Os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil, por Arkx

Os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil

por Arkx

{nota:}

texto com referências a conceitos de Foucault, Deleuze e Guattari, e inspirado em troca de mensagens com Clever Mendes de Oliveira (link 4, link 3, link 2 e link 1).

{citação:}

“Por maioria nós não entendemos uma quantidade relativa maior, mas a determinação de um estado ou de um padrão em relação ao qual tanto as quantidades maiores quanto as menores serão ditas minoritárias: homem-branco, adulto-macho, etc.

É nesse sentido que as mulheres, as crianças, e também os animais, os vegetais, as moléculas são minoritários.

No entanto, é preciso não confundir “minoritário” enquanto devir ou processo, e “minoria” como conjunto ou estado.

Maioria supõe um estado de dominação, não o inverso.”

Gilles Deleuze e Félix Guattari

MIL PLATÔS – Capitalismo e Esquizofrenia – Vol. 4

{conceitos:}

as mulheres podem ser numericamente superior aos homens. ou seja: há quantitativamente mais mulheres do que homens.

por que as mulheres são então consideradas uma “minoria”? porque são minoritárias na relação de poder.

não se nasce mulher, torna-se. o fazer-se mulher é o devir-mulher. o devir-mulher é sempre minoritário.

o minoritário não é a minoria. é o processo através do qual a minoria se constitui autonomamente para se impor na relação de poder, libertando-se de sua condição de sujeitada para vir a ser sujeito.

contudo, não se trata de estabelecer uma inversão na relação de dominação. o objetivo do devir-minoritário não é se tornar majoritário.

por isto, o resultado do devir-mulher jamais é a mulher. a mulher é a minoria, e não o minoritário: o devir-mulher é um processo e não a constituição de uma nova identidade.

o devir-mulher é um processamento não para constituir um substantivo (a mulher), e sim autoconstituindo-se em si próprio através do verbo: vir a ser mulher. fazendo da palavra mulher um verbo.

não a mulher, mas mulher-ser. não a árvore, mas o arvorecer (árvore-ser). não o verde, mas o verde-ser (enverdecer). não a tarde, mas a tarde-ser (entardecer). não o ser, mas o vir-a-ser.

não uma identidade unitária, imutável e totalizada. mas um movimento de auto-constituição permanente, o que implica em constante e continua auto-transformação.

o minoritário sempre é um devir, um tornar-se, um fazer-se, um vir a ser, sem jamais se completar, sem nunca estancar seu movimento.

o devir-mulher é o processamento contínuo e constante de fazer-se mulher. caso se interrompa ou se paralise, ou se recai novamente na condição de minoria ou é porque se estabeleceu um novo majoritário.

e no caso de estabelecido como majoritário apenas se inverteu a relação de poder, enquanto o devir-minoritário vem a ser a superação de uma relação de poder constituída como dicotomia sujeito/sujeitado. uma superação alcançada não como resultado final do processamento, e sim através de seu próprio movimento.

{citação:}

” É por isso que devemos distinguir: o majoritário como sistema homogêneo e constante, as minorias como subsistemas, e o minoritário como devir potencial e criado, criativo.

O problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo instaurando uma nova constante. Não existe devir majoritário, maioria não é nunca um devir. Só existe devir minoritário.

O devir minoritário como figura universal da consciência é denominado autonomia.”

Gilles Deleuze e Félix Guattari

MIL PLATÔS – Capitalismo e Esquizofrenia – Vol. 2

{microfísica do poder:}

o poder não é um lugar que se ocupa, tampouco um objeto que se possui. o poder se exerce. e se exerce numa relação. não se trata de ter mais ou menos poder, nem quantitativamente nem qualitativamente. muito menos de ocupar posições de poder.

se o poder é relacional, seu exercício depende de estratégias. portanto, de se estabelecer e aplicar estratégias capazes de determinar a correlação de forças.

a relação de poder sempre é uma relação de guerra, na qual ou se ganha ou se é derrotado.

o poder tem como objetivo governar os coletivos, compreendendo-se aqui o individual também como uma coletividade.

“Temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que não é o “privilégio” adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados.”

Vigiar e Punir – Michel Foucault

{citação:}

“La unidad humana elemental no es el cuerpo-el individuo, sino la forma-de-vida.”

“Introducción a la guerra civil”, Tiqqun

{a mulher como forma-de-vida:}

o que é a mulher enquanto minoria?

é a filha, a irmã, a tia, a esposa, a avó, a mãe.

