Como a classe política brasileira lidaria com a formação de um partido feminista?

Na semana em que as cotas para mulheres no Congresso foram rejeitadas, o movimento #partidA explica como quer chegar ao poder

Jornal GGN – Em tempos de conservadorismo latente, como a classe política brasileira, que não admite cotas para mulheres no Congresso, lidaria com a formação de um partido autodenominado feminista? A dúvida surge a partir da entrevista que o portas VozeRio publicou nesta quinta-feira (18) com a doutora em Filosofia e militante Marcia Tiburi, porta-voz do movimento #partidA. Segundo ela, o grupo tem viajado o Brasil para discutir a formação (ou não) de uma legenda que entre de cabeça nas disputas eleitorais para fazer valer a representatividade do gênero feminino no “governo”, seja no Legislativo ou nas chefias do Executivo.

O GGN reproduz os principais trechos abaixos da entrevista. 

VozeRio: Justificativas de teor moral são muito mencionadas por quem prefere se manter fora da política tradicional, que seria “suja” e corrupta — como você mesma diz algumas vezes. Quais os problemas dessa visão? A #partidA (ou, melhor, as mulheres até agora envolvidas) não vê problemas em sujar as mãos ou não há sujeira de fato?

Criou-se no Brasil uma cultura antipolítica cujo discurso há muito tempo é: o poder corrompe, o poder é ruim, a política é um campo minado e um lugar terrível para se estar. Associamos a política à corrupção, à sujeira, ao mal. Essa ideia de política serve a quem? Serve a quem está no poder. E, no caso, o nome concreto do poder que está em jogo hoje e no qual a #partidA quer intervir é o poder enquanto governo. Por isso nós precisamos da forma “partido”. Só que, por ser um partido feminista, ele já não é um partido como os outros — porque um partido feminista não é como os outros.

Os valores, as práticas, os direitos desejados pelas mulheres são bastante diferentes dos valores, das práticas e dos modos de existir dos partidos tradicionais. Existem muitas pessoas ligadas à #partidA que convivem com instituições — seja algum partido de fato, universidades, poder judiciário ou a mídia. E essas pessoas não têm medo de viver em instituições. O partido é apenas mais uma instituição que deve nos servir como meio, e não como fim. Nisso, encontramos uma coisa muito bonita da #partidA: a ético-política feminista, um conceito que eu defendo teoricamente. E isso muda tudo, porque assim como as pessoas têm preconceito em relação a partidos, a esse “sujar as mãos”, pensam que a forma partido é a forma que fomenta essa corrupção toda. Não precisa ser assim, e é por isso que nós almejamos uma bancada feminista. E almejamos a forma partido, mesmo que nós não venhamos a formalizar formalizar a #partidA — porque é possível que a nossa #partidA se mantenha como movimento, como já é. Pode ser que nós não formalizemosum partido porque talves nós não precisemos da forma partido burocratizada e inscrita no TRE. Mas o que queremos é funcionar como um partido, pois o nosso movimento quer atingir a governalidade. Assim, propomos radicalmente uma democracia feminista, porque não acreditamos na existência de uma democracia que não contemple uma pauta, um projeto feminista. Gosto de citar a Mary Wollstonecraft, que no século XVIII brigava com Rousseau. Ela falava que o feminismo é uma luta pelos direitos da humanidade. Se a humanidade é de homens e as mulheres participam dela, então está errado. Queremos um feminismo que inclua todas as pessoas e singularidades. É por isso que a gente expande, aumenta, recria o feminismo — uma busca por singularidades, por uma democracia que, como escrevi esses dias, é uma democracia hard, não é a democracia de fachada.

VozeRio: Mas se a #partidA não se transformar num partido formalizado, como intervir no governo?

