Christian Dunker analisa os movimentos políticos pós-impeachment

Do Psicanalistas para a Democracia

“Christian Dunker: Entrevista para Ronaldo Bressane (Red Pepper)”

1. Alguns pensadores falam de um aumento significativo na mobilização da esquerda como resultado do impeachment. Outros falam de um “ressurgimento” da esquerda. Vc concorda?

Penso que há um aumento da participação política em geral, especialmente de novas gerações, por outro lado o esgotamento das formas e práticas constituídas que se disseminaram durante o período FHC e Lula fazem pensar que muitos pequenos grupos libertários e contra-institucionais estavam sub-representados no chamado discurso de esquerda. Organizações feministas, coletivos artísticos e agrupamentos em torno de pequenas causas locais, como, por exemplo, a luta pela circulação mais acessível em ônibus, trens e mobilidade urbana em geral, sentia-se pouco representada pelos projetos políticos governistas. Pautas “morais” como o aborto e o consumo de drogas leves ficaram fora da agenda da esquerda governista.

2.     Que forma vai tomar esse “ressurgimento”? O PT pode se refundar como força da esquerda? Ou o PT está moribundo como força da esquerda? E o Lula? Que papel ele pode jogar no futuro? O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pode vir a se tornar um nome nacional?

O PT deve diminuir de tamanho e tornar-se cada vez mais um partido de centro-esquerda, suas tendências mais radicais tornaram-se nos últimos tempos meros “simpatizantes” ou evadiram-se do terreno, sem se articularem na forma-partido que é, no Brasil, uma forma que envelheceu antes de se consolidar. Lula permanecerá como uma força muito expressiva, hoje, no pior cenário possível ele tem quase 40% das intenções de votos. Fernando Haddad é o melhor que sobrou do PT, deve se fortalecer no futuro próximo como uma esquerda mais eficiente e mais argumentativa.

3.     E o PSOL? E o MST e o MTST? Qual vai ser o papel deles? Vai ser preciso a emergência de novos partidos/movimentos para a esquerda se recompor?

Deve acontecer a formação de um movimento nos moldes do Podemos espanhol ou do Syriza grego. A indignação vai mudar de lado rapidamente. Um golpe movido pela incitação do ódio, com a consternante participação de formadores de opinião, laicos e religiosos, cria o precedente para a eficácia política deste afeto. O PSOL teve sua chance de capitanear a reforma da esquerda, mas atrapalhou-se em sua paixão pela própria identidade. Sem uma articulação dos grupos de esquerda os movimentos sociais tendem a se autonomizar, perdendo um tanto de sua força. Por outro lado, movimento históricos como o MST e o MTST, ganham força com pautas bem definidas e estratégias de ação que sobrevivem às políticas de aliança. Inversamente, o sindicalismo sofrerá baixas tremendas com o consenso do Estado-Corrupção.

4.     A direita também se reorganizou. Além da recomposição de forças ao redor do PMDB e da aglutinação do PSDB, figuras como Jair Bolsonaro despontam, bem como movimentos — MBL, Vem Pra Rua etc. Esses atores serão protagonistas em 2018 — ou mesmo já em 2016?

Poucos aguentam uma vida revolucionária, e ainda menos quando o movimento depende de uma reação. MBL e Vem para a Rua, agora se transformarão em PMDBL (MBL+PMDB) e o Vem para o Planalto. No governo e tendo que pagar a conta do golpe tudo indica que serão refundados em outras bases. Quanto a Bolsonaro a elevação do tom de sua voz, homenageando torturadores em seu voto pelo impeachment, denuncia que a pauta do ressentimento precisará de uma atualização urgente. Ele e seus assemelhados precisarão de novos antagonistas.

5.     Muitos movimentos de ativismos civis — sindicais, MTST, LGBT, indígenas, feministas, negros e outras minorias — aderiram ao lema ‘Não vai ter golpe’. Eles ficarão órfãos, em um eventual impeachment de Dilma? Atrairão para si a postura de vítimas para ganhar a simpatia da população? Combaterão o novo governo?