é a dona de casa, a trabalhadora, a prostituta, a empregada doméstica, a executiva, a loura burra, a mulata gostosona. a explorada, mas também a que explora. a oprimida, mas também a que oprime.

ser mulher é assumir papéis sociais em conformidade com normas já estabelecidas e sob as quais não se exerce qualquer poder de transformação.

a minoria é representação, o devir é criação. a minoria é um teatro, o devir é um processo. a minoria é a captura de um processamento num loop infinito, o tornar-se mulher é reduzido a ser mulher.

o que é ser mulher? é conformar-se em estar aprisionada em funções já determinadas no ambiente de relações sociais de dominação e exploração.

a estratégia hegemônica do exercício de poder se faz através de modos de viver, de formas-de-vida.

ao assumir a forma-de-vida dona-de-casa, a mulher já não cria sua própria vida, apenas representa um papel imposto.

os modos de vida majoritários (aqui neste texto denominados como formas-de-vida) são assumidos como as únicas opções, sem haver nenhuma alternativa.

a existência se torna a tediosa e monótona repetição de um mesmo padrão, numa incessante debilitação exaurindo completamente a energia vital. até o desejo nada mais desejar, a não ser a morte.

a partir de então, o desejo não é mais pela própria vida, um desejo que deseja a si mesmo, reduzindo-se a desejar formas-de-vida padrão, um desejo que deseja parar de desejar: o desejo de morrer.

{máquina desejante (hardware) e processamento desejante (software):}

esta captura do desejo pelas formas-de-vida majoritárias é a origem de todas as patologias psico-sociais.

ao desejar ser mãe (uma forma-de-vida estereotipada) já não é possível tornar-se mãe. pois tornar-se mãe vem a ser um modo de viver a ser criado, inventado, num processamento de configuração específica para cada caso e situação, exigindo também uma permanente manutenção e customização.

as formas-de-vida são como softwares. há uma programação envolvida. quanto a esta programação, este código, ou a ele se está sujeitado, ou se é sujeito de seu desenvolvimento, de sua escrita, assumindo sua própria auto-programação.

esta é também uma relação de poder. uma guerra com muitas batalhas, as quais se ganha ou se é derrotado.

cada forma-de-vida é um modelo pré-existente e pré-determinado, cujo processamento reproduz as relações de dominação para gerar subjetividades sujeitadas. o sucesso da dominação vem a ser dela se exercer ainda no nível pré-individual e pré-consciente, através das formas-de-vida.

é a forma-de-vida quem gera a sujeição. daí a imensa dificuldade de transformação coletiva, posto tanto o social como o individual serem coletividades decorrentes de um processamento em nível mais baixo efetuado pela forma-de-vida.

um processo de emancipação exige modos de viver libertários, os quais por sua vez redundam em outras relações sociais, disto emergindo outras coletividades e outras relações de poder.

a criação de outros modos de viver, não encapsulados pelas formas-de-vida, implica em ficar face a face com o caos. sem passar pela fase do caos nenhuma criação é possível. para criar a si mesmo e inventar sua própria vida, é preciso enfrentar os perigos da loucura, da prisão, da doença e da morte.

assim, não se trata de não ser mãe. e sim: torne-se mãe, mas não como a mãe. torne-se prostituta, mas não como a prostituta. torne-se mulher, mas não como a mulher.

não assuma as formas-de-vida hegemônicas, liberte-se pela criação de seus próprios modos de vida.

{os Brasis:}

o Brasil é o padrão, o majoritário. os Brasis são a minoria e o tornar-se Brasil como devir minoritário.

o Brasil dos 0,1% conduz uma guerra de extermínio contra os Brasis de todos os demais. o vir-a-ser Brasil é o processamento de emancipação através da constituição de outras coletividades.

a Ex-querda é o padrão. a Esquerda é a minoria. o devir-Esquerda como o desenvolvimento de modos de viver capazes de constituir outras coletividades, através das quais se executa o processamento de emancipação.

o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil.

{vídeo:}

sujeito e objeto da observação se confundem no processamento de observar. é no processamento que se constituem as subjetividades e os sujeitos.

vídeo: Escher and the Droste Effect

  https://www.youtube.com/watch?v=9WHdyG9mJaI]

vídeo: Gilles Deleuze – O que é ser de esquerda?

[video: https://www.youtube.com/watch?v=PhaXwi38Cps

.

Redação

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Caramba, que texto é esse?

    Caramba, que texto é esse? Socorro! O Brasil caindo aos pedaços e o articulista vem com citações (como sempre) de pensadores estrangeiros para marcar terreno entre aqueles ou aquilo que se convenciona chamar de “elite intelectual”? Cruzes!

