Le Monde:
Brasil: Jair Bolsonaro está aí para ficar.
Seria errado ver o presidente brasileiro apenas como produto de uma febre tropical temporária. Isso seria subestimar o personagem e o que ele representa, alerta Bruno Meyerfeld, correspondente de “Le Monde” no Rio de Janeiro.
por Bruno Meyerfeld
Análise.
Vamos dizer: depois de um ano de mandato, polêmicas e escândalos quase diários, Jair Bolsonaro está cansado! Assim, sua agenda enviada à imprensa para 21, 22 e 23 de dezembro não incluiu nenhuma reunião oficial. Mas isso claramente não foi suficiente para diminuir a pressão. Um dia antes da véspera de Natal, poucos dias antes de 1º de janeiro, o aniversário de sua aquisição, o chefe de Estado brasileiro entrou no banheiro e bateu com a cabeça. Avaliação: uma noite no hospital, um pequeno lapso de memória … mas sem consequências.
“É difícil ser presidente do Brasil”, disse Jair Bolsonaro a repórteres alguns dias antes. É verdade que nada no mundo o predestinou a ocupar tais posições. (…) Oficial subalterno excluído do exército, deputado ultramarginal de extrema direita, zombado de seus pares por três décadas, Bolsonaro não era de modo algum um homem de poder. E menos ainda um estadista. Com a vingança no coração, o capitão da reserva acusou o odiado “sistema”, com mais fúria e barulho do que qualquer outro líder do planeta: mentiras em série, comentários racistas ou homofóbicos, piadas escatológicas e misóginas, delírios conspiratórios, elogios à tortura e à ditadura, insultos a líderes estrangeiros … O suficiente para fazer dos srs. Trump e Salvini cavalheiros corteses ou gentis social-democratas.
É difícil imaginar que essa tempestade possa durar até o final de seu mandato em 2022, ou até mais. Especialmente porque a política brasileira é cheia de surpresas. Desde o advento da República em 1889, um terço dos trinta e oito presidentes do país não conseguiu concluir seu mandato devido a doenças, suicídio, renúncia, golpe, vários escândalos ou destituições mais ou menos legais.
Círculos de influência
E, no entanto, seria errado, da Europa, ver neste capitão Bolsonaro apenas um picaresco general Alcazar, produto de uma febre tropical temporária, rapidamente capturada, tratada rapidamente, rapidamente esquecida. Seria subestimar o personagem e o que ele representa. Seria ignorar a profunda crise existencial pela qual o Brasil está passando hoje. O encrenqueiro Bolsonaro pode muito bem estar aqui para ficar. Primeiro de tudo porque ele não é mais uma pessoa marginal. Por um espetacular tour de force, o deputado do “baixo clero” que se tornou presidente da nona potência mundial conseguiu reunir ao seu redor alguns dos mais poderosos círculos de influência do Brasil: igrejas evangélicas, lobbies militares e policiais, mídia conservadora, barões da indústria e do agronegócio, bem como grande parte dos setores de justiça e bancário.
Apesar dos escândalos, todos estão unidos em torno de seu presidente. Com esses suportes, o poder atual é tudo, menos frágil. Está no ponto de equilíbrio do estado profundo (deep state) brasileiro. Além disso, atualmente falta ao Brasil uma alternativa séria a Jair Bolsonaro. A direita lacerada ainda está se recuperando. A esquerda permanece fragmentada e inaudível, apesar da libertação do ex-presidente Lula da prisão.
Entre as elites, por medo de boicote ou sanções internacionais, algumas apreciam a idéia de se livrar de um Bolsonaro excessivamente imprevisível. Mas quem colocar em seu lugar, assumir a responsabilidade pelas reformas difíceis e impopulares que o país terá que empreender para sair da crise econômica em que está mergulhado? Ninguém no Brasil quer assumir esse papel ingrato, e especialmente o exército, que reluta em levar seu campeão do dia, o vice-presidente e general Hamilton Mourão, para a linha de frente. “É o mesmo que sacrificar o soldado Jair na batalha”, diz ela para si mesma.
