de-coronavirus-ja-atinge-mais-de-dois-tercos-da-africa-23032020

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/03/23/interna_mundo,836148/africa-se-prepara-para-confinamento-pelo-coronavirus.shtml

https://www.saudemais.tv/noticia/5486-covid-19-libia-diz-estar-livre-de-coronavirus-mas-reforca-medidas

https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/paises-da-africa-que-registra-mais-de-1200-casos-correm-contra-tempo-para-conter-coronavirus-24321222

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_COVID-19_na_%C3%81frica

https://www.afro.who.int/photo-story/scaling-coronavirus-outbreak-readiness-ethiopia

https://www.afro.who.int/photo-story/how-ebola-helping-democratic-republic-congo-prepare-coronavirus-disease

http://www.rfi.fr/br/%C3%A1frica/20200304-coronav%C3%ADrus-avan%C3%A7a-lentamente-sobre-a-%C3%A1frica

https://www.sciencemag.org/news/2020/03/ticking-time-bomb-scientists-worry-about-coronavirus-spread-africa

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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