New York Times detona Moro e defende punição da força-tarefa da Lava Jato

Moro e os procuradores transformaram "uma simples força-tarefa temporária em uma entidade acima da lei a serviço de um objetivo político, inicialmente contando com o apoio do tribunais superiores", diz o jornal

Foto: Agência Brasil

Jornal GGN – A conduta parcial de Sergio Moro e os excessos e violações cometidos por ele e pela força-tarefa da Lava Jato foram cirticados em artigo publicado pelo jornal The New York Times no dia 26 de fevereiro.

No texto assinado por Gaspard Estrada, o “herói” Moro é desnudado pelas mensagens hackeadas do Telegram da força-tarefa, que foram apreendidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing. Por meio delas, é possível confirmar que Moro agiu como um acusador, em vez de manter-se equidistante e imparcial, como todo juiz deveria ser.

Vendida ao mundo como a maior operação de combate à corrupção, a Lava Jato agora é tratada no New York Times como possível “conto de fadas que velou outros interesses políticos”. Segundo o jornal, desde que as mensagens da Spoofing vieram à tona, “um sentimento de profundo desencanto com a chamada justiça curitibana, que leva o nome da capital do estado do Paraná, onde a força-tarefa estava sediada, se espalhou por todo o país.”

A Lava Jato “se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil” e ninguém lamenta o seu fim, diz o NYT. Os procuradore e Moro transformaram “uma simples força-tarefa temporária em uma entidade acima da lei a serviço de um objetivo político, inicialmente contando com o apoio do tribunais superiores.”

O diário frisou ainda que há muito já se sabia que Moro condenou e prendeu Lula “por atos indeterminados e sob acusações frágeis”, mas agora é evidente que “o próprio Moro ajudou a montar a acusação contra Lula, violando assim o princípio jurídico do sistema de justiça brasileiro de não ser juiz e procurador ao mesmo tempo.”

Ao final, o autor defende que é preciso “também introduzir ferramentas mais eficazes de responsabilização no judiciário, a fim de evitar casos como a Operação Lava Jato, que teve proteção institucional mesmo após ter ficado claro que delitos haviam sido cometidos desde os primeiros estágios da investigação.”

O GGN publica o artigo, na íntegra, abaixo.

The New York Times

O Brasil vive várias crises ao mesmo tempo – a situação catastrófica da saúde, a economia frágil e a polarização política extrema. Agora podemos adicionar a corrupção do sistema judicial à lista. Não precisava ser assim. Os brasileiros tinham grandes esperanças há sete anos, quando um jovem magistrado chamado Sergio Moro lançou uma operação anticorrupção chamada Lava Jato, ou Operação Lava Jato.

Quase da noite para o dia, com o apoio do sistema judicial e da mídia, Moro e os promotores encarregados da operação iriam salvar o Brasil. E em pouco tempo seus esforços produziram resultados impressionantes: milhões de dólares foram recuperados e vários políticos e empresários de alto escalão foram presos, culminando com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2018.

A Operação Lava Jato provou que a justiça poderia acabar com a corrupção endêmica no Brasil ou foi apenas um conto de fadas que velou outros interesses políticos? Nas últimas semanas, o lado negro do Lava Jato foi desnudado, e um sentimento de profundo desencanto com a chamada justiça curitibana, que leva o nome da capital do estado do Paraná, onde a força-tarefa estava sediada, se espalhou por todo o país. A Operação Lava Jato foi considerada a maior investigação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil. Quando a força-tarefa foi dissolvida em 1º de fevereiro, quase ninguém saiu às ruas ou às redes sociais para lamentar seu fim.

Em vez de erradicar a corrupção, obter maior transparência na política e fortalecer a democracia, a agora notória Operação Lava Jato abriu o caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder após eliminar seu principal rival, Lula, da corrida presidencial. Isso contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje.