O lado sombrio do país
Bolsonaro não é um presidente por acaso, muito menos um clandestino no poder. Amplamente eleito com 55% dos votos e até dois terços dos votos em grandes cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, continua popular. Cerca de 42% dos brasileiros mantêm uma imagem positiva do chefe de Estado e quase um terço apóia sua ação no poder, número que se mantém estável desde a primavera. Porque o transgressor pode falar com o Brasil “dele”. Suas provocações encantam seus simpatizantes, que amam o Jair nacional, barulhento e irreverente, capaz de enfrentar “moralizadores” de todos os tipos.
Esse Brasil gosta desse presidente pelo que ele é, e você pode apostar que ele o seguirá até o fim. Onde quer que ele vá. Mais profundamente, Bolsonaro é o espelho da parte obscura do Brasil, que se pensava erroneamente apagada pela década luminosa de 2000. Esse país de magnificência ambiental também é uma terra condenada, desde a chegada do Europeus, à exploração e destruição implacáveis da natureza. Esse reino de transgressão do corpo e libertação dos costumes é sempre o centro de um obscurantismo mais intolerante. Esta pátria de cruzamento, elogiada por gerações de viajantes, também se baseia em um racismo odioso, herdado de longos séculos de escravidão. Neste baile de máscaras do Brasil, onde tudo é dito, mas onde tudo permanece oculto, “Bolso” o palhaço triunfa no grotesco rei do carnaval. À sua maneira, confuso e ultrajante, esse presidente defende as profundas contradições de seu país e sabe como ninguém que se alimenta de suas falhas. É tudo, menos um acidente na história. Com ou sem um golpe de fadiga, demitido ou não, reeleito ou não, esse gênio tropical perturbador não está prestes a entrar na lanterna. O reinado de Jair Bolsonaro pode durar mais tempo do que pensamos.”
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“…assumir a responsabilidade pelas reformas difíceis e impopulares que o país terá que empreender para sair da crise econômica em que está mergulhado?”
Em outros termos: as reformas neoliberais são necessárias. Ou entendi errado?
Triste que alguém do campo democrático pense assim.
Sim, as reformas “neoliberais” são necessárias. Coloco a palavra entre aspas porque nunca existiu neoliberalismo aqui, assim como nunca existiu estado de bem-estar social; neoliberalismo tem sido apenas um rótulo para nomear as inevitáveis medidas de austeridade que devem ser tomadas para sair das crises. Não se trata de uma escolha ideológica, quando necessário, até governos de esquerda podem ser “neoliberais”, como foram o peronista Menem na Argentina e Dilma em seu segundo mandato.
Triste é ver que brasilianistas percebem as coisas melhor que 99% dos cientistas e analistas daqui.
Triste e o pacifismo frouxo desta imprensa enganadora.
Essa análise representa exatamente o pensamento da classe dominante. Tem vergonha das grosserias do capitão mas o apoiam para implementar uma exploracao ainda maior das classes baixas.
Esses politicos travestidos de jornalistas…
Esse artigo poderia ter sido escrito pelo Príncipe das Astúrias. Bate na troglodicice, mas lembra da “necessidade” das reformas duras e desagradáveis para tirar o país da crise e deixa entrever que a solução não virá nem da direita, nem da esquerda, mas do propalado e procurado com velas acesas e rezas ao Negrinho do Pastoreio, o tal centro. Significa outra solução meia-boca, meia-sola, meio barro e meio tijolo, ou seja, mais uma mudança para deixar do jeito que está. Quanto à fortaleza de Bozo, vou pagar pra ver.
Para o bem ou para o mal, o articulista está certo: Bolsonaro não é mais um dos “cometas” que de tanto em tanto cruzam o nosso céu, como foram Jânio Quadros e Collor de Mello. Em sete meses Jânio já havia renunciado, e em menos tempo ainda Collor e seu plano econômico já estavam desmoralizados. O fenômeno Bolsonaro é mais complexo.
