Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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O mesmo, o mais e o nada, por Fernando Horta

Foto Ricardo Stuckert

O mesmo, o mais e o nada, por Fernando Horta

O professor Luis Felipe Miguel escreveu claríssimo texto sobre o que se pode esperar de um novo mandato de Lula. Quem não leu, por favor está aqui. Luis Felipe Miguel além de referência na área de Ciência Política no Brasil, é um sólido pensador de esquerda ancorado em um profundo conhecimento acadêmico. Nada poderia ser melhor para todos nós do que a presença crítica de sua voz ante às incertezas que rondam o país. Também é preciso reconhecer que tanto Miguel quanto eu militamos no mesmo lado, temos um compromisso inarredável com valores como igualdade social, ampliação da participação política e conscientização do indivíduo e do seu papel na sociedade e economia.

O texto do professor é dirigido ao texto anterior que publiquei “Pode Lula fazer mais?. E agrega importante crítica ao primeiro texto. Basicamente Miguel afirma que o “lulismo” é caracterizado por uma proposta de conciliação de classes que teria se esgotado em algum momento entre 2010 e 2014 pela ruptura bilateral do acordo. Tanto o “grande capital” teria se enfastiado dos termos da barganha (que previa redução das vulnerabilidades sociais dos mais pobres em troca da manutenção dos ganhos financeiros) quanto os “setores populares” teriam também demonstrado seu inconformismo com os limites que o lulismo teria a oferecer. O recado das ruas, para o professor, teria sido claro a partir das “jornadas de junho” de 2013. Miguel ainda afirma que a Lava a Jato deve aumentar os custos do fisiologismo e diminuir a possibilidade de uma “conciliação” por “compra” ou “aluguel” de maioria no congresso e conclui que as ruas devem ter peso forte num novo governo Lula, direcionando o ex-presidente a fazer mais. Caso contrário, Lula não teria nada a oferecer.

A argumentação de Luis Felipe Miguel é consistente e clara, mas assume três pontos com os quais eu tenho discordância e vou, espero que com a mesma lucidez de Miguel, tentar aqui expor:

Em primeiro lugar, é comum retratar o lulismo como um “acordo de composição de classes” em que, num momento de ciclo internacional favorável, existiu a oportunidade de que “todos ganhassem” com o governo manejando esta concertação. Eu tendo a ver esta definição do “lulismo” falha e incompleta. Quando se define algo é preciso que se faça de forma positiva, distinguindo características que façam uma separação entre a coisa definida e o universo ao redor. Ora, não existe, na história brasileira, governo que não tenha sido ou de concertação de classes ou ditatorial com imposição dos ditames dos grupos mais ricos. Neste sentido, dizer que o “lulismo” foi uma “negociação” entre os grupos não é defini-lo, eis que todos os governos no Brasil assim o são (excetuando-se os ditatoriais). O fato é que no Brasil o positivismo fundador do nosso Estado se mantém como ideologia até hoje, e não apenas na bandeira. Isto significa que a “concertação” ou acordo de classes mediado pelo governo é condição primária para qualquer presidente. Enquanto em outros países o “termo médio” das ações políticas é encontrado mediante intensa luta parlamentar, com as forças que ganharam a eleição tentando impor seu projeto e a oposição resistindo, no Brasil a concertação é o ponto zero de qualquer governo. A oposição passa a ter papel fisiológico, eis que o presidente já avisa que vai “governar para todos”. Resta apenas saber o preço dos votos da oposição para ajudar neste projeto. Quase sempre em dinheiro e não em contra-projetos.

Neste ponto, o chamado “lulismo” não é diferente de outros governos. Mesmo os governos FHC, em que a barganha foi visivelmente mais desfavorável aos setores populares, pode-se ver claramente que a estabilização da economia e o controle econômico das ferramentas cambiais proporcionaram um importante respiro para os setores populares (ao menos no primeiro governo). O lulismo é caracterizado pelos seus resultados e não pela forma de fazer política. A mim, parece que a retirada de significativa parcela da zona da fome, a ampliação para outras classes e etnias do acesso à educação, o aumento do emprego e da renda e a política externa caracterizam o período. A “concertação” me parece que não.

