Xadrez da democracia e do neo-brasilianista Barroso

Não há um Estado policial e sim um Estado democrático de direito querendo mudar seu patamar ético e civilizatório (Luís Roberto Barroso)

Peça 1 – os trabalhadores e as empresas

O foco central dos empresários é em sua empresa. Analisam decisões políticas, monetárias, cambiais, a partir dos reflexos sobre sua empresa. Faz parte da lógica empresarial.

Não adianta tentar convencê-los de que a melhoria geral dos salários ampliará o mercado de consumo como um todo. Ou que cortes orçamentários aumentarão sua insegurança e de sua família, pois implicará em jogar os mais pobres nos braços da criminalidade. Eles irão avaliar apenas o peso da folha e dos encargos sobre seu faturamento. Não os culpe. Seu papel é esse mesmo, não o de pensar o conjunto da economia.

Já para os trabalhadores, individualmente, não há limites físicos para aumentos de salários. O empresário é visto como o sujeito que gasta o faturamento da empresa em bugigangas, despesas faustosas, viagens e sonegação.

Também não os culpe. Jamais estiveram cara a cara com um empresário para aprender a separar os produtivos dos irresponsáveis, entender os limites das empresas e a importância dos pactos de produtividade.

O ambiente em que os dois lados conhecem-se mais um ao outro é o das disputas sindicais. Décadas de experiência, desde as históricas câmaras setoriais da indústria automobilística, no governo Collor, fizeram os sindicatos laborais entenderem os limites das empresas, os sindicatos patronais assimilarem a importância do ambiente interno saudável para a melhoria da produtividade.

Mesmo, as negociações entre sindicatos e empresas levam em conta apenas a situação da empresa ou do setor.

A quem cabe pensar o todo, implementar o projeto de Nação é o Estado nacional.

Em regimes democráticos, as eleições periódicas, com o revezamento de poder, representam a repactuação em torno das tendências majoritárias do momento.

Mas não apenas isso. Cabe ao Judiciário garantir os direitos das minorias e aos próprios governantes criar espaços institucionais, dentro do Estado, para os pactos continuados, para a consolidação de consensos e administração de conflitos.

É o que garante a convivência dos opostos, a prevalência da maioria garantindo os direitos das minorias.

Cabe aos políticos eleitos, como representantes da cidadania, definir os rumos da política econômica, o planejamento dos gastos orçamentários, obedecendo ao regramento jurídico e constitucional.

Se o modelo político não funciona adequadamente, compete aos demais poderes e à opinião pública a pressão para que o modelo seja aprimorado, mas sempre tendo em vista a consolidação da democracia.

Peça 2 – o papel do Estado

Se se deixar o país exclusivamente por conta do mercado, haverá a tendência natural dos interesses dos mais fortes se sobreporem aos dos mais fracos. Cria-se um jogo de soma negativa, porque os ganhos pontuais dos mais fortes significarão, a médio prazo, a perda geral do todo, pela degradação da segurança, da saúde, da educação.

Como pode se pensar em um modelo de país sem políticas públicas para os desassistidos? Serão jogados ao mar? Restará a eles pegar em armas, ingressar em organizações criminosas, abrigar-se nas ruas e sob os viadutos? E à elite: trancar-se em condomínios fechados e circular em carros blindados?

Mais que isso, o desequilíbrio político decorrente da conspiração que derrubou uma presidente eleita, permitiu um nível inédito de radicalização nas políticas públicas, impossível em um ambiente democrático – em que as oposições e a opinião pública conseguem atuar como agentes mitigadores.

Em um primeiro momento, haverá mais recursos no orçamento para garantir o pagamento de juros aos rentistas. A médio prazo, haverá os seguintes desdobramentos:

1.     Comprometimento da educação, em um momento em que a 4a Revolução Industrial descarta trabalhadores de chão de fábrica, substituindo-os por outros com educação aprimorada.

2.     Comprometimento da segurança. Hoje em dia, os especialistas em segurança de São Paulo trabalham com duas hipóteses. A otimista é a de que o PCC continuará mantendo a paz na periferia. A pessimista é que, com o avanço da crise, o PCC perca o controle sobre os crimes individuais. Espírito Santo está aí para comprovar a tese.

3.     Comprometimento da inovação, pelo fato do Estado ser o maior e praticamente único financiador da inovação – nos EUA é o maior – e as encomendas públicas se constituírem em um enorme fator de estímulo.

