Misoginia, assédio, transfobia, capacitismo, racismo: Unesp analisa denúncia contra professor acusado de constranger alunos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Unesp não descarta afastamento preventivo, mas cita respeito ao rito processual. GGN publica a denúncia; leia os relatos

Estudantes da Unesp de Marília espalham cartazes com frases supostamente ditas em sala de aula por um professor de Relações Internacionais acusado de constrangimentos aos estudantes

Um professor da Unesp de Marília é protagonista de uma denúncia apresentada pelo Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI) à direção da instituição de ensino, que confirmou ao GGN o recebimento da peça na última quinta-feira, 16 de maio. A reportagem teve acesso aos relatos na íntegra e disponibiliza a peça, pela primeira vez, ao final dessa publicação.

Com um vasto currículo acadêmico, o pós-doutor em Ciência Política, pós-doutor em Sociologia e pós-doutorando em Direito, Rafael Salatini de Almeida, tem sido acusado de supostamente extrapolar a liberdade de cátedra com condutas ou comentários explicitamente misóginos, transfóbicos, racistas, capacitistas e violentos.

Os estudantes afirmam que o conteúdo da aula de Organizações Internacionais é precário e que dezenas de alunos costumam abandonar a aula presencial após responder à lista de chamada, visto que o professor supostamente é afeito a expor sua vida sexual e usa boa parte de seu tempo com comentários do gênero.

“Acredito que sala de aula seja um lugar de aprendizado, mas o desrespeito do professor Salatini para com os alunos inviabiliza o andamento normal da matéria”, diz um dos alunos que contribuiu com a denúncia. Seus nomes foram mantidos em sigilo para tentar evitar retaliações.

Salatini é acusado, inclusive, de supostamente flertar com duas alunas e praticar transfobia quando uma terceira estudante tentou defender as colegas. São repetitivos ainda os relatos de constrangimento e assédio contra rapazes, com perguntas como: “quanto o senhor me cobraria para me dar a bunda?” As ofensivas foram acompanhadas de ofertas de dinheiro.

A denúncia que reúne 44 relatos do que supostamente é vivenciado em sala de aula pelos alunos e está em análise na assessoria jurídica da Unesp, apurou a reportagem.

Procurada pelo GGN, a Unesp informou que “situações dessa natureza podem demandar afastamento preventivo [do professor], no entanto, é necessário o cumprimento de um rito processual que está em andamento, após o recebimento formal da denúncia, sendo assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório.”

OS DETALHES DA DENÚNCIA

Segundo os alunos, o comportamento inadequado do professor é conhecido há tempos, mas tem piorado nos últimos meses.

Um dos relatos diz: “Desde o meu primeiro ano na faculdade, ele fala sobre suas parceiras sexuais. (…) Recentemente, ele disse em sala de aula que é difícil achar uma parceira sexual ‘limpa’, que mulher só era boa mesmo na rua, porque quando você está a sós com ela em casa é que percebe o quão porca ela é”.

São inúmeros os depoimentos dando conta de que o professor supostamente faz comentários misóginos e depreciativos sobre mulheres, sempre no sentido de que suas vaginas são “sujas”, que elas não têm higiene, que são o lado “passivo” das relações, que apanham se não obedecerem aos parceiros, ou que as tatuadas são descartáveis.

Quando entra nesses assuntos, o professor costuma dar “exemplos”. É nesse momento que envolve os estudantes para as situações constrangedoras. Falando sobre passividade, ele teria questionado alguns alunos sobre seus comportamentos em relações e, para uma aluna em específico, ele retrucou com uma ofensa: “você tem cara de tontinha mesmo”. Sobre outra dupla entrevistada, ele teria dito: “Fulana e Ciclano não dariam certos porque ele claramente bateria nela se ela não fizesse o que ele falou.” Outras alunas foram supostamente chamadas de “tonta” e “sonsa” em circunstâncias distintas.

Quando Salatini supostamente assediou duas alunas, uma terceira estudante, que se identifica como mulher trans e adotou o pronome feminino para se apresentar, foi constrangida pelo professor, que fez questão de usar com ela o pronome masculino, chamando-a de “senhor”, na tentativa de repreendê-la por ter tentado defender as colegas. Essa é uma das histórias que mais se repete nos relatos.

