Xadrez dos ensaios do próximo jogo político, por Luis Nassif

Peça 1 – o bolsonarismo

O cientista político Leonardo Avrizter sintetizou bem como o coronavirus colocou em crise três pilares do pensamento olavista:

  1. Repulsa ao pensamento científico. A ciência assume o protagonismo nessa guerra.
  2. Repulsa ao Estado e às instituições. Máquina do Estado, Congresso, Supremo e Forças Armadas se tornam únicas garantias contra loucuras de Bolsonaro.
  3. Racha na direita, com o isolamento da ultradireita bolsonarista.

Bolsonaro está interditado, mas ainda é o Presidente. Durante o dia, manteve várias reuniões com lideranças do centrão, tentando recompor sua base de apoio. No pronunciamento previsto para esta noite se saberá melhor até onde irá seu recuo.

Há apenas uma certeza: vai durar pouco tempo. O único ponto previsível nessa crise é o padrão de desequilíbrio de Bolsonaro, tão inteligente e previsível quanto um touro ante um pano vermelho.

De qualquer modo, seu futuro depende de outros fatores, da progressão de seu nível de desequilíbrio e das condições para a montagem de um pacto de governabilidade.

O candidato natural a ocupar o espaço da ultradireita é o anódino Ministro da Justiça Sérgio Moro, incapaz de avançar em qualquer ideia além dos autos e das delações premiadas.

Peça 2 – os novos personagens

Os novos atores políticos sairão dessa guerra contra o coronavirus.

A vulnerabilidade exposta pela pandemia chamou a atenção para os riscos enormes de se persistir no irracionalismo e na polarização política. Por isso mesmo, todos os novos atores ensaiam uma corrida para o centro.

De imediato há dois grupos de candidatos: os agentes de saúde e os governadores.

Do lado da Saúde, o candidato óbvio é o Ministro Luiz Fernando Mandetta, apesar de sua biografia política de baixíssimo nível – inclusive, antes do coronavirus, acatando maluquices bolsonaristas, como as de que os médicos cubanos iriam incentivar a guerrilha no país. Cresceu na pandemia pela cabeça organizada e pela capacidade de dialogar com todos os setores. Ou seja, por ter caminhado para o centro.

Não se pode perder de vista o crescimento político do presidente da Câmara Rodrigo Maia.

Entre os governadores há dois tipos de disputa, pela direita e pela esquerda, ambos convergindo para o centro.

Pela direita, o lance mais bem-sucedido até agora foi do governador paulista João Doria Jr., aproveitando o momento para tentar repaginar sua imagem original, extremamente agressiva e preconceituosa.

Agora, tem-se comportado como o comandante em chefe da guerra contra o coronavirus, inclusive manifestando preocupações – por enquanto, retóricas – com os mais vulneráveis, e cometendo gentilezas até com Lula.

É inegável que as próximas pesquisas de opinião mostrarão uma redução nos seus índices de rejeição. Aliás, os comentários de alguns colunistas, sobre a reação negativa que seu gesto teria provocado nos antigos quadros do PSDB, traz o impensável: Dória se tornando mais liberal que os filhos de José Serra e Geraldo Alckmin. Alguns analistas ainda não perceberam que a guerra fria acabou – só se mantem no front bolsonarista –  e já teve início uma política de détente.

Há movimentos também do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel em direção ao centro. Mas este se queimou definitivamente com sua política genocida de “acertar na cabecinha”. E a imagem dele ao lado de partidários arrebentando a placa com o nome de Marielle o perseguirá por toda sua vida política.

Do lado esquerdo, pontificam os governadores do Nordeste, com maior visibilidade para Flávio Dino, do Maranhão, e Rui Costa, da Bahia, com uma fantástica renovação dos hábitos políticos a partir das realizações do consórcio do Nordeste.

Peça 3 – as novas bandeiras

O coringavirus radicalizará dois movimentos opostos: o irracionalismo vs o planejamento, especialmente quando sobrevier a depressão econômica prevista.

A ultradireita jogará com a superstição, agindo como vendedores de bíblias e de elixires mágicos.

O lado racional do país trabalhará com algumas ideias síntese essenciais:

A mudança no conceito de segurança nacional

Setores como energia, complexo econômico da saúde, propriedade de terras passarão a ser tratados como prioridade no conceito de segurança nacional.

Todos os passos de políticas públicas, daqui para frente, serão analisados sob a ótica da segurança nacional.

Os programas de C&T (ciência e tecnologia) ganharão novo impulso, mais focado nos setores estratégicos. O mesmo ocorrerá com a indústria de defesa e os institutos militares, com as Forças Armadas recuperando um pensamento estratégico totalmente abandonado nas últimas décadas.

As Forças Armadas que, nos últimos anos perderam qualquer veleidade estratégica, rendendo-se a um neoliberalismo de Globonews, irão rever seus procedimentos. Haverá novas prioridades para os institutos militares e a indústria de defesa.

