Xadrez da aposta de Bolsonaro no caos social que já está a caminho, por Luis Nassif

Peça 1 – Bolsonaro não governa mais

Ontem publiquei o artigo “Xadrez do novo período em que Bolsonaro não mais governa”. Nele mostrava que Bolsonaro perdeu o controle sobre o governo.

  • A Saúde não mais obedece a ele, inclusive questiona suas atitudes.
  • As Forças Armadas, através de seus comandantes, vieram a público reforçar as ordens de confinamento para enfrentar a doença.
  • Não tem nenhuma ascendências sobre a economia.
  • Perdeu completamente e ascendência sobre o meio empresarial, com seu apoio ficando restrito a figuras desmoralizadas.
  • A tentativa de uma campanha a favor da flexibilização da quarentena foi derrubada pela Justiça.
  • Suas declarações a favor da flexibilização foram publicamente questionadas pelos presidentes da Câmara e do Senado e por Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
  • A frente dos governadores se impôs nos Estados, inclusive com a adesão até de recalcitrantes, como os governadores de Santa Catarina e de Minas Gerais.

Hoje em dia, há certeza de que nenhuma loucura a mais será tolerada pelas instituições. A ameaça de Bolsonaro, de uma Medida Provisória liberando os trabalhadores da quarentena, nem chegou a ser levada a sério.

Peça 2 – a estratégia derrotada

Bolsonaro se espelha totalmente em Donald Trump. Quando começou a peste, Trump fez duas apostas:

  1. Levantou a bandeira anti-quarentena recorrendo a dois argumentos: seria uma gripezinha qualquer, sem consequências maiores; e a economia não podia parar.
  2. Quando aumentou a incidência de afetados, levantou a tese de que haveria vacinas prontas para debelar a peste.

Bolsonaro repetiu a tática em tempo real.

Só que Trump perdeu as duas apostas. O coronavirus invadiu os Estados Unidos de forma avassaladora, como ocorreu na Itália e Espanha, dois outros países que minimizaram os riscos. E, mesmo depois de descobertas as vacinas corretas. É um maratonista enfrentando um sprinter, em uma corrida de 100 metros.

Quando percebeu o tamanho do tsunami, Trump recuou, deixando Bolsonaro com a broxa na mão. Já isolado dentro do próprio governo, e tendo feito apostas excessivamente altas, não soube como recuar.

Peça 3 – a derrota nas redes

Perdendo o controle sobre o governo, Bolsonaro manteve a bandeira da anti-quarentena recorrendo aos dois únicos instrumentos de que dispõe:

  1. A palavra do Presidente, inclusive o poder de convocar redes nacionais.
  2. A estrutura de mobilização montada pelos filhos e praticada pelo chamado Gabinete do Ódio.

Mas está perdendo a batalha. De um lado, pelo trabalho exemplar de algumas redes de TV – especialmente a Globo, através do Jornal Nacional e do Fantástico. O jornalismo apresentou não apenas estatísticas e informações sobre o caos em outros países, como os dramas individuais de pessoas afetadas. Os depoimentos de vítimas ou familiares de vítimas tiraram a discussão do campo das versões e levaram para dentro das casas dos telespectadores o mundo real.

Nas redes sociais, o bolsonarismo refluiu. No Pará, um tracking encomendado pelo governo do Estado – que agiu prontamente contra as carreatas – mostrou 60% de desaprovação às atitudes de Bolsonaro.

A direita desembarcou do bolsonarismo. Os empresários que se apresentaram contra a quarentena foram publicamente desmoralizados pelos fatos, e se recolheram.

Perdendo em todas as frentes, Bolsonaro aumentou a aposta.

Está sob suspeita forte de ter contraído o vírus de forma assintomática – isto é, sem apresentar os sintomas. Prova disso é a contaminação de quase 30 pessoas no seu entorno e o fato do hospital de Brasília, onde foram feitos os testes, ter liberado todos os resultados, menos dois. Mesmo assim, saiu a campo, visitou a periferia de Brasília, provocou aglomerações, provavelmente contaminou dezenas de pessoas que estiveram com ele.

Peça 4 – a estratégia final

Qual seria a estratégia final de Bolsonaro? Ele criou uma situação sem retorno: se for apeado do poder, será julgado e condenado criminalmente, com toda a família, pela morte de milhares de pessoas.

Não se trata mais de mera disputa política entre Bolsonaro e os governadores. Há uma intenção deliberada de espalhar o caos e atribui-lo à quarentena.

Ontem mesmo, Flávio Bolsonaro divulgou fake News, com cenas antigas de saques apresentadas como recentes, E atribuiu à quarentena. Ao mesmo tempo, o bolsonarismo convocou carreatas em diversos estados, de pessoas convenientemente protegidas dentro dos carros ou por máscaras seguras.

A estratégia de espalhar o caos está nítida em uma mistura de intenção e/ou incompetência.

As medidas antidesemprego de Paulo Guedes

Paulo Guedes sumiu das aparições em público, assustado com o coronavirus. As medidas que anunciou, visando minorar o desemprego, terão efeito mínimo na economia.

