Nassif: FHC, PSDB, PT e o combate ao centralismo brasiliense

No artigo “Convicção e Esperança” (https://goo.gl/sGRuQg), no Estadão e em O Globo, Fernando Henrique Cardoso demonstra uma insuspeitada saudade de um partido que ele ajudou a enterrar: o PSDB socialdemocrata, substituído por um PSDB radicalmente mercadista e, depois, radicalmente à direita.

Era o PSDB de Mário Covas que, embora não fosse um pensador, pela atuação de centro-esquerda no velho MDB e, especialmente, na Constituinte, inspirava ideias e projetos socialdemocratas.

No velho PSDB, quem melhor representava esse espírito eram os economistas da FGV-SP, Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano, os irmãos Mendonça de Barros. E a grande cabeça política, o José Dirceu do PSDB, era Sérgio Motta, um furacão generoso e solidário, que ajudava a empurrar o lado inercial de Fernando Henrique e José Serra.

Esse modelo nem chegou a ser implementado no governo FHC. Depois, a morte de Covas, Motta e André Franco Montoro sepultou definitivamente esse PSDB socialdemocrata, substituído pelo discurso único do antipetismo, pelas palavras de ódio e a perda de capacidade de formulação de políticas públicas inovadoras.

A expectativa de 20 anos de poder, apregoada por Sérgio Motta, se foi com a pequenez de FHC, apesar do alerta final de Sergião: “não se apequene”.

Agora, ocorre um fenômeno curioso.

Em Brasília, o novo presidente do PSDB, Tasso Jereissatti, indica a intenção de ressuscitar o mito Covas, não apenas a coragem, a posição externada na Constituinte, mas a capacidade dos grandes gestos, como foi o apoio à Martha Suplicy contra Paulo Maluf.

Mas com quem? Esse PSDB não existe mais. A cara do PSDB é Aloysio Nunes dizendo “aqui, não!”, para a Venezuela no Twitter, faltando completar a bravata com uma banana. Ou os barras pesadas, como Aécio Neves e José Serras, os anódinos, como Geraldo Alckmin, até a ralé intelectual do privativismo, como João Dória Je.

A reforma do Estado

No entanto, voltam a ficar presentes no horizonte um conjunto de fatores que ajudaram a marcar a Constituinte e a vida inicial do PSDB.

É hora de se colocar nas próximas campanhas, a discussão sobre o papel do Estado. E é um tema que deveria merecer a mesma atenção do PSDB e do PT, como um dos pontos em comum de uma plataforma que recrie condições mínimas de governabilidade e de retorno do protagonismo da cidadania.

O PSDB falava em estado enxuto e forte. Enxugou sem fortalecer. Os Ministérios foram esvaziados de quadros técnicos. Nos dois mandatos de FHC, não se viu o Estado atuando nenhuma vez como coordenador de políticas federativas, de políticas sociais mais amplas. O máximo que avançou foi nos indicadores de educação, iniciados no período Paulo Renato.

O PT assumiu e refortaleceu o serviço público. Instituiu concursos, melhorou substancialmente os proventos dos funcionários, reforçou novamente os quadros técnicos dos Ministérios. E qual o resultado?

Na fase inicial, desafiada a nova burocracia avançou em estudos, trabalhos. Quando houve a perda de rumo político, a partir de 2012, tomou o freio aos dentes e passou a atuar politicamente, como ocorreu com o TCU e o MPF.

O Estado passou a ser apropriado de duas formas distintas.

Numa ponta, a velha oligarquia política indicando apaniguados para cargos mais proveitosos para os negócios. Na outra, as corporações dos concurseiros passando a atuar politicamente e conquistando melhorias salariais extravagantes.

Assim como no regime militar, os funcionários encastelados em Brasília passaram a disputar recursos do orçamento enquanto que na ponta – ou seja, no funcionalismo que prestava diretamente serviços à população – paga-se salário de fome.

Vai se ter que voltar aos princípios da pós-Constituição, da reação inicial contra o militarismo e contra o centralismo brasiliense, que resultou na campanha contra os marajás do serviço público.

Na outra ponta, haverá a necessidade premente de avançar na criação de indicadores de desempenho, para uma avaliação correta dos meios e fins nas políticas públicas. E, principalmente, na discussão de ferramentas de accountability em todos os setores, especialmente os setores Judiciário e seus apêndices e nas áreas ligadas ao Legislativo, como o Tribunal de Contas e o conjunto de assessorias do Congresso. O objetivo final de cada ação pública é o atendimento das demandas da cidadania. Essa deverá ser a métrica a medir a produtividade do Estado.

Em seu artigo, FHC critica o mercadismo vazio que ele próprio ajudou a tornar hegemônico e o inchaço do Estado, com o foco das políticas públicas não esquecendo o social. Mas a cara do PSDB ainda é muito mais Pedro Parente do que Covas.

Em algum momento do futuro, não haverá como fugir de uma nova Constituinte que coloque definitivamente os donos do Estado sob controle da cidadania.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Em algum momento do futuro,

    Em algum momento do futuro, não haverá como fugir de uma nova Constituinte que coloque definitivamente os donos do Estado sob controle da cidadania.

    Ou então será imposta uma nova Constituição que subjugue o Estado (e as corporações estatais) e a cidadania.

  • De qualquer forma não esperem

    De qualquer forma não esperem algo de susbstancial do "tenho jatinho porque posso", 

    se a mudança, realmente acontecer, virá de fora da velhacaria......

  • Vantagem de Ser Político

    Nassif: duas são a diferenças básicas entre os ladrões comuns e a quase totalidade totalidade (incluindo os 7/10 do Congresso) dos políticos brasileiros.

    A primeira, mas menos grave, é a imunidade parlamentar.

    A segunda (esta, fundamental) é que a facção criminosa na qual se agrupam goza de proteção constitucional e recebe o pomposo nome de "Partido". 

    Falam de uma terceira via. Dou um doce se você adivinhar...

  • É mais fácil a união para

    É mais fácil a união para roubar do que para gerir. Mais fácil formar uma quadrilha do que um grupo de trabalho. Essa facilidade é que levou o PSDB, que era, repito, era bom de Política mas pouco rígido em outras coisas, ter-se unido com DEM e PMDB e dar nisso que está aí. Isso que levou o PT, que sempre foi ruim de Política, não consegue apoio nem do PSOL, a submeter-se ao PMDB e ao "Republicanismo", e dar nisso que está aí. É isso que faz com que o PMDB, phd em "Política" e em coisas ruins, comande o que está aí. E nos faz pensar na necessidade de união para resistir ao que está aí. Nem precisa ser a união dos homens "bons" da Marina, podem ser só um pouco bons, não podem ser muito ruins, que já venham em quadrilha formada. Imagino a formação de um PARTIDO DOS HUMANOS MAIS OU MENOS,  aqueles que "oscilam entre a crença e o desengano", no peito dos quais reside "um demônio que ruge e um deus que chora".  A opção, como diz o já clichê, será o sangue na calçada. 

  • Realmente o PSDB se debandou para a direita, mas....

    A premissa óbvia para se dizer que o PSDB se moveu para a direita é que, antes, ele era de esquerda!!! Vejam só, temos aqui a clara manipulação e falsificação histórica de Lula e do PT durante seus mandatos em acusarem o PSDB de direitista (e isso ao mesmo tempo em que Lula e PT abraçavam coronéis, incrível!). Acerca do antipetismo, ora, o PSDB mal chegou a ser oposição no primeiro mandato de Lula. Foram Lula e o PT os que escolheram o PSDB como inimigo enquanto abraçavam sem nenhuma vergonha o pior coronelismo do país. Foram Lula e o PT que governaram como se ainda fossem oposição, sem capacidade de reconhecer absolutamente nenhum mérito nos governos anteriores, como se o país tivesse sido criado em 2002. Por fim, foram Lula e o PT que escolheram não realizar NENHUMA REFORMA no país, deixando para a direita mais podre legislar depois. E em tempo: Chavez se mostrou um arraso completo para a Venezuela, isso é um fato indiscutível. Nossa esquerda é igualmente criminosa ao dar apoio incondicional a todo e qualquer crime cometido pelo chavismo.

    • Parabéns por ter citado a Venezuela,

      mas faltaram o Irã, a Coreia do Norte, Cuba, sem esquecer a Turquia (que agora é uma terrível ditadura em total oposição ao paraiso democrátcio chamado Arábia Saudita).

      Sem falar da Rússia.

      Pode fazer melhor da próxima vez.