Acaba, assim, a aventura inconsequente da tentativa de privatização da Eletrobras. E ficará exposta a irresponsabilidade do desmanche da Petrobras e da liquidação da indústria naval, perpetrado na gestão Pedro Parente.

A volta das políticas sociais

O SUS passa a ser visto com outros olhos e será reforçado. Mas a recuperação das políticas sociais dependerá dos resultados eleitorais e da eventual vitória de um candidato de centro-esquerda.

Há uma herança invencível brasileira, de incapacidade de entender que a redução da desigualdade é peça central para a construção de um país moderno.

O conceito de consórcio e de parceria

Daqui a algum tempo, o conceito de consórcio estadual e municipal e de parcerias suprapartidárias e intersetoriais serão ideias centrais na reconstrução econômica do país.

As lições do consórcio do Nordeste é o que há de mais estimulante em reconstrução do pacto federativo.

Luis Nassif

Luis Nassif

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    • Eu tbm, não vejo futuro para o Brasil. Quando essa crise terminar voltaremos para o normal bolsonarista. O consórcio nordeste não resistirá as investidas do poder judiciário, quando aparecerem as primeiras inregularidades.

    • Otimismo? Que nos leve para o centro? Qual é o centro da política brasileira? O MDB? Uai, se Lula e Dilma com aquele pacto meia-boca de distribuição acanhada já foram escorraçados, onde é que fica o centro?
      Centro é uma ilusão, meus caros, só isso. É o nome que se dá para manter a direita no poder, ou apear a esquerda quando ela ganha eleição.
      O centro no Brasil só pende para um lado.

  • Hoje, no site do estadão, o CEO do Bradesco disse que novos ajustes terão que ser feitos após a pandemia e que existe uma boma fiscal sendo armada para após 2020, ou seja, a aliança grande burguesia/mídia jogará todo o seu peso no aprofundamento do programa econômico que desde 2015 tanto sofrimento causa ao povo trabalhador. Portanto, considero esse xadrez como uma expressão de desejo - que também é meu -, mas, infelizmente, a realidade será muito mais dura, inclusive com riscos graves de retrocessos. Independente do que será feito com o governo Bolsonaro.

  • Segundo declaração novinha de Mandetta "quem comanda esse time é Jair Bolsonaro". Em outras palavras: vai dar m..... Portanto, o técnico é que será o culpado.

  • O Nassif é incorrigível.
    Sonhador a mais não querer e o pior que faz questão de desconhecer que o cerne da questão depois do corona vírus irá se agudizar ainda mais dado que será a chance do capital se sobrepor a todos os demais agentes econômicos.
    É da natureza dele, Nassif (escorpião)!!!

  • a Parte 3 me parece puro sonho, desejo.

    Continuará a pressão neoliberal neoescravocrata no Brasil. Pressão que aliás não foi suspensa durante a pandemia.. vide ações de Guedes, que não sofreram a devida crítica nem da Globo e nem De Stadao e Folha.

    Com o aumento da dívida pública esse ano, em 2021 em diante virão com sanha ainda maior de ajuste fiscal, destruindo de vez a ciência e os serviços públicos.

    O que pode barrar isso, como será, é só uma reorganização da classe trabalhadora.

    Não é uma pandemia que faz neoliberais deixarem de sê-lo, mas a obstrução das lutas sociais e da hegemonia delas na sociedade.

  • Nassif, esse cenário otimista que você desenha não está consolidado. Ele somente será implementado se as forças "nacional-desenvolvimentistas" conseguirem se impor frente aos interesses do capital internacional aliado com o mercado financeiro nacional e a Globo News e cia.

    Para dar uma ideia, veja a opinião de Ian Bremmer, presidente e fundador da Eurasia Group: "seu governo [de Bolsonaro] reunia condições para realizar as maiores reformas econômicas do mercado emergente nos últimos anos".

    Vou repetir: "as maiores reformas econômicas do mercado emergente nos últimos anos".

    O que ele quer dizer com isso?

    Privatizações, fim da previdência pública, fim das leis trabalhistas. Ou seja, vender barato o Brasil e reduzir o custo do trabalho, transformando seu povo numa massa de miseráveis que vão trabalhar a qualquer preço e quanto for preciso para não morrerem de fome.

    Depois, ele observa, numa linha de raciocínio parecida com a análise desse Xadrez: "Quando confrontado com o coronavírus, porém, sua ação foi desastrosa."

    Em resumo, embora ele reconheça a insensatez do Presidente, ele não deixa de defender o que ainda está no seu horizonte, brilhando como um diamante: "as maiores reformas econômicas do mercado emergente nos últimos anos"!

    A ganância humana não tem limites e há uma aliança dominante entre a elite local e os interesses internacionais. E isso não será mudado pela boa vontade dessas forças dominantes.

    Para transformar o país é necessário um novo arranjo interno entre pequenos e médio empresários, agricultores, burocratas (civis e militares) e trabalhadores, que seja capaz de enfrentar a aliança hegemônica do grande capital nacional, fortemente dominado pelo setor financeiro e agroexportador, e o capital internacional.

