O risco do fim do foro privilegiado, por Luis Nassif

Quando o Ministro Luís Roberto Barroso votou a favor da prisão após segunda instância, alguns anos atrás, observei a ele a questão da influência política nos tribunais estaduais e os abusos que poderiam ser cometidos.

Imaginei a seguinte situação: um processo meu que corresse em um Tribunal do Rio de Janeiro por crime de opinião. É conhecida a extraordinária influência da Globo sobre o TJRio. Bastaria uma condenação em primeira instância, confirmada em segunda instância, para haver a prisão, que seria mantida até o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Sua resposta foi óbvia:

– Basta recorrer a um habeas corpus.

Naquela época já estava em formação o eixo Curitiba-Brasilia – Sérgio Moro –>  2ª Turma do TRF da 3ª Região –> Teori/Fachin – e nem se imaginava que o STF voltasse a se curvar ao clamor da turba e rasgar o conceito de habeas corpus.

Todo o abuso foi induzido pelo STF, lá atrás. Como foi induzido o ritmo descabelado de prisões preventivas infinitas de jovens com pequenas quantidades de maconha ou cocaína.

Ou seja, o bater de asas de uma borboleta no STF provoca um terremoto das instâncias inferiores.

Digo isso a respeito dessa discussão de fim do foro privilegiado, como se fosse o caminho para acabar com privilégios. O julgamento do foro pula todas as instâncias e vai bater direto na última, com as investigações sendo conduzidas pela Procuradoria Geral da República.

Acabar com o foro traria duas consequências.

A primeira, o liberou geral dos pequenos poderes encastelados nos municípios e na primeira instância. Hoje em dia, multiplicam-se os abusos de promotores e juízes, pretendendo ser o poder absoluto em suas comarcas.

A segunda, a blindagem dos políticos em estados onde o Judiciário é mais suscetível às pressões do governador. Por que a grita geral quando a Procuradoria Geral da República remeteu o processo contra o ex-governador paulista Geraldo Alckmin para o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Porque composto por maior de magistrados paulistas. Ou seja, até a velha mídia entendeu que era uma forma de blindagem. E nada mais foi do premiar Alckmin com o privilégio de perder o foro privilegiado.

O ex-presidente da República José Sarney conseguiu eliminar dois adversários – Jackson Lago, ex-governador do Maranhão e João Capiberibe, ex-governador do Amapá – simplesmente valendo-se de sua influência nos judiciários estaduais. Capiberibe foi cassado, se não me engano, devido à acusação de ter comprado um eleitor por 10 reais.

Ou, mais recentemente, o que a Justiça fluminense está fazendo com o ex-governador Anthony Garotinho, em um pacto que envolve juízes de primeira instância, procuradores, policiais e tribunais estaduais.

Por outro lado, é só analisar como a justiça paulista julga os casos envolvendo autoridades do Estado, para uma prova maiúscula de blindagem.

Independentemente das implicações posteriores, a abertura de um processo judicial liquida com a carreira da maioria dos políticos. Acabar com o foro, significará conferir o poder de fuzilamento a qualquer promotor associado ao juiz local.

Mais que isso, significará embotar totalmente a atuação federativa, já que cada decisão de impacto nacional sujeitará seu autor às idiossincrasias de qualquer comarca do país.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Renato Russo

    "É conhecida a extraordinária influência da Globo sobre o TJRio". O pior é que não é só no TJRio não. " PQP,  "que país é esse" onde uma família põe de joelhos  todas as  "insttituições  sérias"*  da  nação?