As PMEs (Pequenas e Microempresas) não tomarão financiamento para garantir dois meses de trabalhadores em casa, sem serem dispensados. É uma tolice criminosa supor que uma empresa, em dificuldades para manter sua folha, vai se endividar sem saber o que ocorrerá com a economia daqui a dois meses.

As liberações de recursos para os bancos

Do mesmo modo, o dinheiro do compulsório liberado para os bancos não reverterão em crédito para as empresas. O principal fator de travamento é o risco de crédito. A liberação não resolve em nada esse risco, principalmente porque persistem as incertezas sobre a retomada da economia.

Nem seria preciso recorrer às iniciativas dos países centrais, bancando o custo do desempregado e definindo estratégias de liberação de crédito – disponibilizando recursos para os bancos emprestarem, assumindo 85% do risco. Bastaria um mero exercício de lógica.

No caso brasileiro, simplesmente de jogaram os recursos nos bancos, sem nenhuma exigência de contrapartida e sem nenhuma redução de riscos.

Ninguém vai emprestar.

Os recursos para informais e vulneráveis

Até hoje não começou a ser operacionalizada a remessa da merreca de 600 reais para os desassistidos. O dinheiro mínimo, abaixo do salário mínimo, não está chegando nas favelas, nas periferias, para informais, favelados, população de rua. Some-se a extrema insensibilidade até de governos estaduais com a população carcerária.

É evidente que nos próximos dias começarão os saques.

PMs e seguranças

Considere-se que a base das Policiais Militares de todo o país é constituída de classe baixa, moradora de periferia. Eles são os aliados preferenciais de Bolsonaro e estão sendo bombardeados pela propaganda bolsonarista, de que a fome e os saques são decorrência do confinamento. Eles têm seu soldo garantido. Mas em breve estarão atingidos pelo coronavirus sem acesso aos hospitais. O que será disso?

É questão de dias para explodir o caos social.

Guedes tornou-se figura patética. Em pleno tiroteio sumiu por uns dias no Rio de Janeiro e só aparece em seminários virtuais para instituições do sistema financeiro.

Não se soube de nenhuma reunião dele com a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), de nenhuma conversa com técnicos do Banco Central, para discutir formas do crédito chegar na ponta, nenhuma reunião com técnicos do Bolsa Família e IPEA, para saber como chegar nos desassistidos.

É uma galinha morta.

Peça 5 – os recursos não utilizados

O Estado brasileiro possui todas as condições para uma guerra eficaz contra o coronavirus. Tem quadros de primeira nas áreas da saúde, planejamento, Banco Central, BNDES e demais bancos públicos. Tem know-how para essas transferências, através do Bolsa Família, do Cadastro Geral. O IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) desenvolveu estudos sobre como chegar nos demais vulneráveis. Na área de crédito, tem toda o sistema bancário familiarizado com as operações de repasses do BNDES.

Nada é feito.

Como demonstraram os casos italiano, espanhol e norte-americano, cada dia de atraso na implementação dos programas significa dezenas de milhares de infectados.

O Brasil está pronto para o grande pacto de sobrevivência. Há boa vontade da parte das empresas, sociedade civil, movimentos populares, governadores. Falta só governo.

Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) tem a obrigação de atuar rapidamente, tirar os Bolsonaro do poder e assumir um papel de coordenação do grande pacto nacional.

Peça 6 – os sociopatas

Repito o óbvio: não estamos tratando com pessoas normais. Não há nenhuma forma de paralelismo com todos os governos pós-Constituinte. Aos demais, se podia atribuir erros, omissões, defeitos e virtudes. Agora, o país está nas mãos de uma família de sociopatas. DSM-5 (Manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – 5ª edição), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria e que se tornou padrão para a identificação de transtornos mentais.

Retirei as informações do blog Vittude:

Os sociopatas são socialmente irresponsáveis, apresentam desrespeito pelos outros, falsidade e manipulação para obter ganhos e vantagens pessoais.

O DSM-5 diz que a característica principal dos indivíduos que apresentam transtorno de personalidade antissocial é a sua disposição em desconsiderar ou violar os direitos dos outros. Isso é, o sociopata busca dominar e manipular o outro para obter vantagens para si próprio, como bens materiais, dinheiro, parceria para negócios, sexo, reputação, e assim por diante. Mas os sociopatas podem também querer dominar o outro apenas pela sensação de poder e controle.

Os sociopatas não têm consciência de que estão fazendo algo negativo, seus impulsos os levam a praticar atos que a maioria das pessoas nunca fariam. 

Muitas vezes, os sociopatas podem apresentar comportamento agressivo e se irritam facilmente. Em geral, os antissociais não sentem empatia pelo outro e nem mesmo remorso das suas ações e conduta.

Quem apresenta transtorno de personalidade antissocial tende a ser muito autoconfiante, arrogante e teimoso. Por isso, podem ser charmosos, desenrolados verbalmente e espontâneos, exercendo fascínio e encanto nas suas vítimas. Apresentam também distinta capacidade de argumentação e articulação para conseguirem o que querem. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Os pequenos empresarios do ramo de construção, aqueles da bonança do MCMV, estão desesperados pra retormar ao trabalho. Já estavam estrangulados com a crescente dificuldade e cortes dos financiamentos da Caixa, e agora isso.