4.     Comprometimento da infraestrutura, pela falta de financiamentos privados de longo prazo.

5.     Aumento ilimitado dos gastos com juros, como ocorreu no governo FHC quando o mercado tomou o governo e fez a dívida pública saltar de 18% para 65% do PIB, mesmo com todos os recursos da privatização.

Por outro lado, se se deixar exclusivamente nas mãos do Estado, haverá sua hipertrofia em detrimento das chamadas forças de mercado. Há inúmeros exemplos na história:

1.     Os super-investimentos durante os PNDs (Plano Nacional de Desenvolvimento  ) do período militar.

2.     A Lei de Reserva de Mercado para a informática, nos tempos da Secretaria Especial de Informática.

3.     Os exageros na concessão de subsídios no governo Dilma.

4.     O excesso de cargos comissionados nos diversos governos.

Por tudo isso, há a necessidade de locais de mediação. E a única forma efetiva de mediação é no Estado através de aumento da transparência – que avançou substancialmente no governo Dilma – e dos sistemas de participação e controle da sociedade civil.

De certo modo, ensaiou-se isso durante o governo Lula.

Foram criados conselhos empresariais na ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial). Havia a grande reunião da sociedade civil no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Havia vários conselhos populares nos ministérios sociais. E esses ministérios, apesar da pequena estrutura, interagiam com Ministérios maiores para garantir a disseminação desses direitos. Havia, finalmente, as conferências nacionais que lograram avanços importantíssimos, pactos na saúde e na educação juntando todos os atores – de ONGs empresariais e sindicatos de professores.

Esse modelo regrediu com o estilo autocrático de Dilma Rousseff e está sendo desmontado pelo golpe parlamentar que colocou Michel Temer no poder.

Peça 3 – o estrago do Estado de exceção

Quando, dos escombros da crise, emerge o Estado de exceção, toda essa construção se desmorona. Há o uso da força para impor medidas draconianas, o desrespeito continuado aos direitos individuais e sociais, como a tentativa de criminalização de movimentos sociais, de blogueiros. São anulados todos os amortecedores gerados pelos processos de negociação em ambiente democrático.

Por isso mesmo, um dos fatos mais anacrônicos nesses tempos de obscurantismo foi a ascensão do Ministro Luís Roberto Barroso ao palanque dos pensadores nacionais.

Não discuto o conhecimento jurídico específico de Barroso. Mas suas aulas de interpretação do país são o retrato perfumado desses tempos midiáticos, em que se resolve tudo com slogans que se impõem apenas pelo poder da repetição, um liberalismo de boutique tão raso quanto o radicalismo que brota dos rincões – neste caso, ao menos com o álibi da falta de acesso às informações.

Sua incapacidade de estabelecer correlações mínimas entre atos de exceção e seus desdobramentos, entre cortes fiscais draconianos e desenvolvimento social, entre a criminalização de um partido e seus efeitos sobre a democracia, tornam-no um doutor honoris causa do obscurantismo mais anacrônico.

Não sei se Barroso leu “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro ou se limitou a se emprenhar pelo ouvido e pelas orelhas – do livro. Seu discurso anti-Estado é dos tempos de um país semi-urbanizado, no qual o protagonismo político se limitava a coronéis regionais e alguns representantes de uma classe média urbana mais intelectualizada, presente apenas nos grandes centros.

Suas leituras passam ao largo do Estado de bem-estar social, dos avanços – e dos exageros – da social democracia, das grandes políticas de inclusão, do momento seguinte ao da urbanização de uma economia.

Talvez a nostalgia do Rio capital, tenha impedido o dr. Barroso de entender o novo país que surgiu economicamente a partir da industrialização de JK e do período militar, e politicamente a partir da Constituição de 1988.

Trata-se de um país socialmente complexo, com uma musculatura social inexistente no período em que Faoro produziu sua obra. Não se trata mais da selva tropical sendo guiada pelos iluministas de boutique do Rio de Janeiro. É um país que se desenvolveu em várias regiões, onde florescem diversos novos grupos sociais, no qual os interesses tornaram-se diversificados, mas tão diversificados que a única maneira de administrar os conflitos é através da democracia – que dr. Barroso jogou para segundo plano, quando o Estado de exceção passou a interessar aos seus.

Na entrevista ao GGN, ao ameaçar receber a Lava Jato a bala, se invadissem sua casa sem motivo, Ciro Gomes apenas expressou o estado de espírito que acomete qualquer cidadão quando submetido a medidas arbitrárias, sem nenhuma espécie de mediação.

