A pesada herança do pensamento religioso na esquerda, por José Luis Fevereiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A pesada herança do pensamento religioso na esquerda

por José Luis Fevereiro

Algo que sempre incomodou desde o inicio da minha militância, na virada dos anos 70 para os 80, foi a recorrente tendência de setores da esquerda de apresentarem explicações morais para todas as derrotas ou insuficiências. O MEC ( antigo Ministério da Educação e Cultura) aumentou os preços dos bandejões das universidades? culpa da direção da UNE que traiu a luta dos estudantes . Collor venceu a eleição de 1989? culpa da Articulação ( tendência majoritária do PT à época da qual fazia parte Lula) que  ficou com medo de vencer e orientou Lula a perder o debate final (sim meninos, eu ouvi isso).

Fracassou a greve geral de 30 de junho? Culpa das direções das grandes centrais que desmobilizaram as classes trabalhadoras ( que “obviamente” queriam fazer a greve).Temer  tem  apenas 5% de aprovação e mesmo assim não há manifestações de massa pela sua derrubada? culpa de setores da esquerda que na verdade não querem derrubar o Temer porque …… .
O que me impressiona é o total protagonismo que se atribui  nestes “raciocínios” às direções e aos aparatos ( partidos, sindicatos, centrais), e a absoluta falta de protagonismo e iniciativa que se atribui ao povo.

Obviamente que direções partidárias e sindicais incidem  sobre a conjuntura e cumprem um papel relevante, que linhas politicas distintas fazem diferença em determinadas conjunturas,  mas a busca permanente por responsáveis morais, traidores presumidos e linhas politicas equivocadas como responsáveis por todas as derrotas, busca apresentar como contraste a linha justa, a verdade revelada, o programa redentor, da qual  a corrente  A, B ou C é portadora. 

O maior problema desse comportamento típico da Ordem dos Templários, ou da Irmandade de Cavaleiros de Jedi, é que a analise das condições objetivas da realidade passa sempre para segundo plano. Na Greve Geral de 28 de abril o clima nas ruas, nas redes sociais, nas assembleias, deixava claro que algo grande iria acontecer. Havia a expectativa de que a mobilização poderia travar as reformas trabalhista e previdenciária, e isso foi essencial para o sucesso da greve. Em junho, e isso era evidente nas ruas e nas redes , a sensação dominante era que a reforma trabalhista já estava virtualmente aprovada e a previdenciária não avançaria por conta da fragilização do governo Temer. Teve sim o recuo da Força Sindical e da UGT, mas mesmo que não tivesse esse recuo ,30 de junho seria uma pálida sombra de 28 de abril.

É preciso  entender que mobilizações de massa ocorrem com pautas simples, claras, com a percepção da sua viabilidade, e com a expectativa que a vitória significará ganhos efetivos e imediatos. Vale para a direita e para a esquerda. As classes medias conservadoras que foram á rua pelo impeachment  tinham uma ideia  clara que derrubada Dilma  os seus problemas estariam resolvidos; acabaria a corrupção, acabaria a crise econômica, acabaria a sua percepção de perda de status social. Evidentemente nada disso aconteceu e os movimentos, MBL, Vem Pra Rua , ficam pateticamente chamando atos que sabidamente não mobilizarão ninguém. Este último está desde junho chamando um ato para 27 de agosto destinado ao fracasso( provavelmente será adiado  sob um pretexto qualquer).

A dificuldade do movimento Fora Temer em promover  mobilizações massivas  está ligada á percepção que a sua derrubada não mudará grandes coisas. Não passará a emenda por eleições diretas,  o substituto será Rodrigo Maia, Henrique Meirelles já avisou que fica, a crise econômica e o desemprego ficam também.

Mas obviamente para  os Savonarolas de plantão é mais conveniente responsabilizar direções sindicais e partidárias acusando-as do delito moral da traição.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. Apenas um comentário: as

    Apenas um comentário: as classes médias não queriam que seus problemas fossem resolvidos. Queriam, simplesmente, parar com a sangria desatada das políticas econômicas desenvolvidas pelo petismo, e acharam nas pedaladas de Dilma motivo suficiente para começar o processo de “impeachment” (e os protestos que se seguiram).

    1. Justamente. A coxinharada, a

      Justamente. A coxinharada, a quem o articulista generosamente chama de “classe média conservadora”, prefere ela própria sofrer as agruras de uma situação econômica desfavorável a si mesma desde que a elite continue se locupletando e brilhando, para ter a quem idolatrar, mas principalmente desde que a ordem econômica desfavoreça o acesso da “outra” classe média a recursos que ela julga exclusivos seus como educação, saúde, uso de avião para viajar, lezeres como dar rolê em shopping, bens de consum e a toda sorte de vulgaridades baratas, coloridas e cibernéticas que o capitalismo produz.

      É como se houvessem duas ou mais classes médias, assim classificadas não pela função social – que essa deixaria claro que só há duas classes sociais no capitalismo, os que exploram e os que são explorados – mas por uma mistura de ganhos mensais, origem familiar, etc.