    Nas favelas, no Senado
    Sujeira pra todo lado
    Ninguém respeita a Constituição

    Terceiro mundo, se for
    Piada no exterior
    Mas o Brasil vai ficar rico
    Vamos faturar um milhão
    Quando vendermos todas as almas (Legião Urbana)

    ( *e muitos gostam de ficar contando piada debochando dos portugueses, esquecendo que o Brasil é que se transformou numa piada)

     

    • Por falar em "Legião"

      Percebi que o país estava entregue às trevas justamente quando, brasiliense que sou e contemporâneo da Legião Urbana, um carro de som próximo ao Congresso, com a Janaína Pascoal acima gritando suas raivosidades, se fazia acompanhar por essa música citada por você, durante os dias que antecederam à votação do afastamento da Dilma. Ao meu lado, dois seguranças fardados escutavam e um deles exclamava: "é mesmo, rapaz, que país é esse?". Desse episódio tirei a lição de que não basta à arte e aos artistas produzirem belas obras. É preciso tomar posição clara e estar atuante quanto ao uso que se faz delas. Duvido que o Renato Russo ou os demais autores dessa música concordassem com a deposição da presidenta e os demais absurdos envolvidos em tal conspirata. Se existe algo de positivo em todo esse transe tupiniquim é o fato de o Brasil mostrar a sua cara, como outro músico da mesma época pediu em uma de suas canções. É mais fácil combater o atraso, assim como os preconceitos, quando estes estão nitidamente representados. Creio que não é à toa que, apesar de todo o massacre jurídico-midiático, o Partidos dos Trabalhadores, por exemplo, está vendo uma recente explosão no número de seus novos afiliados. As pessoas, principalmente  os jovens, querem tomar partido e, para mim, isso é muito bom. Durante nossa derradeira curta experiência democrática, que foi de 1989 até 2016, muitos, de certa forma, notadamente na classe média, alienada por definição, mas não apenas dela, terceirizaram a atuação política pelo fato de um partido progressista estar no poder. Muito se tem criticado a atuação desse partido no sentido de que ele, ao se tornar poder, afastou-se de suas bases. Isso pode ser verdade, mas as bases também tem lá sua parcela de responsabilidade nesse processo de alienação.

  • De grão em grão... os galos engordam.

    No artigo do jurista Henrique Abel que foi publicado no GGN no ultimo fim de semana, no qual ele analisa o ja historico julgamento do habeas corpus para Lula, diz ele:

    o manter a posição de 2016, o STF endossou o absurdo paradoxo vigente nos últimos dois anos: uma interpretação constitucional que agride frontalmente a literalidade de texto constitucional. Pior: texto constitucional que, como já frisei, tem natureza de direitos e garantias fundamentais! É uma decisão juridicamente inadequada, que ratifica o erro anterior, numa postura carregada de ativismo e discricionariedade.

    O problema é que, caso o STF tivesse decidido pela revisão da decisão de 2016, voltando a respeitar a Constituição no sentido claro e inequívoco do seu texto normativo, a corte teria passado ao país uma imagem de indecisa, casuísta, oportunista e assistemática.

    (...)

    Nunca é demais lembrar que foi o próprio STF que “se enfiou” neste lamentável buraco negro, por meio do fiasco da decisão de 2016. Agora, no ambiente politicamente deteriorado do Brasil contemporâneo, onde até o comandante do exército se sente no direito de enquadrar e intimidar publicamente o STF na véspera de um dos julgamentos mais divisivos da história da Nova República (4), não existia de fato nenhuma saída “boa” no sentido político e social.

  • Fim do foro

    Nassif,

     

    Está parecendo mais uma manobra da direita sem voto, para interferir em um governo que a derrotou nas urnas.

     

    Assim, qualquer Moro de onde o Judas-perdeu-as-botas pode mandar prender e paralisar um governo...

     

    O que foi uma desculpas dos tucanos para evitar prisões após suas robalheiras, agora a retirada total serve à política de assumir um governo mesmo derrotado nas eleições...

  • Não é foro privilegiado, mas foro por prerrogativa(da função).

    A própria confusão no nome do instituto já revela a carga simbólica que antecede a discussão, como um preconceito disseminado com o objetivo de criar repulsa popular.

    O correto nem é o que chamam de prerrogativa de foro, mas foro (específico) por prerrogativa da função, como reconhecer que determinadas funções não podem ser julgadas pelas comarcas inferiores, evitando-se assim a submissão da administração política aos humores das máquinas jurídicas e partidárias locais, mas principalmente aos humores da opinião publicada.

    Bem, parece que as redes superiores do aparato do judiciário já sucumbiram faz tempo ao apelo da "popularidade".

    O princípio que reveste determinadas funções públicas merece ser repetido:

    Não se trata de tratar os iguais de forma desigual, mas sim de tratar os desiguais na medida de sua desigualdade, porque tratar os desiguais de forma igual é tão injusto que tratar os iguais de forma desigual.

    Os habitantes da morolândia professam a fé da formalidade igualitária, ou seja, todos são iguais perante a lei, e sabemos que isso é um dos pilares do fascismo.

    A crença que foi construída para justificar o fim da prerrogativa de foro, e vendê-la como um avanço civilizatório, não tem nada a ver com o princípio, mas com o funcionamento do judiciário brasileiro.

    O caso mineiro (Eduardo Azeredo) ou do Alckmin é basilar, cases a serem estudados.

    Para determinados escalões, tanto faz se é no stf ou no piso do judiciário.

    E o fim do instituto do foro por prerrogativa da função é só mais um passo rumo a barbárie.

    Porque quem tem grana ou representa o poder (ou é útil a quem ou detém) continuará gozando daquilo que desejam: A impunidade, em qualquer instância.

  • Vara especial para crimes contra o interesse público.

    Prezado Nassif, 

     

       Não sou da área jurídica e, talvez por isso mesmo, tenha tido idéia para uma possível solução para a  impunidade de quem tem foro privilegiado, sem reduzir os direitos da defesa ampla: a criação de uma vara especifica para os crimes contra o interesse público.  Por essa vara transitariam desde os crimes ambientais até os casos de prevaricação, suborno, corrupção, etc. 

    Nessa vara não haveria mudança da condição do réu no caso de mudança de sua condição política. O processo seguiria o rito comum tendo o réu a garantia dos princípios da ampla defesa e presunção de inocência, e transitaria da primeira até a terceira instância, da mesma forma como os demais processos, independentemente se o réu estivesse ocupando cargo público ou não. 

    Estariam enquadrados como crimes contra o interesse público, desde aqueles cometidos por servidores públicos no exercício de sua função até os cometidos por cidadaõs comuns, mas que tivessem o poder público ,em qualquer se suas instâncias, como prejudicado, até crimes de prejuizo difuso cometido por qualque pessoa física ou jurídica. 

    Correndo pela mesma vara do início até o fima do processo, não haveria por que retornar o processo para a justiça comum, p ex., quando o reu perde a sua condição de servidor público, como costuma acontecer com políticos que não se reelegem. 

     

    Fica aí minha sugestão, para críticas e aprimoramentos. 

     

    abraço.

  • A questão do foro ...

    A questão do foro no STF também passa pelo fato que ninguém pensou que o STF teria de julgar 5768 ações de políticos , fisicamente impossível.

    Fora o fato de que o STF julga campeonato brasileiro de 1987 ...

    A questão é mais física que jurídica.

     

  • Eram os Deuses Astronautas?

    O título do assunto acima é de um livro que fez muito sucesso por aqui nos anos 70. Escrito por um escritor escandinavo chamado Erich Van Daniken, esse livro tentava provar que algumas figuras geométricas e algumas marcas misteriosas encontradas se não me engano no deserto do Peru ou do Chile eram nada mais do que pistas de Aliens que estiveram na terra há muitos anos atrás. Isso gerou muito debate. Um verdeiro plesbicito, entre aqules que achavam a hipótese verdadeira, e os que não. Eu fiquei em cima do muro, apesar de achar que aquilo era falso.