Barroso sabe muito bem que a Lava Jato tem um viés ideológico-partidário, de excluir as esquerdas do jogo politico. Os próprios procuradores já explicitaram a estratégia de concentrar todos os ataques apenas em um lado, o que significa desequilibrar totalmente o jogo político.

Que esses gênios da estratégia tentem imaginar o país daqui a alguns anos. Por quanto tempo será possível enfiar goela abaixo da população a perda de direitos? Quais serão os resultados nas eleições de 2018?

Como declarou certa vez o Ministro Barroso, “nosso maior problema é a mediocridade, é a escassez de pessoas pensando o Brasil lá na frente”.

Peça 4 – o governo tecnocrático

Um dos grandes engodos de gestão é a ideia de que uma gestão técnica, sem interferências políticas, será a mais virtuosa.

Se jogar o destino do país nas mãos das corporações públicas, cada qual jogará a brasa para sua sardinha. O Ministério Público Federal (MPF) será capaz de destruir a economia, sob a alegação de que das cinzas ressurgirá um país melhor, como está fazendo, aliás. O mesmo acontecerá com a Polícia Federal (PF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) e outras corporações que representam o país improdutivo, que deveriam ser apenas meio, mas, com o poder conferido por esses tempos de exceção, se transformam em fim.

É só conferir o embate de egos entre TCU, AGU (Advocacia Geral da União), CGU (Controladoria Geral da União) e MPF em torno dos acordos de leniência. E a absoluta insensibilidade em relação à situação da economia e ao quadro de desemprego. Ou os imensos cipoais burocráticos do licenciamento ambiental, do registro de empresas.

As disfunções criadas pela Lava Jato comprovaram a temeridade de se deixar o Estado à mercê das corporações públicas.

Peça 5 – o tempo político

Por todos esses exageros, pela absoluta incapacidade do bloco de poder criar um projeto de paísminimamente viável, pela reiteração das arbitrariedades da Lava Jato, pinta o seguinte quadro:

1.     Perdem força as tentativas de impugnação da candidatura de Lula pela via jurídica.

2.     O aparecimento de outsiders, como Bolsonaro e João Dória, assustam algumas pessoas mais responsáveis do PSDB. O empresariado mais liberal – em geral, representando grandes grupos de São Paulo – está órfão, depois de se decepcionarem com Marina Silva, mas tão perdido e desinformado sobre o mundo político, que de uma das melhores cabeças ouvi elogios ao senador Ronaldo Caiado.

3.     A cada dia que passa, a fragilidade de propostas do atual grupo de poder fortalece a imagem de Lula. Em uma campanha, podendo fazer o contraponto à pesada propaganda negativa da mídia, será muito fácil trazer à tona a lembrança dos tempos dourados – 2008 a 2010.

4.     Por outro lado, o anti-lulismo ainda é muito forte.

5.     Em suma, haverá mais deterioração política e social, antes que desperte em algumas mentes mais responsáveis a necessidade de se conversar para preservar a democracia.

6.     Se houvesse um mínimo de esperteza desse grupo, se aproveitaria o julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para tirar Temer e colocar alguma figura pública capaz de proceder a alguma forma de mediação, preparando o país para 2018.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Ao final do artigo, pediria

    Ao final do artigo, pediria ao Nassif que desse o  nome de UMA figura pública capaz de fazer essa mediação até 2018. Sinceramente, não consigo pensar em ninguém. 

  • Nassif, tem problemas no texto

    Acho que um pedaço de frase ficou fora do lugar

     

    "(...) diversos novos grupos sociais, ia de choque fiscal.são arbit´revou a uma decis.m nenhuma sensibilidade para com a economia,  Ciro Gomes apenas expressou o estno qual os interesses (...)"

  • Vai esperar um apasiguador no

    Vai esperar um apasiguador no meio de um monte de salafrários?

    Nem espertos sequer são ...

  • figura pública

    tirar Temer e colocar alguma figura pública capaz de proceder a alguma forma de mediação, preparando o país para 2018.

    A única pessoa com capacidade de mediação e principalmente moral para esta tarefa, que existe hoje no Brasil, é o próprio Lula.

     

  • O Xadrez do Golpe

    Me parece que os espertos (com mentes não tão responsaveis), já irão se aproveitar do julgamento do TSE, para tirar Temer e colocar Gilmar Mendes no lugar.

  • "...desperte em algumas

    "...desperte em algumas mentes mais responsáveis a necessidade de se conversar para preservar a democracia."