      – “Poxa, mas se eu sou explorado na firma mas mantenho empregado doméstico… que classe eu sou?”

      – “Poxa, mas eu tenho minha própria loja, minha esposa, um consultório e meu primo, uma pequena indústria. Não somos, por isso, da elite? Olha que somos sócios do Pinheiros, hein?”

      A pedra de toque: você está perdendo poder econômico com a recessão? Se não, você é elite. Se está, não é.

  2. Para pensar

    E como faz para mudar as condições objetivas da realidade? E quem pode e/ou deve fazer?

    Como convencer quem não está com fome de que deve lutar por algo que promova o fim da fome? Educação, talvez? Mas educação parece que é um recurso que só funciona a médio ou longo prazo, é isso? Como fazer esse convencimento?

    Como mobilizar os trabalhadores senão através de sindicatos e partidos? Se a necessária mobilização não é responsabilidade das pessoas organizadas nessas entidades, é reponsabilidade de quem?

    Note: responsabilidade e não culpa, já que culpa implica em julgamento.

  3. A pauta esta clara

    Esses dias revi “Eles não usam Black-tie”. O personagem Braulio de Milton Gonçalves diz durante o piquete, convocando o operariodo para a greve “não é nada pessoal, é a politica. Eh a politica!”

    Ha muita procura das causas, mas o que esta acontenco nos nossos narizes é que todos os grandes quadros do PT foram condenados ou poderão vir a ser perseguido juridicamente, como Lula esta sendo. E ai, é uma pauta bem clara que esta diante de nos: Eh a surrada luta de classes. 

  4. Nossa derrota deriva da nossa fraqueza, não das nossas virtudes

    Diria Brecht:

    “(…)

    É igualmente necessária coragem para se dizer a verdade a nosso próprio respeito, sobre os vencidos que somos. Muitos perseguidos perdem a faculdade de reconhecer as suas culpas. A perseguição parece-lhes uma monstruosa injustiça. Os perseguidores são maus, dado que perseguem, e eles, os perseguidos, são perseguidos por causa da sua virtude. Mas essa virtude foi esmagada, vencida, reduzida à impotência. Bem fraca virtude ela era! Má, inconsistente e pouco segura virtude, pois não é admissível aceitar a fraqueza da virtude como se aceita a humidade da chuva. É necessária coragem para dizer que os bons foram vencidos não por causa da sua virtude, mas antes por causa da sua fraqueza. A verdade deve ser mostrada na sua luta com a mentira e nunca apresentada como algo de sublime, de ambíguo e de geral; este estilo de falar dela convém justamente à mentira. Quando se afirma que alguém disse a verdade é porque houve outros, vários, muitos ou um só, que disseram outra coisa, mentiras ou generalidades, mas aquele disse a verdade, falou em algo de prático, concreto, impossível de negar, disse a única coisa que era preciso dizer”..”

     

    “Così pure ci vuole coraggio per dire la verità sul conto di se stesso, di se stesso, il vinto. Molti di coloro che vengono perseguitati perdono la capacità di riconoscere i propri difetti. La persecuzione appare loro, come la più grave delle ingiustizie. I persecutori, dato che perseguitano, sono i malvagi, mentre loro, i perseguitati, vengono perseguitati per la loro bontà. Ma questa bontà è stata battuta, vinta, inceppata e doveva quindi trattarsi di una bontà debole; di una bontà difettosa, inconsistente, su cui non si poteva fare affidamento; giacché non è lecito ammettere che alla bontà sia congenita la debolezza così come si ammette che la pioggia debba per definizione essere bagnata. Per dire che i buoni sono stati vinti non perché erano buoni, ma perché erano deboli, ci vuole coraggio. Naturalmente la verità bisogna scriverla in lotta contro la menzogna e non si può trattare di una verità generica, elevata, ambigua. Di tale specie, cioè generica, elevata, ambigua, è proprio la menzogna. Se a proposito di qualcuno si dice che ha detto la verità, vuol dire che prima di lui alcuni o parecchi o uno solo hanno detto qualcos’altro, una menzogna o cose generiche; lui invece ha detto la verità, cioè qualcosa di pratico, di concreto, di irrefutabile, proprio quella cosa di cui si trattava”.

     

  5. Até concordo com algumas

    Até concordo com algumas dessas idéias, discordo de muitas outras. O que nao entendi é o seguinte: essa é uma carta em que o autor se desliga do partido a que pertence e rompe com os tais “Savonarolas de plantão”? Ou é mais uma demonstração de esquizofrenia?

