Inflação e combustíveis: os obstáculos para a campanha bolsonarista, por Júlia Leal

No ano passado, além do impacto da menor oferta mundial de petróleo, as contínuas desvalorizações do real frente ao dólar contribuíram para a elevação do preço dos combustíveis.

Blog: Democracia e Economia

Inflação e combustíveis: os obstáculos para a campanha bolsonarista

por Júlia Leal

O elevado preço dos combustíveis foi um dos principais componentes da inflação de 2021, cujo IPCA ficou em 10,06%, valor bem acima do limite superior da meta inflacionaria de 5,25%. De fato, dados do IBGE mostram que o grupo Transportes foi responsável por um impacto de 4,19 p.p. no acumulado do ano e a gasolina apresentou uma alta de 47,49%.[1] Em 2022, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), entre 23/01/2022 e 29/01/2022, o preço médio do litro da gasolina ficou em R$ 6,658, não sendo uma novidade este patamar estar acima de R$ 6. O município de Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio de Janeiro, registrou o preço máximo de R$ 8,029, o maior já observado pela ANP. No ano passado, além do impacto da menor oferta mundial de petróleo, as contínuas desvalorizações do real frente ao dólar contribuíram para a elevação do preço dos combustíveis. Já a crise hídrica e a estiagem prejudicaram a produção da cana-de-açúcar, pressionando o preço do etanol, que na última semana foi vendido um preço médio de R$ 5,007.

Em relação ao IPCA-15 de janeiro deste ano, o grupo Transportes apresentou um recuo de 0,41%, com destaque para a moderada queda no preço da gasolina, etanol e gás veicular. Na tentativa de frear a alta do preço dos combustíveis, os governadores decidiram “congelar” o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por um prazo de 90 dias, a partir 1º de novembro de 2021. O prazo que se encerraria no dia 31 de janeiro de 2022, foi prorrogado por mais 60 dias. O ICMS incide sobre o preço médio ponderado que chega aos consumidores, que muda a cada 15 dias de acordo com o preço das refinarias. Durante a vigência do congelamento, os reajustes da Petrobras não serão considerados no cálculo do ICMS, provocando um leve alívio nos preços. No entanto, o preço do combustível na bomba continua sujeito a eventuais correções, uma vez que além do ICMS, também inclui os custos de distribuição e revenda, do etanol anidro, contribuições federais (CIDE, PIS/PASEP e COFINS) e a parcela da Petrobras.

Na tentativa de conter as constantes altas, está em tramitação o projeto de lei 1.472/2021, de autoria do senador Rogerio Carvalho (PT-SE), que define diretrizes para que os preços internos da gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP) tenham como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos de importação e de produção doméstica.[2] O PL também previa a criação de um Fundo de estabilização dos preços dos combustíveis, mas este ponto foi retirado. Outro tema importante previsto é a alteração da política de preços adotada pela Petrobras, que desde o final de 2016 reajusta os preços do barril de acordo com a cotação internacional do barril de petróleo e repassa as oscilações para os preços que chegam aos consumidores. A política de preços adotada pela companhia é o principal fator para a alta dos combustíveis. Vale ressaltar que, no terceiro trimestre de 2021, a Petrobras registrou um lucro líquido de R$ 31,142 bilhões[3], resultado direto do aumento do preço do petróleo no mercado internacional e da receita das vendas no mercado doméstico. Com a mudança, os preços praticados pelos produtores e importadores também teriam como referência os custos internos de produção que, por serem cotados em real, poderiam atenuar a alta dos preços dos combustíveis e seus derivados.

A pressão inflacionária e a questão dos combustíveis representam importantes entraves à campanha bolsonarista. Sobre a inflação, a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2022 trouxe o oitavo aumento consecutivo da Selic, que agora está em 10,75%. Como o Brasil não enfrenta uma inflação de demanda, mas sim de custos e de câmbio, esse novo aumento terá o mesmo efeito dos anteriores: nulo. Os juros elevados vão continuar encarecendo os investimentos e comprometendo a renda de grande parte da população. Em relação aos combustíveis, há uma divergência no governo sobre o rumo da PEC, cujo foco seriam os tributos federais que incidem sobre o preço dos combustíveis. A PEC foi aprovada pela ala do governo mas não agradou a equipe econômica, especialmente o ministro da Economia Paulo Guedes. A proposta autoriza a redução de forma parcial ou total dos impostos que incidem sobre os combustíveis. Enquanto Paulo Guedes defende a redução somente sobre o diesel, Jair Bolsonaro aprovou a inclusão da gasolina e do gás de cozinha.

Claramente, esta divergência passa pela tentativa de reeleição do presidente. Em ano eleitoral, não há “disciplina fiscal”, nem “controle das contas públicas”. Em ano eleitoral, o que importa é utilizar o social para se reeleger, mesmo que o governo seja guiado pelo arcabouço conservador. No caso de Jair Bolsonaro, ir contra sua equipe econômica mostra o desespero de um presidente falido e que não utilizou o importante papel do Estado e da política fiscal para garantir uma renda mínima ao povo brasileiro desde a eclosão da pandemia.

Júlia Leal – Doutoranda em Economia pela UFRJ e Pesquisadora do FINDE/UFF

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[1] https://censos.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/32725-inflacao-sobe-0-73-em-dezembro-e-fecha-2021-com-alta-de-10-06#:~:text=Os%20dados%20s%C3%A3o%20do%20%C3%8Dndice,p.p.)%20no%20acumulado%20do%20ano.

[2] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148141

[3] https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/25fdf098-34f5-4608-b7fa-17d60b2de47d/b99ef98d-bc62-f4f0-61fc-e6cc5ac7b0bd?origin=1

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. A economia, algo racional, de fato sempre teve peso leve nas paixões políticas. É mais um sofisma de analistas do que realidade. E para o momento atual terá peso próximo de zero.

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