    Caro Nassif, essas mentes não existem, pois se existissem, já teriam se manifestado.

  • "Que esses gênios da

    "Que esses gênios da estratégia tentem imaginar o país daqui a alguns anos. Por quanto tempo será possível enfiar goela abaixo da população a perda de direitos? Quais serão os resultados nas eleições de 2018?"

    Dá última vez, engabelaram o povo por 38 anos !!!!

    Brasileiro é tão bonzinho... come merda e ri.

     

  • Min. Barroso

    Dada a falta de limites do Min. Gilmar Mendes, o Min. Barroso observou uma janela de oportunidade de se firmar como o líder ético e intelectual da maioria silenciosa do STF. Como observou o Nassif, não se discute o conhecimento jurídico dele, como todos são da área jurídica e  nenhum outro Ministro possuiu  a capacidade de ter uma visão nacional estruturante, ele se firmou como esse lider que leva junto a Carmem Lúcia, Fachin, Rosa Weber, (antes) o Teori e alguns casos o Lewandowski e o FUX , dado como mencionado a falta de brilho e o medo da mídia por essa turma, todos estão jogando o jogo que a Globo direciona, já que Barroso tem ligação com essa organização, eles transparece como um dos guardiões da ética e o líder iluminista da nação, mas na verdade é outro que abandona os ideias humanistas que sempre defendeu para catapultar a influência que goza na área jurídica para a área política, no fundo é outro espertalhão. Ninguém terá coragem de colocar a cara para bater como o Lewandowski no Mensalão para ser massacrado sem apoio de ninguém, todos se escorarão nos ombros da Globo para não ser importunados pela turba incontrolável jungida força das redes sociais. Com isso vemos o Estado ruir e não vemos esperança pela frente,

    • A única parte que discordo do

      A única parte que discordo do Nassif é que o Min, Barroso não tem a capacidade de entender o Estado como um propulsor da nação, diferente de outros ministros ele possui sim uma cultura elevada, o que eu acho que aconteceu foi uma capitulação ao golpe, medo de ser exposto como foi o Joaquim Barbosa sobre o imóvel em Miami, e por interesse ver a mídia lançá-lo como um esteio ético da nação. Agora eu só sou um leitor de suas obras, talvez o Nassif o conheça pessoalmente e tenha mais base para fazer esse diagnóstico.

      • Veja que maravilha
        Veja que maravilha companheiro Júlio.Aplicaram-no 4 estrelas quando você merecia 5 e 5 quando você merecia 4.O único pecado mortal que você cometeu foi discordar de Luís.

  • Partidarização e lambança no Tribunal de Contas da União

    A partidarização das instituições brasileiras como judiciário, ministério público, polícia federal, receita federal, tribunais de contas entre outras, tem produzido verdadeiras aberrações no funcionamento da sociedade. A maioria dos membros de importantes instituições brasileiras prefere o aplauso fácil de uma decisão politiqueira a uma reputação construída por decisões consistentes e ponderadas, que garantam a respeitabilidade entre os “grandes” nomes de cada área. É a ideologia do sucesso fácil que predomina em detrimento ao trabalho árduo e respeitável.

                    Neste artigo, o foco será a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e as consequências de suas decisões sobre a gestão pública e sobre a política fiscal. O papel do TCU no golpe é bem conhecido e a imagem de seu procurador entre manifestantes com camisas da CBF são eloquentes demais para serem ignorados pela história. Mas o que será tratado aqui é a nefasta jurisprudência que está sendo construída da herança da participação “técnica” e política do TCU no golpe.

                    Historicamente, os tribunais de contas são comandados por políticos cansados ou em dificuldades com as urnas. Não são raras as histórias de conselheiros que recebiam propina para fazer vistas grossas a casos de corrupção. Mas um competente e muitíssimo bem pago corpo técnico e jurídico garantiam alguma coerência aos tribunais de contas. Garantiam...

                    Para se derrubar Dilma, foi necessário a subordinação automática de toda política fiscal aos relatórios fiscais bimestrais e `a meta de superávit primário da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Foi uma etapa necessária para se considerar os decretos de crédito suplementar ilegais.

                    De fato, toda a construção da argumentação do impeachment é problemática, pois esses decretos alteram as dotações orçamentárias, que é meramente uma autorização legal para a realização de um gasto. A meta de superávit primário é caixa, o que entra e sai da Conta Única do Tesouro Nacional. Como qualquer cidadão sabe, entre o momento que um político coloca uma obra no orçamento até o momento que ela vira realidade pode demorar anos e, consequentemente, o pagamento mais alguns meses. Por isso, o instrumento legal para a obtenção do superávit primário é o decreto de programação financeira, que controla as autorizações de pagamentos e empenhos quase dentro das repartições e dos canteiros de obras públicas.