    Sou mais o Lula, aquele que o Agnaldo Silva diz que não lê, rsrsrs….

    1. os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil

      mas num é que tu tem razão, irmão!!!

      então tome-lhe lá um texto sobre a conjuntura imediata deste país em colapso, seguido da novíssima música brasileira: “Abre caminho deixa o Exu passar”.

      os Brasis: com Guilherme Boulos na encruzilhada

      Justiça é cega vê tudo negro

      Por isso todo culpado é negro

      Todo morto é negro

      Vocês são cegos

      Meu som é o braile do gueto

      É o baile do gueto

      vídeo: BACO EXU DO BLUES – Abre caminho

      [video: https://www.youtube.com/watch?v=p50ll__6WsE%5D

      .

  2. Pessoal o Arkx está
    Pessoal o Arkx está inovando,temos q ter paciência com ele até se achar,vai ser um grande intelectual do país(se ele quiser)tirando o irritante “lulismo” dele, é dez !
    Obs;Já pensei em pagar um psicólogo a ele por causa desta fixação no lulismo!

    1. os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil

      -> Já pensei em pagar um psicólogo a ele por causa desta fixação no lulismo!

      -> temos q ter paciência com ele até se achar

      ai, amor! tão gentil de sua parte. mas nem precisa… minha terapeuta é trans e a gente se entende às maravilhas. e já tôu mais do que achado. ela inclusive insistiu comigo para entrar em contato com um bofe chamado j.marcelo. tem o zap dele?

      brincadeira, brôu. ficha chateado comigo não. nem leve a mal a sacanagem “hétero-normativa”.

      seja como for, acho que vc pode vir até a gostar da pesquisa que estou fazendo sobre os atuais protestos no Irã.abração.

      .

      1. Legal,espero não ser
        Legal,espero não ser tendenciosa e com traços muitos pessoais tipo “lulismo”e etc…mas só o fato de ser sobre as manifestações é interessante,espero q suas fontes não sejam o “PIG americano”(não esquenta com o q eu escrevo,aqui eu posso tudo assim como vc tb(quatro últimas palavras sem intenções más!)

    1. os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil

      um trecho do livro O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE, de Amit Goswami, sobre o quadro de Escher:

      — Notou o ponto branco no centro do desenho? — pergunta de repente o Dr. Geb. Você o viu, mas não lhe deu muita atenção.

      — O ponto branco, onde está a assinatura de Escher, mostra com que clareza ele compreendia as hierarquias entrelaçadas. Note que Escher não poderia ter dobrado a tela sobre si mesma, por assim dizer, sem violar as regras convencionais de desenho, de modo que teria que haver uma descontinuidade. O ponto branco é o lembrete ao observador da descontinuidade inerente a todas as hierarquias entrelaçadas.

      — Da descontinuidade nasceu o véu, a referência self. —você exclama.

      — Exatamente—confirma, satisfeito, o Dr. Geb.—Mas há mais uma coisa, outro aspecto que você verá melhor considerando a sentença auto-referencial de um único passo: “Eu sou um mentiroso.” Esta sentença diz que ela mesma é uma mentira.

      Para compreendê-la, no entanto, você tem que dar ao paradoxo do mentiroso a forma de uma equação matemática: x = -1/x. 

      Se você tentar a solução +1 no termo direito, a equação lhe dará de volta -1 ; experimente -1 e você obtém de volta +1, mais uma vez. A solução oscila entre +1 e – 1 , tal como a oscilação sim/não do paradoxo do mentiroso.

      Em matemática há uma solução muito conhecida desse problema, explica Brown. Defina a quantidade denominada i como √-1. Note que i²=-1 . Dividindo ambos os termos de i²=-1por i, obtemos i=-1/i. Esta é uma definição alternativa de i.

      Agora, tente a solução x=i no termo esquerdo da equação x=-1/x. O termo direito nesse momento nos dá -1/x, que, por definição, é igual a i, nenhuma contradição.

      .

  3. Promotor Jorge Alberto de Oliveira ou Simone de Beauvoir?

    “Exame Nacional-Socialista da Doutrinação Sub-Marxista. Aprendam, Jovens: mulher não nasce mulher, nasce uma baranga francesa que não toma banho, não usa sutiã e não se depila. Só depois é pervertida pelo capitalismo opressor e se torna mulher que toma banho, usa sutiã e se depila”. Promotor de Justiça Jorge Alberto de Oliveira Babacone

    A leitura do seu texto me fez lembrar do Promotor de Justiça crápula, acima mencionado.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador