Promotores e juízes serão julgados pelo povo… na Itália, por Fábio de Oliveira Ribeiro

No Brasil os juízes e promotores não são regularmente avaliados como na Itália, mas podem ser submetidos a processos administrativos

Promotores e juízes serão julgados pelo povo… na Itália

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Hoje recebi duas mensagens por Whatsapp de uma amiga inglesa. Ela tem cidadania inglesa e italiana e terá que votar num referendo que ocorrerá na Itália. Disse ela:

Fabio,
Is it good or bad if judges can become public prosecutors and vice versa, and switch back and forth?

And what do you think of this?

the fifth question referendum refers the evaluation of the judges. In Italy it happens every four years on the basis of motivated but not binding opinions of the bodies that make up the Superior Council of the Judiciary and the Board of Directors of the Court of Cassation.

In these organizations, together with the magistrates, there are also lawyers and university professors, but only the magistrates can vote in the professional evaluation of other judges and prosecutors.

In case the “YES” wins University professors and lawyers would also have the right to vote in the evaluation of the judges.

Those who believe that this reform will make the functioning of evaluations less self-referential, that they will be more objective, would triumph.

If “NO” wins, who considers it it is not appropriate to entrust the role of evaluators to lawyers and professors to magistrates, given that prosecutors represent the counterpart of lawyers.

Tradução:

“Fábio,

É bom ou ruim se os juízes puderam se tornar promotores públicos e vice-versa, e alternar entre os dois cargos?

E o que você acha disso?

O referendo da quinta questão refere-se à avaliação dos juízes. Na Itália, acontece a cada quatro anos com base em pareceres motivados, mas não vinculativos, dos órgãos que compõem o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho de Administração do Tribunal de Cassação.

Nessas organizações, junto com os magistrados, há também advogados e professores universitários, mas apenas os magistrados podem votar na avaliação profissional de outros juízes e procuradores.

Caso o “SIM” vença, professores universitários e advogados também teriam direito a voto na avaliação dos juízes.

Quem acredita que essa reforma tornará o funcionamento das avaliações menos autorreferencial, que será mais objetivo, triunfará.

Caso vença o “NÃO”, quem considera não ser adequado confiar o papel de avaliadores aos advogados e os professores aos magistrados, uma vez que os procuradores representam a contrapartida dos advogados.”

Detalhes sobre essa votação podem ser vistos na matéria publicada em inglês:

https://newsrebeat.com/world-news/36207.html?fbclid=IwAR1BXdh7g8gULzaTwuVqUsoktwbMvYTIP-meM4mTSB2Ug9IccbzqoYElmFY

O sistema de justiça italiano é muito diferente do brasileiro.

“O sistema judicial italiano é composto por uma série de tribunais e um corpo de juízes que são funcionários públicos. Juízes e promotores pertencem ao mesmo setor de serviço público e seus cargos são intercambiáveis. O sistema judicial é unificado, com todos os tribunais fazendo parte da rede nacional. O mais alto tribunal na hierarquia central é o Supremo Tribunal de Cassação; tem jurisdição de apelação e julga apenas sobre questões de direito. A constituição de 1948 proíbe tribunais especiais com exceção dos tribunais administrativos e dos tribunais marciais, embora uma vasta rede de tribunais fiscais tenha sobrevivido de um período anterior. Os tribunais administrativos têm duas funções: a proteção da interessi legittimi – ou seja, a proteção dos interesses individuais diretamente ligados ao interesse público e protegidos apenas por esse motivo – e a fiscalização e controle dos fundos públicos.