  6. Isso não é de agora, sei que

    Isso não é de agora, sei que sabe muito bem, mas não é somente procurar o responsável pelo fracasso, que nunca envolve a atuação dos acusadores, são sempre os outros os culpados. Há também, em muitos desses partidos que se autodenominam de esquerda, a atuação típica de quem milita na direita, dedurando práticas, pessoas, o que seja, muitas acusações baseadas em mero achismo. Grande parte desses grupelhos estão desde os tempos da ditadura de 1964, muitos eram aninhados no PT, onde ingressaram, alguns desde o início, desejando fazer a revolução socialista, num partido também com trabalhadores, é certo, mas a imensa maioria pequenos burgueses, que querem é se dar bem. Há exceções é claro. Pela prática que aponta, depois de 1985, foram percebendo que o PT não se prestava a esses propósitos revolucionários que são inviáveis, sabem muito bem, por isso da boca para fora, que na realidade fortalece a direita, e foram se debandando e criando seus próprios inferninhos. Hoje, sustentam-se com o fundo partidário, tendo pequenas militâncias, e pouco ou nenhum representante no Congresso, vale dizer sem votos, nem seguidores, alguns a mais de vinte anos na estrada. O discurso que julgam revolucionários então, o mesmo há mais de quarenta anos. Sonhando com a tomada do poder num país continental como o Brasil, a sétima economia do mundo capitalista, a maior e melhor equipada força armada da América Latina, mesmo sem aramas nucleares. Alguns até falam na possibilidade de implantar a ditadura do proletariado. Parecem aqueles protestantes berrando nas praças, anunciando a volata de Cristo para ninguém, Quem vê as dificuldades para fazer política que beneficie a população (o PT e sua militância tem grande crédito nesse sentido, e mostrou ser possível na prática com Lula e Dilma), e atua dentro da existente legalidade, com objetivos com base nessa mesma legalidade, é acusado de reacionário (direita mesmo), ou revisionista.

  7. esquerda light..

    eu me sinto no direito de criticar as esquerdas, as direções sindicais e partidárias, por rejeitarem uma revolução no sistema político que ameace sua própria perspectiva de poder.. hoje ficam aí fazendo força para colocar gente nas ruas, mas todo mundo já percebeu que não há um norte, e que ir para as manifestações vai no máximo conquistar umas cacetadas da PM.. a esquerda brasileira é responsável por isso.. é ela quem embala os devaneios tipo Lula 2018 ou coisas do gênero.. temos uma esquerda irresponsável que aposta no desgaste do governo como combustível dos seus desejos.. às custas do enorme sofrimento do povo.. é uma esquerda reformadora, acomodada..

  8. Ordem religiosa

    Não vejo este assunto sob a ótica do autor. na verdade, os partidos de esquerda e o governo Dilma foram pegos de surpresa, jamais imaginaram que a direita fosse capaz de fazer o que fizeram. Conviveram ha anos com os partidos do centro e realmente o que aconteceu agore é um ponto fora da curva. A  amoralidade nunca se apresentou tão despudoradamente. nenhum governo foi pior que este.                                                                                                                                                        No primeiro momento, após o impeachment, 40 mil a 50 mil passoas saiam para manifestações, mas Temer ainda não era efetivo e não enviava a PM contra os manifestantes. Depois da efetivação a coisa mudou. Toda manifestação é uma guerra, só que de um lado há a PF jogando bombas de gas e balas de borracha e o outro lado desarmado e desorientado. Organizadpres das manifestações e passeatas nãp preveem que a polícia poderá atacar e não orientam as pessoas o que fazer caso isso aconteça. Resultado: duas pessoas já perderam um dos olhos, outros foram para UTI, outros ficaram feridos pela balas de borracha. Quem vai convencer alguém a enfrentar a polícia sem nenhuma proteção? Enquanto não houver um plano para uma resistência inteligente, eu que já fiz parte de várias manifestações ,não irei mais a nenhuma.Só a inteligência pode vencer a força bruta. Enquanto ela nã for usada, ficará dificil organizar manifestações.

  9. Bom

    Reflexão interessante. As forças de esquerda por aqui  sofrem sim em sua maioria muita influência do mea culpa mea máxima culpa da igreja. Por isso, sempre culpam o PT por não ter feito isso ou aquilo quando no governo e daí os motivos de ter sido jogado fora. Igrejeiros são gente muito boa, mas não sabem fazer análise nua e crua da realidade. Esquecem a questão básica em política que é a correlação de forças. Neste país a direita sempre manteve o poder real. O PT precisou negociar sim com os donos do poder para conseguir amealhar migalhas que foram gigantescas para os despossuidos.  Logo, O PT acabou sendo jogado fora do poder por seus acertos e não por seus erros. Os grupos de esquerda críticos esquecem também o poder das forças externas pressionando e financiando a direita interna para criminalizar o PT de todas as formas e jogá-lo nas cordas para abocanhar as imensas reservas deste país num momento em que se preparam para novas agressões militares a outros países. Ou seja, nem a história e geo-política mundial parecem levar em consideração neste momento. Bem aí batemos com os igrejeiros: crucificaram o PT e seu líder máximo porque o pouco que conseguiram foi excessivo para os donos do poder real no país e no mundo.

  10. Perfeito. Vejo muito essa
    Perfeito. Vejo muito essa análise moralista no PSOL. Não fazem nada contra o golpe, não se posicionam contra a perseguição ao Lula, e aí querem dizer que o PT ou a CUT trabalham contra as mobilizações, o que não é verdade. O PSOL e parte da esquerda a ele ligada agem para destruir a própria esquerda, com a expectativa de tomar o seu lugar. Isso precisa ser dito e denunciado.

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