      • O texto do Nassif citava a Venezuela, por isso a mencionei

        Ao contrário do relativismo moral hipócrita e lamentável de nossa esquerda, sou contra ditaduras, independente do seu viés "ideológico" (aspas em ideológico, porque quem manda na Venezuela são os militares). A Arábia Saudita, que você mencionou, é um dos países mais nocivos do mundo, e apoiada pelos EUA, mas qual sentido em citá-la aqui, se o texto do Nassif que estamos comentando não trata esse assunto?

        • Parabéns pela coragem de dar

          Parabéns pela coragem de dar sua opinião "do crioulo doido" aqui neste blog de maioria humanista.

          Afinal de contas, piadas sempre são benvindas...

          • Maluquice é demonizar o PSDB e ao mesmo tempo abraçar coronéis

            Haja malabarismo retórico para disfarçar uma aberração ideológica como essa. O PT e o PSDB eram os únicos partidos com projeto de modernização do país, e ambos de centro-esquerda. Exatamente por isso o cálculo eleitoreiro de Lula e do PT tinham o PSDB como inimigo a ser demonizado  e não os reacionários do PMDB. Uma oportunidade histórica perdida de tirar o poder das mãos dos conservadores. O populismo eleitoreiro de Lula resultou nos coronéis do PMDB no poder novamente. Essa lógica eleitoreira podre e que destruiu o país é a que vocês estão defendendo aí.

          • Maluquice é demonizar o PSDB e ao mesmo tempo abraçar coronéis

            Haja malabarismo retórico para disfarçar uma aberração ideológica como essa. O PT e o PSDB eram os únicos partidos com projeto de modernização do país, e ambos de centro-esquerda. Exatamente por isso o cálculo eleitoreiro de Lula e do PT tinham o PSDB como inimigo a ser demonizado  e não os reacionários do PMDB. Uma oportunidade histórica perdida de tirar o poder das mãos dos conservadores. O populismo eleitoreiro de Lula resultou nos coronéis do PMDB no poder novamente. Essa lógica eleitoreira podre e que destruiu o país é a que vocês estão defendendo aí.

    • Janaíno, vc tem razão, a

      Janaíno, vc tem razão, a culpa é do Lula e do PT, inclusive do que acontece na Venezuela. Faça também denúncia ao Mundo, eles desconhecem "essa raça", há que se acabar com ela. E outra coisa que vc analisa com maestria, o PSDB nunca se moveu para a direita, ninguém se move para onde já está, esse blogueiro  petralha desconhece princípios elementares de Física. Mais uma tacada de mestre, vc desconstruiu a falácia de que o país foi criado em 2002, como se fosse um ano mágico. Qualquer apedeuta sabe que a criação se deu de 2002 a 2014, quando se iniciou a destruição.

    • Trocou as bolas

      O psdb não fez oposição porque achou que o governo era seu por direito de nascimento, terceirizou a tarefa de fazer oposição para a midia, e cresceu gordo e mimado. E as reformas foram tentadas por FHC e por Lula varias vezes por falar em "manipulação e falsificação histórica" parcial e enviesada.

  • Na verdade Nassif, você fala

    Na verdade Nassif, você fala do divórcio entre Estado e população. Que é uma questão antiga e histórica. A rigor, o povo não tem representação política e é por esse motivo que o Brasil, um país tão rico, tem tanta gente tão pobre. Os partidos e governos que buscaram conectar-se com o povo (Vargas, João Goulart, recentemente o PT) foram todos violentamente combatidos e alijados da esfera política. Por que? Porque ameaçavam a engrenagem da exclusão social e política.

    E quem quer a exclusão? Quem quer as oligarquias? Quem quer governos de “clubes fechados” que drenam recursos/facilidades/vantagens do Estado para grupos específicos, nacionais e internacionais, e se mantem no poder baseados na distribuição de benesses para uma rede de apoiadores (políticos; imprensa; lideres classistas, etc.), mantendo o povo longe da cidadania?

    Em primeiro lugar têm interesse na exclusão, ou dito de outra forma, são contra a democracia, os grandes grupos internacionais. Querem linha direta com o executivo. Sem rodeios. Sem grupos políticos incomodando. Legislação de proteção de conteúdo nacional.