Os tribunais administrativos também são fornecidos pelas seções judiciais do Conselho de Estado, o mais antigo órgão consultivo jurídico-administrativo do governo. O Tribunal de Contas tem função administrativa e judicial; este último envolve principalmente assuntos fiscais. O Conselho Superior da Magistratura, previsto na Constituição e destinado a garantir a independência e integridade do Judiciário, foi formado apenas em 1958. Ele atende às carreiras, atribuições e disciplina dos juízes. Dois terços de seus membros são eleitos pelos juízes e um terço pelo parlamento. O presidente e o promotor público do Tribunal de Cassação também pertencem a ele. As eleições tendem a politizar o conselho, que se tornou uma força influente na política italiana.

O direito italiano é codificado e baseado no Direito Romano, em particular no que diz respeito ao direito civil. Os códigos do reino da Sardenha em assuntos civis e penais, derivados do Código Napoleônico, foram estendidos a toda a Itália quando a unificação foi alcançada em meados do século XIX. No período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, esses códigos foram revisados. O Tribunal Constitucional declarou vários artigos inconstitucionais. O código penal revisado de 1990 substituiu o antigo sistema inquisitório por um sistema acusatório semelhante ao dos países de direito consuetudinário. Além dos códigos, existem inúmeras leis estatutárias que integram os códigos e regulam áreas do direito, como o direito público, para as quais não existem códigos.

A constituição enfatiza o princípio de que o judiciário deve ser independente do legislativo e do executivo. Por isso, as funções jurisdicionais só podem ser exercidas por magistrados ordinários, não podendo ser constituídos tribunais extraordinários. Os juízes não podem ser destituídos, não estão sujeitos a superiores hierárquicos e as suas carreiras assentam na antiguidade.

…………………………………………………………………………………………”

Fonte https://www.britannica.com/place/Italy/Justice

No Brasil as funções de promotor e juiz não são intercambiáveis. As duas carreiras não pertencem ao mesmo corpo de servidores públicos. O Ministério Público têm autonomia administrativa, mas está ligado ao Poder Executivo. Os juízes compõe o Poder Judiciário. Ambas as carreiras gozam de várias garantias constitucionais e legais.

Se quiserem trocar uma carreira por outra, os promotores e juízes brasileiros devem ser aprovados em concursos públicos (exceto no caso de nomeação de membro do MP para vaga do quinto constitucional nos Tribunais ou indicação para preencher vaga no STF). Não é muito comum ver um juiz prestar concurso para se tornar promotor. O inverso tem sido uma tradição mais ou menos duradoura. No século XIX, meu bisavô ingressou no MP no Paraná. Alguns anos depois, ele foi aprovado num concurso para juiz na província de São Paulo.

No Brasil os juízes e promotores não são regularmente avaliados como na Itália. Eles podem ser submetidos a processos administrativos nas Corregedorias e no CNJ, mas apenas os casos mais graves resultam em punição. Se fosse implementada, a reavaliação periódica da performance dos juízes/desembargadores e promotores/procuradores brasileiros certamente valorizaria os melhores profissionais das duas carreiras e acarretaria a exclusão daqueles que não merecem mais permanecer no MP e no Judiciário.

Uma flexibilização do princípio da vitaliciedade seria bem-vinda em nosso país. Afinal, a certeza de permanência na carreira durante toda a vida tem sido fonte de abusos tanto no MP quanto no Poder Judiciário.

O intercâmbio entre as duas carreiras é uma decorrência do modelo adotado pelo judiciário italiano. Pessoalmente, devo dizer que a dança das cadeiras envolvendo essas duas carreiras não me agrada. Ela pode gerar uma promiscuidade parecida como aquela que ocorreu entre Sérgio Moro e Deltan Dellagnol durante a Lava Jato. Digo isso pensando especificamente no escândalo da troca de mensagens revelado pelo The Intercetp e denominado Vaza Jato. O processo em geral e o processo penal em especial exigem que o juiz nunca atue em conluio com o promotor (ou com o advogado).

Disse a minha amiga italo-inglesa que é bom os juízes e promotores serem regularmente avaliados pelo conjunto da sociedade. Eu votaria SIM no segundo quesito e NÃO no primeiro.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Fábio de Oliveira Ribeiro

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