Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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O vazio existencial do homem contemporâneo, por Michel Aires de Souza Dias

Pascal, no século XVII, já havia pensado sobre a condição humana. Para ele, as pessoas são agitadas, pois não conseguem ficar consigo mesmas, são incapazes de refletir sobre sua condição miserável e mortal.

O vazio existencial do homem contemporâneo

por Michel Aires de Souza Dias

Que sentido, que valor imprimimos a nossa ação? Somos seres incapazes de contemplar ou tomar conhecimento do que cotidianamente fazemos de nossas vidas. Por que fazemos o que fazemos?  Por que levamos a vida que levamos? Ora queremos um novo emprego; ora queremos um novo amor; ora queremos um novo carro; ora queremos uma nova casa. Os homens sempre estão em busca de dinheiro, poder, notoriedade ou divertimentos. Logo que realizam um desejo, surge outro desejo. Nunca estão satisfeitos. Passam a vida buscando bens materiais ou bens simbólicos. São eternamente inquietos. São governados por um querer cego e irracional.  Numa primeira análise,  somos levados a crer que o único objetivo da vida humana é destruir a própria solidão. Os homens  não conseguem ficar sozinhos, precisam sempre de agitação. Estão sempre em busca de algo.  Envolvem-se em tarefas arriscadas e difíceis; em projetos, conflitos ou conquista que, muitas vezes, lhes trazem infelicidade. Não suportam o silêncio de estar consigo mesmos. Precisam do barulho, do ruído e da agitação. São incapazes de desligar a televisão ou o rádio quando estão sozinhos em casa. Fogem da solidão como o Diabo foge da cruz. Pascal, no século XVII, já havia pensado sobre a condição humana. Para ele,  as pessoas são agitadas, pois não conseguem ficar consigo mesmas, são incapazes de refletir sobre sua condição miserável e mortal. Não querem refletir sobre sua existência, permeada pela dor, dissolução e morte, nada os pode consolar.

Como sugeriu Platão, o nosso espírito é uma caverna, o que falta ao homem é eternidade. Os indivíduos são seres vazios. Vivem na busca de preencher seu mundo interior com algum entretenimento ou com algum objeto. Buscam preencher sua interioridade com todo tipo de banalidades. O sistema capitalista serviu muito bem a esse propósito. Esse sistema ofereceu ao homem um mundo de entretenimentos, prazeres e objetos para que ele possa preencher seu vazio interior. É por isso que o capitalismo sobreviveu, é por isso que ele se perpetuou. Ele impede que o homem se volte sobre si mesmo para contemplar o vazio descomunal de sua interioridade.

Mas, por que o homem temeria tanto olhar para o seu vazio interior? Por que ele foge de si mesmo?  O ser humano não é um átomo, um ser fixo, acabado, pronto e estável. Não existe uma natureza humana fixa, dado a priori. Ele vem ao mundo como uma tabula rasa, como uma folha em branco.  Ele só se torna algo a partir daquilo que ele faz de si mesmo. Ele é um ser determinado pelas circunstâncias, pelas contingências da vida, condicionado no interior das práticas sociais por sua cultura. Significa dizer que ele não é nada. É um ser inacabado. É um ser vazio. O objetivo da vida, portanto, é exatamente preencher esse vazio, esse nada, que é a pura essência humana.  Não há uma finalidade para vida, a não ser a morte, o Nada.

As pessoas não querem se dar conta que o Nada está inscrito em nossa própria carne e em nosso próprio espírito. O Nada surge diante do homem aniquilando todas as coisas que os rodeiam,  aniquilando o próprio Eu.  É o Nada que retira todo o sentido da vida. Somos seres para a morte. A descoberta do “Nada” da vida humana levaria o homem a reconhecer que a existência é um acidente, é algo casual e efêmero, e que o amanhã não poderá mais existir. Contudo, o homem recusa a encarar a verdade. O conhecimento de si mesmo implica em reconhecermos a nossa própria  finitude.  É o Nada que está em nosso interior e que não somos capazes de encarar, que nos aniquilará.  O que falta ao homem é consciência de sua facticidade. Estamos lançados no mundo como um barco sem rumo. A imanência nas coisas nos tira a consciência de nossa condição finita e nos condena à banalidade da vida cotidiana. É somente a consciência de nossa condição finita, é somente a consciência do Nada, que nos permite transcender e reavaliar nossa própria vida e comportamento, dando sentido e significados ela.

Vivemos numa época de incerteza, de insegurança e de superficialidade. Temos dificuldade em entender nossa própria experiência social,  não conseguimos entender a relação que há entre nossas vidas e as forças que nos subjugam. Não percebemos que nossos dramas, conflitos, medos, frustrações são em grande parte causados pelos valores de nossa sociedade ou pelas estruturas sociais que nos governam. Por causa disso, não temos uma experiência bem definida das nossas próprias necessidades, não sabemos o que sentimos ou o que verdadeiramente queremos. Todos os dias os indivíduos acordam cedo, vão para o trabalho, almoçam com os mesmos colegas, compartilham as mesmas experiências. Quando voltam do trabalho para casa, conversam sobre os mesmos assuntos, fazem as mesmas atividades e assistem aos mesmos programas de televisão. Aos finais de semana,  buscam as mesmas agitações e divertimentos.  Eles são incapazes de perceber que possuem uma vida fragmentada, muitas vezes degradada pelo cotidiano da labuta, das transformações econômicas e do consumo.  Estão sempre em movimento, em busca de um objetivo ou desejo insuflado pela sociedade. Apegam-se a verdades, valores ou regras externas que não escolheram conscientemente. Como se o mundo tivesse um sentido ou um significado dado a priori. São seres despersonalizados pela cultura. Seguem padrões. Vivem numa Matrix, incapazes de separar a consciência da realidade. São incapazes de contemplar seu mundo interior. São incapazes de reconhecer o Nada e darem sentido a suas próprias vidas. Como diz Montaigne, “meditar sobre a finitude é meditar sobre a liberdade”.


Michel Aires de Souza Dias – Doutorando em educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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