Mas o autor derrapa em antigas concepções fantasiosas e preconceituosas nutridas pelos europeus em geral desde o século 16 a respeito do Brasil. Começa com o choramingo de que o Brasil está condenado à destruição ambiental “desde a chegada dos europeus” – como se os índios fossem eméritos ecologistas, e como se já existisse um Brasil antes da chegada dos europeus. O epíteto “tropical”, que o autor repete várias vezes, não faz qualquer sentido: o fenômeno Bolsonaro não tem nenhuma peculiaridade climática ou ambiental, ele pertence à mesma coleção de fenômenos políticos e sociais do mundo ocidental. Paralelos evidentes podem ser traçados com Trump e outros líderes de direita europeus. O reino de transgressão do corpo e liberação de costumes não passa de uma miragem reproduzida desde a época em que “não havia pecado do lado de baixo do equador”, eventualmente vendida por nós como imagem de exportação, mas de resto, o conservadorismo dos pastores evangélicos que brotam nas periferias mostra que não tem nada a ver o c* com as calças.
O autor acertou em afirmar que o fenômeno Bolsonaro é mais profundo do que parece, mas está longe de defini-lo precisamente.
Essa é uma crise inseminada, fertilizada, gestada, parida, amamentada, nutrida, formada e educada exclusivamente no Brasil por brasileiros. Aos gringos, a oportunidade de se aproveitar das imensas riquezas desprezadas pelos brasileiros, fruto da enorme vocação de autodestruição, autodepreciação e da vontade de fulminar e caiar tudo que o desafeto criou. E com a fuga dos capitais estrangeiros e as estultices do Bozo, nem isso. Feliz 2040, quando talvez o pais tenha achado um rumo.
Esse jornalzinho, o lê Monde, é a bocarra da burguesia.
Ô jornalzinho do caramba!
Há um porém, não levado em conta; Mesmo para entender a metafísica é preciso estar bem alimentado. E o Brasil não está. Não há ideologia que possa confortar a fome. O Chile e a Argentina estão logo ali.
Coerentíssimo…e digo mais: Esse fenômeno Bolsonaro vai perpassar gerações, não o homem Bolsonaro, mas o sentimento em que ele se apóia, e não faltam nomes nessa seara.
Os padrões materiais de 2019 não se manterão. A sociedade brasileira não se liga por uma ideologia só, e seria um erro analisá-la pelas ideias, mesmo pelos dogmas históricos. Toda sociedade é a representação de seus fatores econômicos. Católicos (e outras designações) pagarão o alto preço por pouco tempo. O mesmo quanto aos liberais. De fora, os chineses terão seu papel. De dentro, a desigualdade abissal e crescente deve ser contabilizada… e o que é sólido, se desmancha no ar. Sob qualquer ponto de vista, é otimismo que Bolsonaro se mantenha. Há análises consistentes sobre o asseveramento do estado de coisas, de forma rápida. Bolsonaro será superado, rapidamente, seja pela barbárie que o criou, que seguirá buscando seu objetivo (e aí entra Moro), ou por uma união consciente que o combata. Em qualquer caso, tem tudo para ser caótico, jamais estável.
Os padrões materiais de 2019 não se manterão. A sociedade brasileira não se liga por uma ideologia só, e seria um erro analisá-la pelas ideias, mesmo pelos dogmas históricos. Toda sociedade é a representação de seus fatores econômicos. Católicos (e outras designações) pagarão o alto preço por pouco tempo. O mesmo quanto aos liberais. De fora, os chineses terão seu papel. De dentro, a desigualdade abissal e crescente deve ser contabilizada… e o que é sólido, se desmancha no ar. Sob qualquer ponto de vista, é otimismo que Bolsonaro se mantenha. Há análises consistentes sobre o asseveramento do estado de coisas, de forma rápida. Bolsonaro será superado, rapidamente, seja pela barbárie que o criou, que seguirá buscando seu objetivo (e aí entra Moro), ou por uma união consciente que o combata. Em qualquer caso, tem tudo para ser caótico, jamais estável.
Sonha….
Discordo totalmente do analista. O Bolsonaro será descartado em 2020. Quem carrega o piano e tem força não é o Bolsonaro. O Maia é que está carregando o piano. O Maia é que está promovendo as reformas propostas pelo Guedes. Então, para que o Bolsonaro? Para essa elite sacana, o melhor é descartar o Bolsonaro e colocar o Maia em seu lugar com todas as chances de se sagrar presidente eleito em 2022 que certamente dará continuidade a política dessa direita que cheira a naftalina. O problema é que a economia vai ladeira a baixo.
Isso poderá desencadear uma junção de toda a esquerda. Aí o conflito será inevitável!