O argumento de Luis Felipe Miguel conclui pela ruptura desta concertação durante (ou depois) do primeiro mandato Dilma Rousseff. É fato que houve esta ruptura, mas não me parece que ela seja perene. A resistência às reformas propostas por Rousseff me parece muito mais fisiológica parlamentar (com medo das medidas contra a corrupção) do que econômico-social. O parlamento golpeou Rousseff, as forças econômicas não estavam tão seguras. Havia muitas vozes dissonantes mesmo dentro do grande capital (veja-se declarações do presidente do Bradesco, por exemplo) e hoje, com o fracasso de Temer, pode-se ver o capital desembarcando da aventura golpista. Não apenas a JBS, o setor de construção civil, os sindicatos e empresas de engenharia, de petróleo, mas também os pequenos empreendedores estão sentindo no bolso o custo de se atacar a democracia. A fraqueza de Temer demonstra sobejamente isto. Creio que há sim espaço para nova concertação, os termos dela, entretanto, serão relativos ao poder parlamentar que o presidente dispuser. O capital é mais pragmático do que ideológico.

O professor Luis Felipe me acusa, com razão, de ter pouca fé nas ruas. E, ao mesmo tempo, exalta 2013. Ainda não estou certo do que houve em 2013. Tendo a aceitar que pautas difusas, movimentos “apolíticos” e a adoção dos manifestantes pela mídia oligárquica como “virtuosos” (até os black blocs, pelo menos) não são indicadores do caráter “popular” de 2013. Vejo as jornadas de junho como um grande experimento social, aos moldes das Revoluções Coloridas pelo mundo, em que se utilizou mídia, redes sociais e muito dinheiro para desestabilizar governos. Neste engodo, parte da esquerda caiu e até hoje se recusa a perceber. Historicamente, por mais que me doa dizer isto, as ruas no Brasil pouco ou nada significam. A ditadura de 64-85 não acabou por pressão das ruas. As “diretas já” não aconteceram. A constituição de 88 foi feita majoritariamente pela classe média e elite. Collor não foi retirado pelas “ruas”. FHC não sofreu impeachment, mesmo com toda a pressão econômica sobre a população. Dilma não foi “retirada pelas ruas”. Os movimentos sociais no Brasil são fracos, não encontram respaldo na sociedade civil e não conseguem romper a barreira do imobilismo (e sempre existe a ameaça do coturno). Aliás, se cada movimento social, que exige mudança no Brasil, elegesse um ou dois parlamentares em nível federal, não seria necessário Lula. Carecemos de cultura política e concordo que o PT não foi virtuoso neste ponto.

Uma última divergência é quanto ao resultado no tempo da Lava a Jato. Creio que o professor superestima a operação. Seja lá o que ela carregava de bom em seu início, foi perdido pela falta de preparo dos procuradores e do próprio juiz Moro. A lava a jato, ao se tornar partidarizada e se declarar “operação de exceção”, colocou-se como um ponto fora da curva. Nem mudar as práticas de governança ela conseguirá. A forma vil como foi conduzida vai colocar a lava a jato no esquecimento. O exemplo do juiz Moro, dizendo por mais de dois anos que não punia o PSDB porque “não existia nada a ser punido”, sendo tão vergonhosamente desmascarado com apenas dois meses de escutas sobre lideranças do PSDB e PMDB é eloquente. A corrupção vai aumentar ao invés de diminuir no Brasil. Exatamente como na Itália. Os corruptos terão mais cuidado e o preço da corrupção vai subir, mas não será sequer minorada. O fim do juiz Moro será o esquecimento e uma nota de rodapé na história do período. Infelizmente.

Com isto digo que o fisiologismo deve voltar como bandeira do próximo presidente? Não, claro que não. Por isto meu pedido efusivo por uma união entre as esquerdas, com a Academia a avaliar riscos e oportunidades de forma científica. Que lancemos um candidato a cada cargo proporcional em cada lugar com união das esquerdas. Que no RJ seja o PSOL, por exemplo, com apoio do PT e do PCdoB, que em outros estados o PSOL ceda e que se candidate gente do PCdoB. Que se faça concertações para valorizar ao máximo cada voto progressista e que se constitua uma bancada sólida para a reversão dos absurdos do governo Temer. Mas se tudo isto falhar, confesso, que prefiro um governo Lula a negociar de um ponto de fragilidade parlamentar ou apenas vetar, aumentando o custo político das medidas contra a população mais vulnerável, do que uma aventura de esquerda revolucionária dividida, como a França bem mostrou o resultado.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

16 Comentários

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  1. As “diretas já” não aconteceram.