    Passados 40 anos, aquela hipótese que para mim era falsa ou tinha tudo para ser, começa a ganhar força de real, não pela aparição de mais sinais ou encontros imediatos do terceiro gráu, mais precisamente, pelos fatos assombrosos que só uma colônia alienígena do mal  poderia provocar num determindao lugar ou num determindado país. Me refiro claro, à situação de caos pela qual passa o  nosso Brasil. Humanos, não seriam capazes de fazer o que fizeram e fazem por aqui. Multidões andando sem rumo pelas avenidas destilando ódio contra o seus próprios irmãos. Assassinatos de pessoas de bem cujo crime é o de defender aqueles mais necessitados. Governo deletério entregando as riquezas do país sem a mínima razão. Prisões e encarceramento e justiciamnto de líderes populares. Candidatos políticos cujos programas de governo priorizam o massacre, as armas e a perseguição das minorias. Guerra de fake news nas mídias sociais com o claro objetivo de se criar a confusão e o caos. Monopólios midiáticos manipulando o país inteiro. Juizes em todas as instâncias agindo fora da lei. Num cenário desses, Erich Van Daniken mostrou no seu livro que estava correto, e eu assim como milhares de pessoas no mundo, errados. O grande erro dele, entretanto,  foi não ter sido capaz de compreender que aqueles alienígenas cujas marcas ficaram gravadas no deserto do Peru, de fato não sumiram ou foram embora, mas, muito pelo contrário, se estabeleceram fromando verdeiras colônias no nosso Brasil.

  • O risco....

    Caro sr., o copo transborda e não há mais como esconder a verdade. 40 anos perdidos. Se atira no rato e acerta o elefante. Atira no elefante e acerta o rato. Justiça de 1.a Instância  é apenas para 'enrolar' e manter o pobre no seu devido lugar. Não serve para nada. É a tal Justiça sem muita interferência política no preenchimento dos cargos. É a Justiça dos concursos. Só que até agora ninguém explicou quem ou o que potencializou de tal forma esta Vara de Curitiba e este tal Moro. Tirando esta, continua um 'monte de nada' espalhada por todo território brasileiro. Ou seja, um país sem Justiça com o braço judiciário fazendo o que o poder politico local manda. E a população obedece ou obedece ou obedece. A Justiça de 2.a Instância é a tal indicada pelo Governador. No caso de SP, toda filiada ao Tucanistão. MP e Judiciário. Até a mídia golpista atesta tal veracidade em matérias, esta semana. Realmente é a Justiça que subscreverá os interesses estaduais e municipais, daqueles cúmplices que interessam. Aqui citado o MP / RJ e sua ligação com RGT. De Zveiter, coincidentemente de STJD, mancomunado com CBF. Cujo produto é monopólio de RGT. Zveiter dos gastos escabrosos do MP / RJ. Zveiter que negou proteção policial à Juiza Patricia Aciolly. Somos mesmo a Pátria das Coincidências. Mas o principal nisto tudo, o sr. revelou que nunca tivemos Justiça. Que o Poder Judiciário é uma farsa. Que realmente somos a Terra da lombada e da muleta. Que Constituição Cidadã de nada serve. Que precisamos de um artificio medíocre para nos defendermos das 'Leis e do Estado' que nós mesmos criamos. Que OAB, tão propagandeada como guardiã civil das leis, é outra farsa. Que nada interfere neste feudo de interesses pessoais e politicos de minúscula elite. Ou seja, passamos por todas estas décadas, para que revelado fosse na matéria ao lado, quem realmente são FHC e Serra, entre outros? O problema não é este, nem é agora. É o que diziam em 1979, a maciça maioria da imprensa e outras elites tupiniquins, que os tais seriam a partir daquela data. É o que diziam sobre o "Lula com Diploma', a "Nata da Intelectualidade", os "Verdadeiros Estadistas", o Progressismo Socializante que chegava junto com a esquerda. Junto com eles e todos personagens progressistas, chegava a tal Constituição Cidadã, estas Leis e este Judiciário. Então é isto? Era tudo uma farsa? O Brasil é de muito fácil explicação.      

  • bom post.

    Se voce mora num pais em que tem medo da policia, do promotor e do juiz, é hora de virar a mesa ou fazer a mala e ir embora. 

    Do jeito que está é que não pode ficar.

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