Uma das ideias que transitam hoje em certos grupos, sobretudo aqui em São Paulo (vamos ver como isso vai se constituir nas outras cidades), é que a gente apoie candidatos de outros partidos. A proposta da #partidA é empoderar mulheres e todos aqueles sujeitos que se reconhecem como mulheres e que desejam fazer política feminista. E também quem que não se diz mulher, mas que é feminista. Acreditamos também no feminismo dos homens — ele é mais complicado e precisa ser mais elaborado, inscrito dentro de um contexto. Hoje, vivemos num contexto de cotas para mulheres. Na nossa #partidA, teremos cotas para homens (risos). Brincando, mas também falando sério: é importante que os sujeitos dos privilégios na nossa cultura atual tenham a experiência das cotas. É provável que a gente não seja um partido formalizado para as próximas eleições. Mas a ideia é que a gente crie uma campanha — na minha cabeça, vamos ter todas as prefeitas do Brasil, as vereadoras etc. A gente quer a eleição, é nesse patamar de luta que a gente vai se inserir.

VozeRio: Num Congresso brasileiro de conservadorismo inédito como o de hoje (assim como a população que o elegeu, em sua maior parte contrária à regulação do aborto), no qual pautas retrógradas têm ganhado cada vez mais espaço, como um partido feminista pode ganhar força?

Isso vai acontecer primeiramente em um nível de movimento — as coisas não são de um dia para o outro. E o Brasil precisa de uma bancada feminista forte, é por isso que vamos lutar. A bancada que temos hoje não é possível, não é justa, não é decente. Não é possível aceitar a política como ela está colocada ali. Essa bancada “BBB” [bancada do Boi, da Bíblia e da Bala] não faz sentido no nosso país. Esperamos que a nossa ético-político feminista seja tão forte e acolha de tal maneira os anseios e as potências brasileiras que a gente possa mudar justamente esse cenário. Os atores desse cenário precisam ser outros.

VozeRio: E vocês pensam em se identificar com uma esquerda ou com uma direita ou isso não é importante?

Isso é muito importante, tanto quanto é desimportante. Os feminismos e a democracia feminista é uma superação da dicotomia direita-esquerda. Nós somos a superação disso. Como? A direita não reconhece a existência do feminismo. A esquerda também é conservadora perto do feminismo. Por isso eu costumo dizer que o feminismo é ainda mais à esquerda, mas na verdade ele é uma superação dessa dicotomia. Os partidos ainda acreditam que as mulheres possam estar ali na forma de cotas, que elas possam fazer o feminismo da mesma forma subalterna, secundária e inessencial em relação ao que significa a proposta socialista, por exemplo, no caso da esquerda. Então a gente não tem nenhum partido de esquerda que seja feminista. Pois nós teremos uma #partidA feminista de maneira essencial, prioritária e fundamental. E as questões concernentes aos direitos humanos, à solidariedade, à defesa das pautas do campo da esquerda, tudo isso entra no nosso feminismo. Mas numa inversão do jogo, o que é fundamental. Eu sou filiada ao PSOL, adoro as pessoas e as propostas, mas não é suficiente para aquilo que eu penso em termos de política. Em se propor feminista, a #partidA propõe um lugar de protagonismo das mulheres, próprio do feminismo em sua história.

Leia a entrevista completa aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • Rsrsrs
    Estão doidinhas para
    Rsrsrs

    Estão doidinhas para prestar serviço militar.
    E se aposentar depois, com seus pares.

    E por aí vai a igualdade à brasileira, país do analfabetismo funcional.

    Como todos, só querem uma tetinha. O ônus, é coisa de machista.

    • Esculhambar e ridicularizar

      Esculhambar e ridicularizar as mulheres para fazer elas parecerem menores é o que os machistas fazem de melhor. Na verdade todos os machistas têm é um medo enooooooorme das mulheres.

  • Projeto de Nação

    Quanto distante estão muitos dos partidos atuais, e quanto mais este aqui proposto, de desenvolver, criar e lutar por um projeto de nação. Que falta de seriedade para enfrentar a politica.

  • Feminismo+demagogia+hipocrisi

    Feminismo+demagogia+hipocrisia+pedantismo+frustração+inveja+depressão=  destruição da família

  • Feminismo sim, misandria não

    Feminismo sim, misandria não (tá na boca de 8 entre 10 feministas).

    Pq intolerância, preconceito e ódio já temos demais por aqui.

    • Haja falta d noçao falar em misandria qdo a misoginia é q impera

      Falar de misandria é como falar do racismo contra os brancos, é FALTA DE NOÇAO!

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