    A emenda Dante de Oliveira foi derrotada, mas o preço dessa derrota foi a saída dos militares do poder em 85, a convocação de uma constituínte em 86 e a eleição direta em 89. Não dá também para tirar esse crédito do movimento. É certo que a esquerda sobrevaloriza sua capacidade de mobilização e os resultados alcançados com ela, mas daí a negar que as grandes mobilizações, quando aconteceram, não mudaram o rumo das coisas, aí já é demais. A chave da coisa é que a mobilização tem que ir além da esquerda porque se ficar confinada a ela, não consegue mudar nada.

    1. Um governo vota centenas de assuntos todos os dias

      Um governo no comando da União vota centenas de assuntos todos os dias. Talvez para um ou outro assunto mais relevante, como o orçamento anual, as ruas até possam ser mobilizadas pra reverter a composição do Congresso. Mas como fazer isso dia sim, o outro também? É como autor do artigo falou, só chamando os sovietes. Há balanço de forças pra isso?

  2. Acredito que,do ponto de
    Acredito que,do ponto de vista da organização popular,a grande vitória da ditadura de 64 foi afastar de fato a esquerda e a população.E não falo dos setores médios desta população,nos quais se,por um lado o discurso do mercado se estabeleceu como dominante,dialéticamente,por outro lado,a esquerda enquistou-se.
    Não por acaso desde o primeiro dia do golpe as lideranças das Ligas Camponesas foram assassinadas,assim como a dos sindicatos mais combativos;não por acaso a perseguição sistemática às organizações estudantis e aos partidos.Sabemos disso, o que nos falta é refletir como este quadro influiu na atuação das esquerdas no pós- ditadura,o quanto ao impedir o contato dos grupos e organizações com a população, conformou uma forma de sobrevivência à esquerda que prenscindia desta.
    Não sei se me faço entender,creio que nas análises que fazem sobre si, as esquerdas tendem a ignorar o poder deste processo de circunscrição do campo para sua atuação,o que conduz a uma naturalização da distância da população que caracteriza suas organizações e partidos nos dias atuais.A meu ver,a naturalização desta distância e o consequente enquistamento em determinados setores tem muitas consequências,as quais podem ajudar muito a entender o papel das esquerdas e suas alternativas no quadro atual.

  3. Diante dos extremismos da

    Diante dos extremismos da política atual, a centro-esquerda precisa convergir. Lula precisa conversar seriamente com Ciro e com mais atores abertos a este diálogo.

    Outro ponto importante é que a centro-esquerda precisará fazer bancada. Nunca foi tão importante a militância e os diversos segmentos simpatizantes das bandeiras progressistas terem que trabalhar para elegerem uma bancada que domine o congresso. Seria a oportunidade de aprofundar as reformas em favor da cidadania.

     

  4. Qual a solução para a crise?

    https://rebeldesilente.wordpress.com/2017/06/04/brasilumpaisporfazer/

     

    Existe solução para o grave momento político em que nos encontramos???

     

    Neste novo texto do Rebelde Silente, o debate se abre, sem pré conceitos e de forma corajosa, para que encontremos uma saída para problemas seculares que temos.

     

    “Um caminho de mil quilômetros começa com o primeiro passo”, que comecemos, então o nosso, pois temos um país por fazer, e que, durante nossa caminhada, não nos transformemos naquilo que eles são.

  5. Rendição incondicional do golpismo

    A elite golpista tera que aceitar uma agenda desenvolvimentista com juros baixos, acelaração do crescimento, reforma tributaria com o deslocamento da carga tributaria para o andar de cima e revisão das reformas trabalhistas e previdenciarias.

    Emprego e renda para o povo.

    1. A elite golpista continua sendo enganada
      A elite econômica e os empresários médios e pequenos que apoiaram e ainda apoiam o golpe continuam nos engodos.
      O primeiro engodo foi o da “confiança”, acreditavam na fada da confiança e ela não veio. Agora acreditam no engodo das reformas É está também não trará resultados econômicos porque os seus clientes encomendantes não estão no Brasil ou, estando, não se interessam pela atividade econômica local.
      Quem depende do consumo interno vai continuar a ver navios.