Em outros relatos, Salatini é acusado de racismo. Os depoimentos afirmam que ao ler sobrenomes na lista de chamada, ele faz comentários depreciativos sobre sua possível origem, atacando o continente africano e o leste europeu. Em outras situações, teria dito que africanos e latinos não usam o cérebro.

Discursos de ódio também aparecem na denúncia, com registros de que o professor teria afirmado que mulheres que sabem usar armas de fogo não são estupradas. Em outra passagem, consta que o professor teria dito que “ficou muito mais divertido matar pessoas depois da criação das metralhadoras” e que “às vezes você odeia alguém, tem coisa mais gostosa do que serrar o pescoço dela?”.

Alguns estudantes com deficiência relataram que o professor teria ainda sido inflexível em relação ao volume e formato dos trabalhos que deveriam ser entregues, alegando que nenhuma “pessoa doente” teria impedimento para realizar atividades. Confrontado com as particularidades de cada pessoa, Salatini teria decidido reduzir notas dos alunos com deficiência.

“A lei me garante o direito a não compartilhar essas coisas e ter apoio institucional, mas o professor não fez o mínimo de esforço. Ao fim, me concedeu algumas adaptações, que considerou caridade e não direito, não atribuindo a nota merecida, visto que não fiz os mesmos trabalhos que os meus colegas. Outros alunos deficientes também tiveram suas notas reduzidas”, disse um estudante cujo nome é mantido em sigilo.

AMEAÇAS VELADAS

Um dos alunos também registrou na denúncia que o professor Salatini teria começado o semestre desfilando seu currículo e ressaltando suas habilidades jurídicas para enfrentar processos. “Ele contou como não tem colegas de trabalho no campus, assim como relatou os processos que a direção ou docentes da própria unidade movem contra ele. (…) De cara já é possível ver que essas aulas iniciais são para colocar medo em nós”, comentou um estudante.

OUTRO LADO

O professor Rafael Salatini de Almeida foi procurado para exercer seu direito de resposta, mas não respondeu até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

Instada a se posicionar sobre os relatos dos alunos, a Unesp respondeu à reportagem que “todas as denúncias de assédio que chegaram ao conhecimento dessa atual gestão foram devidamente apuradas e, quando comprovada a materialidade, os acusados foram punidos, como recentemente ocorreu.”

A Unesp informou ainda que disponibilizou “serviço institucional de acolhimento a vítimas de violência e assédio, bem como atendimento psicológico.”

“Destacamos que a UNESP possui forte política educativa institucional de enfrentamento às situações de assédio, violência e desrespeito aos direitos humanos”, finalizou em nota.

Leia a denúncia na íntegra:

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  1. Nos anos 1980 esse tipo de problema era resolvido de maneira diferente. Em meados de 1985, quando estava no primeiro ano da Faculdade de Direito, encontrei uma colega de sala chorando copiosamente no corredor. Perguntei a ela o que havia acontecido: “Eu cometi o erro de dar o telefone do meu trabalho para o professor assistente de Direito Constitucional. E agora ele me liga quase todo dia para fazer declarações de amor. Esse final de semana ele foi à casa dos meus pais pedir minha mão em casamento.” O tal professor, um cara gordinho com cara de psicopata, pegou o endereço dela na Secretaria da Faculdade. Eu tranquilizei a colega e disse que resolveria o problema. Então eu recrutei dois irmãos gigantes que estudavam na nossa sala e disse que eles só precisavam ficar atrás de mim quando a solução fosse colocada em prática. No dia que o tal assistente veio dar aula eu avisei os dois colegas e fiquei no corredor. Depois que os alunos entraram fechei a porta na cara do professor e meti o dedo na cara dele dizendo que ele deveria parar de assediar minha colega. Ele riu nervoso e perguntou o que eu faria, zombando da minha estatura. Disse a ele que eu não faria nada, mas os dois “manos” atrás de mim dariam uma surra nele. Problema resolvido. O cara desistiu de dar aquela aula e nunca mais apareceu na Faculdade. Resumindo: tá faltando colhões nessa estudantada. As vezes uma ação direta é mais eficaz nesses casos.

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