Os promotores da Lava-Jato atribuíram seus sucessos ao uso de métodos inovadores (em particular, o papel das barganhas) que permitiram aos tribunais agir rapidamente. Eles citam 1.450 mandados de prisão, 179 processos criminais e 174 sentenças de prisão deles decorrentes. No entanto, mensagens de aplicativos de telefone hackeados revelaram que, em vez de seguir o devido processo legal e levá-los aos tribunais, Moro usou um aplicativo de telefone como canal de apoio para se comunicar com a equipe de promotoria e traçar estratégias de quais acusações deveriam ser feitas contra o ex-presidente. Em 9 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal concedeu à equipe de defesa de Lula acesso aos vazamentos.

Embora se saiba há muito tempo que Moro condenou Lula por atos indeterminados e sob acusações frágeis, agora sabemos que o próprio Moro ajudou a montar a acusação contra Lula, violando assim o princípio jurídico do sistema de justiça brasileiro de não ser juiz e procurador ao mesmo tempo.

Quando os advogados de Lula reclamaram que foram espionados ilegalmente pela operação Lava Jato, foram garantidos que era um erro. Hoje sabemos que os promotores eram periodicamente informados por agentes da Polícia Federal encarregados da vigilância telefônica, ajudando-os a traçar estratégias que levassem à sua condenação.

Moro vangloriou-se do dinheiro que voltou para os cofres públicos, sem mencionar que as multas impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Petrobras e à Odebrecht foram [negociadas] para uma fundação de direito privado administrada por promotores do Lava Jato, além de líderes de ONGs. Ao fazer isso, o Ministério Público contornou a Constituição brasileira, pois esses recursos deveriam ser destinados ao orçamento público. Como consequência, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a fundação em 2019.

Vai demorar um pouco até que todos os detalhes da operação venham à tona, mas o que sabemos é que, para combater a corrupção, nosso herói, Moro, usou métodos em flagrante violação do Estado de Direito. Como recompensa, ele recebeu o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.

Isso não significa necessariamente que não haja uma forma eficaz de combater a corrupção. Na verdade, podemos aprender muito com a experiência brasileira.

Durante a administração de Lula, o sistema de justiça brasileiro passou por um processo de reforma profunda que aumentou fundos e recursos, criou jurisdições específicas para combater a lavagem de dinheiro e aumentou a cooperação entre agências para acompanhar o dinheiro e caçar criminosos de colarinho branco.

Moro e os membros da investigação tiveram poderes para agir de forma decisiva e obter resultados; isso incomodou Bolsonaro, que fez todo o possível para reverter essas políticas. O problema é que Moro e os promotores perverteram esses avanços institucionais – incluindo sua independência do poder público – ao transformar uma simples força-tarefa temporária em uma entidade acima da lei a serviço de um objetivo político, inicialmente contando com o apoio do tribunais superiores.

Moro, que renunciou ao cargo de ministro em abril de 2020, deixou claro durante sua passagem pela magistratura e pelo Executivo que, como seu ex-chefe, acredita que a democracia e o Estado de Direito podem ser deixados de lado em nome da luta contra a corrupção. E mesmo essa afirmação pode ser contestada agora que Moro, em claro conflito de interesses, trabalha para um escritório de advocacia contratado pela Odebrecht.

Para acabar com a relação promíscua entre dinheiro e política – o problema subjacente revelado pela operação, e sua principal realização – não basta processar e prender. Empresas foram à falência e o país ficou em turbulência, mas mesmo depois de centenas de prisões, a corrupção não diminuiu.

A democracia brasileira está em perigo. Para mudar isso, é necessário ir além da acusação e instituir uma verdadeira reforma política que possa ajudar a resolver a raiz do problema, atacando o financiamento ilícito de campanhas políticas. É preciso também introduzir ferramentas mais eficazes de responsabilização no judiciário, a fim de evitar casos como a Operação Lava Jato, que teve proteção institucional mesmo após ter ficado claro que delitos haviam sido cometidos desde os primeiros estágios da investigação.

A Operação Lava Jato acabou, mas sua história ainda não foi totalmente contada. Para que o Brasil enfrente suas múltiplas crises, para realmente atacar a corrupção e superar essa distopia, deve haver uma reavaliação crítica da investigação.

Sobre o autor: Gaspard Estrada é o diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe da Sciences Po de Paris. Este ensaio foi traduzido por Erin Goodman do espanhol.

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