      1. Falta um estadista…

        ….capaz de dar voz ao Manifesto Brasil Nação, e persuadir as elites brasileiras a abrir mão de seu ethos hierárquico-segregador-excludente em favor de uma ampliação do mercado interno.

        Sem mercado interno, nada de prosperidade, nada de paz social, nada de futuro. Só estagnação, decadência e degradação.

        Viraremos um país fantasma, onde só 0,1% da população irá se beneficiar da ruína dos 99,9% restantes.

        Nossas cidades serão réplicas tupiniquins do Mad Max. Mas cada condomínio cercado de arame farpado tentará manter algum deleite segregado em sua “exclusividade”, às custas de milícias e arsenais privados (a bancada da bala já farejou a oportunidade e está avançando seu marketing!). Em torno, as favelas crescerão até engolir tudo. 

  6. Então tu achas que a conciliação de classes ainda não esgotou-se

    Acho que não é mais possível a conciliação de classes. Agora ou se radicaliza-se ou o Lulismo será definitivamente enterrado caso tente conciliar as classes novamente, em vez de agudizar suas contradições.

     

  7. Horta ainda alimenta ilusões eleitorais

    Aliás, se cada movimento social, que exige mudança no Brasil, elegesse um ou dois parlamentares em nível federal, não seria necessário Lula.

    Diria Malatesta que ‘o sufrágio universal não é um instrumento de emancipação social, mas um meio de submissão ao Capital’.

    Por seu turno, Lenin escreveu que:

    “É preciso notar, ainda, que Engels definiu o sufrágio universal de uma forma categórica: um instrumento de dominação da burguesia. O sufrágio universal, diz ele, considerando, manifestamente, a longa experiência da social-democracia alemã, é o indício da maturidade da classe operária. Nunca mais pode dar e nunca dará nada no Estado atual.

    Os democratas pequeno-burgueses, do gênero dos nossos socialistas-revolucionários e mencheviques, e os seus irmãos, os social-patriotas e oportunistas da Europa ocidental, esperam, precisamente, “mais alguma coisa” do sufrágio universal. Partilham e fazem o povo partilhar da falsa concepção de que o sufrágio universal, “no Estado atual”, é capaz de manifestar verdadeiramente e impor a vontade da maioria dos trabalhadores”.

    O sufrágio pode até ser necessário para o avanço, mas não é suficiente. Portanto, é melhor tirar essa ilusão de que eleições, por sí, sós, melhorarão a sorte dos trabalhadores.

  8. as vezes chego a pensar…

    Que tantas palavras, teses, artigos, etc , podem ser resumidos em apenas uma DESCARTE. Ninguém aguenta mt tempo com o mesmo partido , pessoas, etc. etc. Assim como não aguenta ficar c/ o mesmo celular do ano passado, com o mesmo bar, as mesmas roupas e por aí vai. É uma insatisfação geral.

  9. Quem não acredita nas ruas, acredita nos gabinetes modorrentos

    “O professor Luis Felipe me acusa, com razão, de ter pouca fé nas ruas”. – Fernando Horta

     

    Ou se acredita nas ruas ou se acredita nos conchavos dos gabinetes e nas conspirações porões sombrios e malcheirosos do poder. Não existe terceira via.

    1. Existe, certamente, um espaço

      Existe, certamente, um espaço do possível historicamente falando entre estes dois pontos, o de não acreditar nas ruas e não aceitar conchavos.

  10. Não sei se o Fernando Horta

    Não sei se o Fernando Horta vai pelo menos ler esse comentário nem sa vai ler o anterior, no qual eu afirmo que quem não acredita nas ruas, acredita nos conchavos que ocorrem na penumbra de gabinetes fechados, onde não entram ruídos do mundo exteriror, nem sol nem os clamores das ruas.

    Finalmente achei a bela citação que um dia li num Livro de Matemática:

    “A Matemática é geralmente considerada uma ciência à parte, desligada da realidade, vivendo na penumbra de um gabinete fechado, onde não entram ruídos do mundo exterior, nem o sol, nem os clamores do homem. Porém, isso só é verdade em parte.” –  Bento de Jesus Caraça

    Decida-se, Horta.

     

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