    O irônico é que a maioria votou em Bolsonaro...

    • "Liberação de recursos para os bancos ... Ninguém vai emprestar".
      Se existe aqui um setor super-canalha, este é o financeiro. Invariavelmente!
      Como na majoração do álcool gel, a necessidade de capital de giro pelos empresários de diversos portes "também gera oportunidades para "atentado criminoso contra a economia"...
      Assistindo TV, vejo a notícia de que após receberem recursos do governo, os bancos diminuíram os prazos e aumentaram os juros e as exigências.
      Alegam "riscos"...
      Provavelmente aquele de suas famíglias acionistas diminuírem seus lucros acima de 25 bilhões!
      Afinal quem neste país pode viver com menos de 25 bilhões no ano, né?
      (principalmente em tempos de covid19!)
      É "vomitante"

  • o jornlista Bruno Torturra com seu canal do Estúdio Fluxo tem feito boas entrevistas. Faz dois dias e o convidado foi o filósofo Marcos Nobre onde o analista político traça um diagnóstico da loucura no método, e o método na loucura de Bolsonaro frente à pandemia de Covid-19.
    Caos e ruptura democrática, os riscos em torno do impeachment ou da deposição do presidente. O papel do Congresso e os riscos à frente nas próximas semanas ou meses.
    Vale a pene ver e até se atentar com possibilidades que ele traça.

    https://www.youtube.com/watch?v=JUMPoCWxtRM

  • Nassif, a maneira mais rápida para fazer chegar o dinheiro aos desempregados e informais é via celular. Em vários países africanos o celular é usado para transferências de recursos financeiros. A base de dados das operadoras é gigantesca, me admira que até hoje elas não se transformaram em verdadeiros bancos.

    • Em Portugal também. Há um aplicativo chamado MBWay com o qual faz-se todo tipo de pagamento e transfer, apenas com o castramento de seu celular junto ao banco onde tem conta.

  • Atenha-se que do jeito que vai, já já vc dará um atestado de INIMPUTÁVEL à família do BOZO ..mas não é bem assim que deve ser, né ?..
    Doutra feita, analisando qq cria animal, sem esquecer que "filho de peixe peixinho é", ou mesmo atentando ao fato de que intervenções científicas monitoradas, como a LOBOTOMIA, provam que a anatomia afeta verdadeiramente a personalidade humana, fora das influências sócio-culturais, então podemos concluir com absoluta tranquilidade que há algo de HEREDITÁRIO que explica o comportamento dessa família de sociopatas.
    Se me permitissem opinar, eu defenderia que apartar permanentemente, por todo o sempre, os elementos que compõem esta familícia, seria a medida mais adequada e prudente pra que o BRASIL pudesse se ver minimamente protegido destes disfuncionais. (no popular - prisão terapêutica PERPETUA, tal como BOZO imaginou pro Adelio)

  • Nassif,

    Se você está certo, temos de pressionar o Maia. Coloca-lo como genocida ao lado do Bozonazzi. Acusa-lo formalmente, pedir sua destituição pelos mecanismos do Congresso como presidente etc.

  • A grande interrogação do país hoje é: como vamos nos livrar de bolsonaro?

    Trata-se de um cadáver político insepulto que perdeu a serventia para a sua base econômica e financeira, militares e setor do agronegócio.

    Um tipo sociopata como bolsonaro isolado como está é um grande perigo ao país, ele vai continuar provocando e incitando o caos porque já não tem mais nada a perder.

  • Alguém poderia me esclarecer se existe algum meio legal e imediato de depor esse estrupicio e seus bozokids do poder, sem que ele promulgasse o estado de sítio antes? Se há pq ainda não foi feito?

  • Que o clã bozó é um agrupamento de sociopatas já não resta dúvida faz tempo. Agora, sinceramente, acho que o bozó-mor partiu praquele comportamento revanchista de moleque birrento: 'se eu não ganhar, ninguém ganha'.

    E dá-lhe tocar o terror.

    Mas cabe uma pergunta: Não houve, em algum lugar do passado, duas instituições chamadas Congresso e STF? O que haverá de ter acontecido que nunca mais ouvimos falar?

  • Volto a repetir: O governo fará o que tiver que ser feito segundo a OMS e experiência de outros países,com a competência ou incompetência que lhe é peculiar.
    O sujeito que ocupa a presidência da república terá,como desde o início deste governo, a função de distrair,como está fazendo, e manter a manada unida.
    Depois,seja qual for o resultado,ele estufará o peito para propagandear sua vitória e culpar os outros pelos desgastes.
    Convenhamos,em matéria de diversionismo o sujeito tem beirado a perfeição ocupando quase 100% das discussões e anulando completamente qualquer discussão mais aprofundada sobre o tema.

  • Será no caos que encontraremos a saida. Urge esclarecer como Nassif fez ontem que a queda de Bolsonaro via impeachment será a queda de toda a chapa eleita fraudulentamente.

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