O “Não vai ter golpe” perdeu, mas foi eficaz. Consolidou a mensagem de que a queda de Dilma se deu por meio de uma irregularidade. Há uma expressão que caracteriza o modo brasileiro de lidar com a lei, chamado de “jeitinho brasileiro”, que exprime certa manipulação ou acomodação das leis ao seu contexto local de interesses conforme uma determinada concentração de forças ou de carência de forças. O golpe foi um “jeitinho brasileiro” ao contrário. Ocorre que todos sabem que o “jeitinho brasileiro” é a fonte e origem da corrupção, da pequena corrupção que atravessa as relações entre público e privado em meio a um caos legal que permite a escolha da aplicação da lei por quem está na posse do martelo. O papel da imprensa internacional está sendo crucial neste ponto do processo. Porque o “jeitinho brasileiro” depende muito de outra expressão popular, que é o “para inglês ver”. Ou seja, pequenos corruptos por dentro, mas mantendo as aparências para o estrangeiro. Nossa vergonha, nosso sentimento de pequenez, assim como nossa admiração diante do estrangeiro, faz como que ele seja visto como o lugar ideal onde as “leis funcionam”. Ocorre que a imprensa internacional está confirmando o golpe, ou ao menos do golpe branco. Ou seja, ou o golpe se “purifica”, levando embora Temer, eleito pela mesma chapa suspeita de corrupção e Eduardo Cunha, que presidiu a sessão na câmara, mesmo tendo contra si seis processos judiciais e um comitê de ética, ou teremos um número extenso de pessoas que se tornarão “enganados publicamente”.

6.     Na sua opinião, o impeachment de Dilma Rousseff é golpe?

Tragédias sociais também se renovam. A tirania grega não é a mesma de Kim Jong-woon, ou que o fracassado “putsch” de Hitler em 1923. Os golpes ostensivos rodeados de conspirações e interesses internacionais deram lugar ao tipo de golpe que se deve esperar em tempos de neoliberalismo: livre empreendimento de um grupo interessado no poder, manipulação das leis por exageração ou flexibilização contextual, punição seletiva consoante a resultados, criação retrospectiva de razões “práticas” autojustificadoras, cinismo ostensivo das motivações e propósitos. Tudo isso permite falar em um golpe à altura de sua época.

7.     O PT tentou mudar o Brasil operando dentro do sistema, aceitando as regras do jogo? Parece que essa estratégia não deu certo. Qual deve ser a nova estratégia da esquerda?
A cobra morde seu próprio rabo. O PT se elegeu com uma forte confiança ética, não apenas com sua base operário, camponês, universitária. Percebendo que as mudanças estruturais seriam impossíveis em um contexto do flácido apoio moral, ele rapidamente se transformou em um partido que governou pela norma, como a antiga função do partido moderador exercido pelos monarcas. Sua estratégia de inclusão de pobres e miserável foi indiscutivelmente bem sucedida, ainda que os meios calcados no consumo possam ser criticados. Nem o mais feroz direito duvida deste movimento, aliás, pode vir a questioná-lo pelos piores motivos: aeroportos cheios, filhos estudando nas mesmas universidades que os filhos dos empregados domésticos, vulgaridade por toda parte. Mas quando o projeto de manter-se no poder sobrepujou o projeto de transformar o poder as alianças e concessões levaram o ciclo do PT ao pior.

8.     Quais são as reformas essenciais que a esquerda deve exigir? Reforma política? E que mais? E como vai conseguir essas reformas?

As lutas da esquerda se concentraram demasiadamente na luta por direitos. Em países com uma implantação liberal mais sólida das instituições isso seria suficiente, ocorre que por aqui as leis podem ser promulgadas, mas isso não significa que serão implantadas, conectadas com outras, reduzidas ou transformadas em séries a serviço de política públicas. A política foi engolida pela economia. É o que chamo de lógica de condomínio fechado. Esta pauta deve ser revertida. Diante de qualquer desastre, dificuldade ou problema cria-se o espetáculo das leis feitas para a ocasião. E no seu topo o síndico sem compromisso com qualquer orientação geral. Isso torna o pacto federativo impraticável. Note que as pedaladas são um caso entre milhares de outros nos quais as leis, neste caso, benéficas e justas, sobre o controle fiscal da união, voltam-se contra os fins a que deveriam servir. Na mesma semana se julga se os estados podem aplicar uma “pedalada” contra a União, pagando suas dívidas em juros simples e não compostos, caso contrário vão falir. Nosso sistema tributário e fiscal é feito para não funcionar, criando correlativamente especialistas no “mau funcionamento”. Isso acontece nas empresas, nas instituições e na vida comum das pessoas. Por isso as chamadas reformas são políticas (fim dos partidos de ocasião, feitos porque a lei faculta horário na televisão, expansão da democracia digital em um país de dimensões continentais), reforma judiciária (fim das leis que tornam a justiça um bem simbólico para ricos), reforma agrária (fim do imbróglio legal formado pela luta de ecologistas, indigenistas, sem terra contra donos de terras improdutivas), reforma imobiliária (fim das leis que protegem a especulação com terrenos), reforma da política (que ridiculamente preserva estruturas dos tempos ditatoriais). Além disso, será preciso retomar as pautas comunitárias, dos pequenos modos de vida, dos movimentos ligados a novas formas de desejar e de sonhar, que se empobreceram muito em nossa imaginação política nos últimos anos Dilma. Duas palavras que historicamente estiveram longe da esquerda: desinstitucionalização e transparência deveriam ser parte de nosso futuro mais próximo.

