O circuito fechado do Centrão, por Daniela Constanzo

Seria possível pensar em conexão dos prefeitos com o legislativo em termos de recursos e reeleição, o que torna Centrão quase que inderrotável

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Do Blog da Boitempo

O circuito fechado do Centrão

Hoje seria possível pensar em uma conexão direta dos prefeitos com o legislativo nacional em termos de recursos e de reeleição, o que torna o Centrão quase que inderrotável, dificultando o próprio mecanismo básico de qualquer definição minimalista de democracia, que é a possibilidade de alternância de grupos no poder.

Por Daniela Costanzo*

Neste pequeno balanço, gostaria de fazer quatro comentários sobre as eleições de 2024.

Centrão é o grande vencedor

Mais do que nunca, o Centrão é o grande vencedor destas eleições. Somados, PSD, MDB, PP, União Brasil, Republicanos e PL têm mais de 72% das prefeituras do país. Isso não é exatamente uma novidade, mas é possível observar que o Centrão vem ganhando ainda mais prefeituras desde 2020, quando PT, PSDB, PSB e PDT começaram a sofrer uma queda mais acentuada.

Convém lembrar que o Centrão tem esse nome por apoiar qualquer presidente em troca de cargos e verbas. Troca essa feita por meio de chantagens que chocam qualquer pessoa que chega à cadeira presidencial pela primeira vez. Mas, na verdade, os partidos do Centrão podem ser caracterizados como partidos conservadores, dado que de fato limitam qualquer avanço progressista e democrático que se queira fazer no país.

A eleição de 2020 também veio como uma retomada da chamada política tradicional após o baque da Operação Lava Jato e do Impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Isso significa dizer que o Centrão se reafirmou nas eleições de 2020, quando DEM, PSL, PP e PSD inclinaram sua curva ascendente ainda mais para cima. É importante notar isso porque as eleições de 2024 foram a continuidade das eleições de 2020, mas com um boost nada desprezível que veio das emendas do legislativo federal. Trataremos delas no próximo ponto.

Reeleição

A taxa de reeleição de prefeitos foi a mais alta da série histórica — medida desde que a reeleição foi autorizada para cargos do executivo, em 1997 —, chegando a 82%. Até então, ela ficava entre 46% e 67%. A meu ver, o que melhor pode explicar essa taxa é a expansão do uso das emendas por parte dos deputados federais, as quais devem ser entendidas como parte de um processo maior de expansão dos poderes do legislativo em relação aos do executivo desde meados de 2015.

Os mesmos partidos que conquistaram mais de 70% das prefeituras ocupam mais de 65% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Os jornais Folha de São Paulo e O Globo já mostraram que a taxa de reeleição foi ainda maior entre os municípios que receberam emendas acima da média.

Se somarmos as duas tendências — o fortalecimento do Centrão e a alta taxa de reeleição — temos um cenário preocupante de um sistema fechado em que os partidos que dominam a Câmara alimentam suas bases municipais elegendo e reelegendo seus prefeitos, e essas bases devolvem os votos aos deputados. Não é coincidência que esse sistema lembre muito aquele desenhado por Victor Nunes Leal em seu Coronelismo, enxada e voto. Neste, porém, os governadores tinham um papel mais relevante, mas o sistema era muito parecido e baseado no governismo, justamente porque o governismo permite que os fluxos de dinheiro público possam continuar fluindo no mesmo circuito.

Hoje seria possível pensar em uma conexão direta dos prefeitos com o legislativo nacional em termos de recursos e de reeleição, o que torna o Centrão quase que inderrotável, dificultando o próprio mecanismo básico de qualquer definição minimalista de democracia, que é a possibilidade de alternância de grupos no poder.

União do Centrão com a extrema direita

Claro que o boost do Centrão não seria o mesmo sem a extrema direita. O bolsonarismo fortaleceu os partidos do Centrão, trazendo mais votos e mais engajamento. A própria dedicação de Bolsonaro nestas eleições pode ter tido um efeito que ainda não conseguimos ver com precisão, mas, se somarmos isso às eleições de 2018 e 2022 no parlamento, é possível identificar o crescimento do Centrão com base na extrema direita bolsonarista.

Apesar disso, o ex-presidente amargou derrotas importantes em Manaus, Belém, Fortaleza, Belo Horizonte, Goiânia, João Pessoa e Palmas. Bom para o Centrão e ruim para o país, visto que, com exceção de Fortaleza, quem ganhou nesses lugares foram justamente candidatos do Centrão. Essas derrotas poderiam servir para argumentarmos que o bolsonarismo não teve muito efeito nestas eleições, mas acredito que essa não seja a realidade.

O PL de Valdemar da Costa Neto passou de 344 a 516 prefeituras, precisamente quando o que houve de diferente no partido foi o engajamento de Bolsonaro, que, inelegível, passa a precisar também da proteção do Centrão. Além disso, Bolsonaro teve vitórias importantes em lugares como Cuiabá, Maceió, Rio Branco, Blumenau, Foz do Iguaçu e São José do Rio Preto.

Ainda assim, a inelegibilidade de Bolsonaro o deixa fraco na correlação de forças da disputa interna entre PL e bolsonarismo. Prova circunstancial disso pode ser vista na disputa da presidência da Câmara, em que o PL abriu mão de uma pauta fundamental para o bolsonarismo, a anistia aos golpitas do 8 de janeiro, logo após os resultados das eleições.

Muita água ainda vai rolar sob a ponte da aliança entre PL e bolsonarismo, e as eleições de 2024 certamente terão um papel relevante nessa relação.

Os dois últimos anos de Lula 3

Estas eleições marcam também o início dos últimos dois anos de governo Lula. O governo em si não parece ter investido muito nessas eleições, talvez prevendo ou sabendo já da força do Centrão. Mas enfrenta agora uma disputa por esse mesmo bloco visando as eleições de 2026.

A aposta de Tarcísio junto ao MDB, a Kassab, a Temer e ao PL foi jogar as fichas na candidatura Nunes, antecipando uma aliança que pode se repetir em 2026. Nunes já defende dentro do MDB o apoio à candidatura Tarcísio para a presidência da república, e Kassab parece apoiar a ideia.

Quem é brasileiro e acompanhou os governos Lula e Dilma já começa a ver o filme se repetir na cabeça. Lula vai atrás de um apoio mais decisivo do MDB, começam as disputas de vice, o governo vai cedendo cada vez mais… Mas ao mesmo tempo Tarcísio só sairá do governo de São Paulo se for para ganhar, e talvez isso não seja possível contra Lula.

Teremos que acompanhar os próximos capítulos, mas o Centrão sai dessas eleições mais valioso do que nunca.

*Daniela Costanzo é doutora em Ciência Política (USP) e pós-doutoranda no Cebrap e na Sciences Po.

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