Tem(er) uma pedra no meio do caminho, é preciso ver além para suplantá-la, por Franklin Jr

“O inferno dos vivos não é uma coisa que será; se há algum, é aquele que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que formamos estando juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muitos: aceitar o inferno e fazer parte dele até o ponto de não vê-lo mais. O segundo é arriscado e exige atenção e aprendizagem contínuas: buscar e saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar, e dar-lhe espaço.” 
(Ítalo Calvino, in: Le cittá invisibili, Einaudi, Torino 1972).

Tem(er) uma pedra no meio do caminho, é preciso ver além para suplantá-la

por Franklin Jr

Não nos equivoquemos, a continuação do golpe se expressa pela manutenção do usurpador ou por sua substituição, via eleição indireta, por um outro postiço qualquer, como querem as oligarquias midiáticas e financeiras, pilares da pós-verdade e da extorsão nacional, que mais lucram com o descalabro induzido num país que destina cerca de 43% do seu orçamento para pagamento de juros, amortizações e refinanciamento de uma dívida pública irreal, único do mundo, ao lado da Estônia, que não taxa lucros e dividendos e nem tributa grandes fortunas, dilatando a farra institucionalizada dos predadores da nação.

Por conseguinte, as saídas que desejamos democraticamente, seja por meio de um novo sufrágio ou da anulação do impeachment, são a antítese do golpismo, e optar pela bandeira das eleições diretas não é impeditivo para que se opte também por defender a anulação do golpe.

Se a intenção é nos valermos de todos os mecanismos disponíveis para estancar o retrocesso e superar a crise, o mínimo que podemos ao menos tentar fazer é concatenar as estratégias, na esperança de que vingue algo positivo.  

Há quem diga que, esperar que o STF anule o golpe é quase uma impossibilidade, seria algo etéreo, próximo a um devaneio, pois a própria corte seria parte da conspirata.

Entretanto, persiste a inquietação. Será mesmo impossível que os ministros do STF possam atuar como Corte Constitucional e anular o impeachment ilegal? Talvez. Mas será igualmente tão impossível que assumam a tempo uma posição formal e proclamem sobre o mesmo um veredicto final, favorável ou desfavorável? Talvez não, pois existe um mandado de segurança impetrado pela defesa da presidenta Dilma Rousseff neste sentido e que já se encontra à disposição dos excelentíssimos magistrados.

A corte é parte do golpe como alguns alegam? A famigerada fala de Romero Jucá levanta a suspeita de uma extensa conspiração: “com o supremo, com tudo”. E se nisso há algum cabimento, que dimensão teria? Todos os ministros seriam conspiradores? É a maioria? É a minoria? É metade? Nenhum? Só teremos clareza quando for devidamente analisado o mérito do impeachment e o teor de cada voto, e bastam 6 votos para anulá-lo.

Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura no primeiro mandato de Dilma, elogia a defesa da presidenta junto ao STF, afirmando que a peça contém argumentos sólidos. A ex-ministra sustenta “que a máscara do golpe caiu e expôs todas suas intenções e métodos espúrios”, presumindo que, desta maneira, “parte do STF pode enxergar a volta da Presidenta para governar até o fim de 2018 como uma boa solução que, além do mais, corrige a perda de rumo do sistema democrático neste golpe”. Ana admite, ainda, que mesmo não sendo unanimidade entre os ministros, não será fácil para o STF anular o impeachment. Mas muito mais difícil – ou utópico – seria esse congresso, que conhecemos bem, abrir mão de escolher o presidente que vai governar até fim do ano que vem, para aprovar uma emenda constitucional que permita eleições diretas já”.

Seguramente, quanto maior for o clamor da população pela anulação, mais reduzida ficará a zona de conforto da suprema corte. A intensificação deste clamor está diretamente relacionada à possibilidade de se amplificar as vozes deste debate e também da sensibilidade e comprometimento das lideranças políticas e sociais do campo democrático e popular.

A par disso, as forças democráticas, principalmente de esquerda, não deveriam dar de ombros para a possibilidade da anulação. Ao contrário, deveriam insistir e tentar esgotar politicamente este imbróglio do golpe que está erodindo a institucionalidade democrática e empurrando o país para o abismo.

Durante as manifestações deste domingo (21), que ocorreram em diferentes pontos do país, mais uma liderança política do campo democrático, Luizianne Lins (ex-prefeita de Fortaleza-CE pelo PT), defendeu a revogação do golpe e a recondução da presidenta Dilma Rousseff para concluir o mandato vigente até dezembro de 2018 (que lhe foi legitimamente outorgado pelo povo brasileiro).

Este é um fato positivo que se soma às falas recentes da senadora Gleisi Hoffmann e dos deputados Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, porém ainda isoladas e distantes de serem alentadoras. É necessário alargar o horizonte utópico, a utopia serve para fazer caminhar, já desvendou o Galeano. E como disse o poeta e dramaturgo irlandês, William Butler Yeats, “Falta convicção aos melhores enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade”.

Será muito desejável que outras lideranças expressivas do campo democrático e popular se sintonizem ao ponto de organizarem um chamamento pela anulação do impeachment, encaminhando-o politicamente para além das medidas jurídicas já tomadas, expressas no mencionado mandado de segurança.

Combustível não falta, lastro existe, são dois abaixo-assinados com mais de 70 mil assinaturas cada um, sendo que nem todas as pessoas que assinaram um o fizeram em relação ao outro, o que se configura no mínimo como um sintoma de clamor popular. O caminho se faz ao caminhar, disse outro poeta, o madrilenho Antonio Machado. Pois então, quem se atreve?

Leia também: 

UM ATO PELA ANULAÇÃO DO GOLPE

QUAL É A MELHOR SAÍDA PARA A TRAVESSIA DO JOGO BRUTO?

AINDA SOBRE OS DILEMAS DAS LUTAS POR DIRETAS E PELO ANULA…

 

Redação

Redação

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  • um ponto importante

    não são 11 ministros do supremo que podem votar a matéria: são 10, pois alexandre de moraes deixa de ser ministro se o impeachment for nulo, portanto a indicação dele para o cargo também o é.

    de fato, todos atos praticados pela presidência da república são nulos pois o golpe foi ilegal, e isso poderá se estender por anos, décadas enquanto não se corrigir a farsa do impeachment de dilma.

    falta o sr lula vir a público e dizer isso com todas as letras. este é o melhor momento.

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