9.     Se Temer se tornar presidente, vai poder parar a Lava Jato? Se não, o novo governo dura?

Ele vai tentar edulcorar a Lava Jato, mantendo o juiz Moro como um ícone moral, mas libertando os suspeitos para que o país volte a trabalhar e crescer. Já há duas semanas não se ouvem novas fases da operação, que anunciava feitos espetaculares a cada semana, em uma novela de grande audiência. Há muitas formas de praticar a corrupção dentro da lei. Até agora ninguém tocou no ponto nevrálgico que é como evitar que não aconteça de novo. Editais mais fortes para obras públicas? Eleições mais baratas? O novo governo terá uma vara de marmelo atrás de si, e sabe disso. Qualquer deslize e a ressaca moral contra seus apoiadores se tornará imediata. Serão vítimas do ideal angélico que usaram para chegar ao poder, só que desta vez com tolerância zero dos dois lados.

10.  Consequências para a América do Sul: Lula barrou a ALCA, mas com certeza os EUA vão tentar rapidamente retomar a ofensiva com um governo mais favorável a seus interesses. O que isso implica para a região?

O peso proporcional dos Estados Unidos, e do Trump Tower que vem se formando, será uma ofensiva difícil de enfrentar. A retórica da crise política se deslocará para a crise econômica e em nome dela o Brasil pode se tornar a nova Grécia da América Latina. É possível que isso seja atribuído ao passado de devastação legado pelo PT para justificar a nova devastação gerada pela neoliberalização institucionalizada. Quando se diz que o momento da esquerda latino americana passou, com a saída de Evo, Mujica e Chávez, sem falar em Fidel, é preciso notar que esta não foi uma esquerda formada depois de 1989, mas antes. Uma esquerda que se formou para enfrentar problemas econômicos, mas só pôde operar com problemas sociais. E ainda pagou a conta moral de uma política que não praticou. Acho que a expansão dos EUA pegarão um momento de deflação dos ideais que por aqui aportarão. Pode ser que não seja tão fácil assim, quanto parece, no final das contas.

Redação

Redação

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    • Data da entrevista

      Jornal GGN: gostaria de saber em que data foi realizada essa entrevista. Foi antes do impeachment (golpe) contra a Dilma ? 

      As perguntas abaixo dão a entender que foi antrs do golpe.

       

      5.     Muitos movimentos de ativismos civis — sindicais, MTST, LGBT, indígenas, feministas, negros e outras minorias — aderiram ao lema ‘Não vai ter golpe’. Eles ficarão órfãos, em um eventual impeachment de Dilma? Atrairão para si a postura de vítimas para ganhar a simpatia da população? Combaterão o novo governo?

      9.     Se Temer se tornar presidente, vai poder parar a Lava Jato? Se não, o novo governo dura?

    • O link original fala que o

      O link original fala que o post é de 23/01/17, mas pela entrevista ela foi feita ainda no primeiro semestre de 2016.

  • Mais um panaca qaue nunca

    Mais um panaca qaue nunca colocou os pés no barro falando bobagem,triste se deparar com tanta imbecilidade e passividade. quando deviam estar convocando o POVO a luta.

  • Nao ddá pra saber exatamente

    Nao ddá pra saber exatamente a qual discurso de edsquerda o entrevistado se refere quiando diz: "muitos pequenos grupos libertários e contra-institucionais estavam sub-representados no chamado discurso de esquerda". mas talvez estes grupos esteja, sim, super-representados e super-dimensionados no discurso dele. Pelo menos se forem chamados de "grupos". Talvez uma das desgraçcas do partido democrata americano, alias, tenha sido o de super-representar tais grupos em detrimento de suas bases sociais populares, trabalhistas. Tem que ter algum tempero nesses "giros" para a esquerda (ou para o que se pensa estar mais 'a esqeurda)

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