                    De qualquer forma, a construção desse edifício legal defeituoso precisou de alguma fundação, mesmo que realizadas sobre a areia. Mesmo que essa obra malfeita deixe vítimas sob os escombros.

     

    A lambança do TCU na gestão pública

     

                    A volatilidade da receita pública torna problemática a tomada de decisão com base em relatórios fiscais de apenas um bimestre. O capitalismo oligopolizado brasileiro torna a arrecadação dependente de estratégias tributárias de grandes grupos como Petrobrás e Vale. Ademais, o gestor público tem em suas mãos instrumentos para superar a frustração de receitas como a realização de refinanciamento de débitos tributários e antecipação de concessões públicas. Ora, se a receita é volátil e a gestão pública tem condições de fazer frente a frustrações de receita, qual o sentido de subordinar automaticamente toda a despesa pública a esses relatórios?

                    A subordinação na política fiscal a resultados bimestrais implica na execução da despesa pública aos soluços. O avanço e desmobilização de obras implica em custos. Mobilizar e desmobilizar um canteiro de obras resulta em despesas trabalhistas, obras civis entre outras. Assim, o TCU está tornando as obras públicas brasileiras ainda mais caras e demoradas.

                    Além disso, a falta de um horizonte adequado para execução de políticas públicas acaba dificultando sua realização e criando dificuldades em sua gestão.

     

    A lambança do TCU na política fiscal

     

                    A utilização dos gastos públicos para gerir o nível de emprego na economia é conhecida desde os anos 30, quando Keynes publicou sua famosa Teoria Geral.

                    No entanto, os trabalhos de Sargent e Wallace no início dos anos 80 e de Alesina e Perotti nos anos 90 colocaram a política fiscal e a despesa pública num papel secundário na macroeconomia. Ao invés de atuar ativamente para garantir níveis adequados de emprego, renda e inflação, agora a política fiscal deveria propiciar níveis baixos de endividamento para que a política monetária pudesse gerenciar os níveis de preços da economia.

                    Mas desde a crise financeira internacional há toda uma revisão desse arcabouço por economistas do porte de Larry Summers, Olivier Blanchard, Alan Auerbach, Michael Woodford e Paul Romer. O papel da política fiscal na criação de empregos, especialmente nas crises, é amplamente aceito nos novos trabalhos dos grandes economistas do mundo.

                    Se o gasto público está intimamente ligado a uma esfera essencial da vida do cidadão como a empregabilidade, nada mais natural que o Poder Executivo discuta antes com o Legislativo a necessidade de cortes de despesas que podem implicar na destruição de milhões de empregos.  Essa é, aliás, a incompreensão de grande parte do tucano que acusam Dilma de não ter implementado as desastradas políticas de 2015 durante o ano eleitoral, como se a destruição de empregos pela política fiscal fosse algo inexorável.

                    É esperado que os auditores do TCU desconheçam os corajosos e revolucionários trabalhos sobre política fiscal de Randall Wray, Scott Fullwiler, Mathew Forstater e Stephanie Keaton. Mas é inaceitável que economistas profissionais desconheçam aquilo que é publicado na American Economic Review e no National Bureau of Economic Reserach (NBER), organismo composto por 26 prêmios nobels e 13 ex-presidentes do Conselho Econômico dos EUA.

                    A ignorância sobre as mudanças no debate sobre política fiscal é mais grave ainda quando lembramos que no TCU o vencimento básico de um auditor chega a R$ 28,5 mil. Acumulando chefias e verbas indenizatórias, é comum auditores receberem nababesco salários próximos a R$ 40 mil. Os auditores também não podem reclamar de falta de tempo, pois uma jornada semanal de 35 horas, além do recesso que se soma às férias, permitem tempo de sobra para uma atualização em questões essenciais da profissão.

                    O preço da partidarização do TCU é enorme. Estamos numa crise econômica gravíssima em que mesmo antes da PEC 55, a jurisprudência já alijava o Estado de instrumentos essenciais para a superação da crise.

                    A crise econômica é gravíssima. Mas a crise institucional brasileira é ainda mais grave, pois sem instituições sólidas e republicanas temos poucos instrumentos para lidar com o colapso econômico.

     

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