    Em segundo lugar, a rede “que mama no Estado” – de forma lícita (a alta burocracia, os políticos etc. ) e ilícita – os corruptos em geral.  

    Em terceiro lugar, a classe média, que historicamente beneficiou-se da exclusão social. Não quer cotas, não quer democratização do acesso a recursos de toda sorte, muito menos, recursos do Estado.

    Nesse sentido, há uma ampla frente nacional e internacional que não quer a democracia. E não se importam quando o sistema dos “clubes fechados” resvala para um sistema das “quadrilhas fechadas”.

    O folclórico Wladimir Costa, assim como todo o congresso nacional, de baixíssimo nível,  tem atrás de si forte e sofisticado esquema internacional e nacional. Não são ultrapassados, não são figuras dos grotões, são peça chave na engrenagem da exclusão social e política. Contam com a cumplicidade do judiciário e das corporações classistas, de advogados, médicos, empresários, etc. e da classe média em geral.

    Internacionalmente podemos dizer que o século XXI deixou de ser o século apenas do neoliberalismo. Ingressamos em uma era da disputa internacional por recursos - naturais, sobretudo petróleo - mas também dos recursos financeiros dos Estados. É isso que está atrás do golpe. Atrás de Michel Temer e sua quadrilha. O que torna tudo mais difiícil. Desmontar isso aí, só com muito barulho. Apenas ganhar uma eleição é pouco.

     

    • Enígma

      Margot: esse é um fato que muito me intriga. Os líderes que mais batalharam a favor dos menos favorecidos são os mais desprezados, politicamente falando. A maldição (ou Profecia?) do Antônio Carlos de Andrada ("Façamos a Revolução antes que o Povo a faça") vira constante. Agora mesmo, com o Mordomo de Filme de Terror. O exemplo mais típico encontramos no Partido de Don Raton, daquele grupo que, a contrario sensu dos ademaristas, "rouba", mas não faz. Parece até que para eles Povo é uma massa informe, feita, como dizia Justo Verissimo, para ser espezinhada e explorada o tempo todo. 

  • Mudança comandada pelo PSDB ?
    Mudança comandada pelo PSDB ? Só por eles ? Quem seria os convidados para o debate: os Marinho, Frias , ruralistas e assim vai. O Brasil é um lugar onde moramos , nunca vai ser uma Nação preocupada com seus cidadãos se essa turma aí sempre ter o domínio do debate.

  • O PSDB só tem influência em São Paulo. Se os tucanos perderem o

    O PSDB só tem influência em São Paulo. Se os tucanos perderem o governo do Estado de São Paulo acaba não só com o PSDB, mas também com o grupo abril, a folha de São de São Paulo e o Estadão. Seria uma derrota fulminante para todo o PIG.

    Uma frente de esquerda nacional não pode se preocupar apenas com o Planalto, mas sim em derrotar as principais forças do atraso nacional no seu principal reduto. Ou seja, derrotar os tucanos em São Paulo representaria uma nova era para o país, sem esses trambolhos como José Serra, Aloysio Nunes, Geraldo Alckmin e FHC.

    O Lula e o Ciro deveriam se unir para juntos ajudar a eleger o Haddad governador de São Paulo!

  • Sérgio Motta, FHC e Covas como bons exemplos é de lascar

    Fernando Henrique nunca foi grande coisa. O próprio Covas nunca o engoliu. É o "velho sábio" mais construído e sem lastro do Brasil.

    Sérgio Motta esteve por trás de todas as maquinações de privatizaçõies da era FHC. Assim como de todas as compras de congresso por trás do período. Isto já basta pra mostrar quem foi esta coisa aí.

    Mário Covas, que alguns como o MIno Carta ainda insistem incoerentemente dizer como "um PSDB diferente e bem intencionado" foi o cara que privatizou o que pode em SP, destruiu a já precária educação paulista efez em SP coisas tão más quanto FHC fez no Planalto.

    PSDB nunca prestou, sempre foi um Partido que não se enxergava como esquerda, que se via arrogantemente como elitizado e intelectual, superior, e baba ovo desde sempre dos EUA e dos Democratas americanos.

    Chega de tratar PSDb como algo bom e útil que ele nunca foi.

    • Faz muita falta no Blog

      Faz muita falta no Blog existir um contador de votos porque provavelmente seu comentário apareceria, com razão, no topo dos mais votados.

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