    E a primeira etapa dessa mudança, como intuiu o velho Brizola, passa pelo enfrentamento das "cabeças pensantes" do Brasil, ou seja, os grandes meios de comunicação. Desde Chateaubriand, passando pelos Frias, Marinhos e Civita, e Edir Macedo, etc., são eles que defendem de forma indireta e muito eficiente essa aliança dominante e espúria.

    Enfim, somente rompendo com o oligopólio midiático será possível construir o ideário de uma aliança "nacional-desenvolvimentista".

    • Excelente.
      Li a reportagem do tal Ian Bremmer e tive a mesma sensação.
      Querem chupar tudo dos pobres.
      Ontem acabaram com o PIS/PASEP.

  • Nassif, de onde tirou que os militares vão mudar de posição, se foram eles que criaram as condições disso que está ai (ou esqueceu do tweet do Villas Boas ameaçando o STF se Lula fosse solto?)?

    Ao meu ver Jackes Wagner cometeu um grande erro não tendo sido ele o candidato (no lugar de Haddad, que apesar de ótimo quadro, não tinha tanta visibilidade quanto Wagner). RC pode governar bem, mas a queima de arquivo de Adriano ocorrida na Bahia é uma mácula difícil. Gostaria muito que fosse Dino a opção da esquerda, mas no "Movimento65" acho difícil. Lula diz que não mas desmascarado o viés de Moro, anulada a condenação do triplex, talvez fosse o único nome que unisse a esquerda com condições, mas voltaríamos ao problema de 2018, polarização com o anti-petismo. E também a idade do Lula.

    A direita parece melhor posicionada dessa vez, depois de 14 anos fora do poder já se recompôs.

    • Caro Bruno Cabral, Flávio Dino é filiado ao PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B). Movimento 65 não é um partido político, é uma providência tática para as eleições deste ano, tendo em a anti-democrática lei eleitoral (Proibição de coligações proporcionais e cláusula de barreira).

      • Eu sei que ele é do partido comunista, meu caro, o movimento 65 e a aposentadoria da bandeira vermelha e da foice e do martelo é un beta teste pra ver se deixa de assustar o povo que ainda acha que comunista come criancinha e vai tomar o pouco que a pessoa tem (embora quem faça isso sejam os bancos e o capitalismo)

        Meu ponto é, ele ganha estando num partido comunista?

  • Creio que a adoção do neokeynesianismo por parte dos principais "analistas" econômicos de plantão é algo momentâneo, um "resfriadinho" que passará tão logo a Covid-19 for debelada. Daí em diante voltarão ao clássico receituário neoliberal.
    Mas me parece que a revisão do pacto federativo também entra nesse xadrez.
    Essa pandemia provou os perigos de termos um governo central forte entregue às mãos de um sujeito desprovido de qualquer capacidade de gerenciar um Estado complexo como o Brasil. Nesse ponto os governadores ao perceberem a inação do governo federal tomaram a dianteira no combate a Covid-19 suspendendo aulas, impondo o isolamento social, preparando hospitais de campanha etc. Porém, tudo isso à revelia de Brasília que surgiu apenas com o discurso de ajuda financeira e material e ainda tendo que aturar o presidente da República atuando no sentido contrário. Com certeza a classe política e sociedade, após essa percepção trará um amplo debate sobre o federalismo e nosso pacto federativo.
    Aí aparecem dois problemas principais:
    1) vivemos num país com enormes desigualdades regionais e apenas o governo central é capaz de aplicar políticas públicas a fim de reduzir essas desigualdades;
    2) correríamos o risco de ver ressurgir as oligarquias regionais; se hoje as diversas assembleias estaduais, com raríssimas exceções, são dominadas pelo fisiologismo com um diminuto bloco de oposição sufocado; se hoje a Justiça e o MP nos estados mostram conivência com os mandatários de plantão; se hoje praticamente inexiste imprensa regional independente e imparcial quando essa se abastece de favores políticos; não é difícil imaginar como ficariam todas essas instituições com um executivo estadual robustecido numa eventual repactuação federativa.
    Isso quer dizer não deveríamos debater um novo pacto federativo? Pois bem, para iniciar esse debate antes seria mais correto criarmos um grande fundo nacional de combate à desigualdade regional. Temos, ou tínhamos no FUNDEB um bom modelo ou para usarmos um outro modelo e ponto de partida – guardadas as devidas proporções – o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
    Provavelmente para avançarmos no debate, teríamos que voltar o outro debate inconcluso, a Reforma do Judiciário e um MP que não se furte de atuar, mas com limites claros estabelecidos.
    Tudo isso só pra ficarmos no começo de conversa.

  • O nome do cientista deve ser Leonardo Avritzer, certo? Nassif, seu otimismo continua firme, mas acho que os abutres vão lutar por mais concentração de renda, e a parte civilizada não terá força para o enfrentamento, especialmente nesta era de desemprego avassalador.

  • O cenário pós covid-19?
    Menos humano, mais Inteligência Artificial.
    A "conquista" do fruto proibido abrâmico.
    A humanidade precisa de uma nova cosmovisão para vencer a civilização.

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