Xadrez da indústria da leniência e do compliance

Cena 1 – o procurador que mudou de lado

Marcelo Miller era procurador de ponta no Ministério Público Federal. Bem formado, com visão liberal da economia, conhecimento do mundo dos negócios e das offshores, conduziu a Operação Norbert que, atrás de um casal de doleiros no Rio de Janeiro, acabou identificando contas da família Neves em Liechtenstein.

Indicado Procurador Geral, um dos primeiros atos de Rodrigo Janot foi trazer Miller para sua assessoria pessoal, envolvendo-o também nas investigações da Lava Jato.

Causou surpresa a notícia de que, no início de março, largou o MPF por um contrato de advogado na Trench Rossi Watanabe, um dos maiores escritórios de advocacia do país, representante do influente escritório nova-iorquino Baker McKenzie.

O escritório defende a SAAB-Scania, alvo de uma operação do MPF conduzida pelo próprio Miller, visando apurar as circunstâncias da licitação FX da FAB. Apesar de ter sido conduzida de forma transparente, a licitação caiu nas garras do MPF e transformou uma denúncia vazia em um contrato de bom valor para a Trech Rossi Watanabe.

Vamos entender um pouco melhor esse jogo e como a indústria da leniência se transformou no negócio do momento para os escritórios de advocacia.

Cena 2 – a indústria dos acordos de leniência

As práticas jurídicas, acordos de leniência, acordos de delação, estimularam uma disputa feroz entre escritórios de advocacia e empresas de auditoria em todo mundo.

É uma indústria em franca expansão, na qual as estratégias consistem em se aproximar de órgãos públicos, cooptar procuradores, advogados com influência nos órgãos de controle, empresas de auditoria, atuando muitas vezes nas três pontas: nas empresas acusadas de corrupção, nas empresas vítimas da corrupção e nos governos nacionais.

É um mundo pouco conhecido, mas que mereceria um holofote em cima, para ser melhor entendido. E o caminho é analisar alguns episódios recentes envolvendo o mais influente dos escritórios do gênero, o Baker McKenzie.

Cena 3 – o acordo de leniência da Embraer

Confira-se o que ocorreu com a Embraer.

Em outubro de 2016, a Embraer assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Federal. Era a finalização de um caso envolvendo corrupção em diversos países.

Nos Estados Unidos, a Embraer pagou mais de US$ 200 milhões de multa. No Brasil, a multa foi bem menor. Os termos do acordo geraram desconforto no MPF.

O procurador do caso era Marcelo Miller. O escritório que representava a Embraer, a Trench Rossi Watanabe; o escritório para os EUA, o Baker McKenzie.

Aqui (https://goo.gl/z8TFVb) as referências a Miller, no Brasil, e à Baker McKenzie nos Estados Unidos.

Cena 4 – o acordo de delação da JBS

A JBS decide fazer um acordo de delação com a Procuradoria Geral da República (PGR). Seu escritório é o mesmo Trench Rossi e Watanabe.

Desde fins de 2016, a JBS vinha se preparando para uma delação-bomba, que lhe permitisse arrancar um grande acordo de delação com a Procuradoria Geral da República brasileira, ao mesmo tempo em que negociava um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Um dia antes das gravações de Joesley Batista, da JBS, no presidente Michel Temer, o procurador pede afastamento do Ministério Público Federal e vai trabalhar na Trench Rossi e Watanabe.

Aqui, a forma de saída de Miller e a maneira como convenceu Janot a aceitar a delação (https://goo.gl/ubAHLX).

Miller foi contratado com salário de R$ 30 mil mensais mais bônus anual garantido de U$ 450 mil. Pouco aparece no escritório Trench Rossi Watanabe. O escritório saiu do acordo de leniência, mas continua trabalhando para a JBS em casos bastante lucrativos. O referral fee (o pagamento recebido pela indicação do cliente) do contrato é de Miller.

Nos EUA, a JBS conseguiu um acordo de leniência com o Departamento de Justiça sendo representada pela… Baker McKenzie, é claro (https://goo.gl/BiHVh4).

O procurador geral da Divisão do Ministério Público Norte Americano responsável pelo caso JBS é Trevor McFadden (https://goo.gl/jDWDBK). Onde Trevor trabalhava antes de assumir essa função? Até janeiro de 2017, na Baker McKenzie (https://goo.gl/kII9lv).

Cena 5 – as investigações na Petrobras

Odebrecht e Braskem são grandes clientes da Trench Rossi Watanabe e da Baker McKenzie. Essas informações foram omitidas da Petrobras, quando contratado para conduzir as investigações internas na empresa.

É um custo bastante alto, também omitido do site da empresa, provavelmente bem maior do que os valores recuperados pela Lava Jato.

A mesma Baker McKenzie foi contratada pela Braskem para celebrar a leniência nos Estados Unidos (https://goo.gl/vwEf7t).

Já em 2014, a Trench Rossi Watanabe foi contratada para investigações internas na Petros, o fundo de pensão da Petrobras. Nada encontrou sobre a JBS. Quem a assessorou foi a empresa de auditoria EY, autora de relatório controverso sobre a Eldorado Celulose, no qual não identificou nenhuma irregularidade (https://goo.gl/xiGvSv). Posteriormente, na delação o próprio Joesley admitiu as irregularidades (https://goo.gl/9H7afW).

Um de seus advogados era Dalton Miranda, ex-conselheiro do CARF (https://goo.gl/eUwKZI), denunciado em fevereiro de 2017 na Operação Zelotes (https://goo.gl/bifJKb). A sócia administrativa da Trench Rossi Watanabe é Simone Musa, que também contratou Marcos Neder, advogado bastante influente e controvertido que, a exemplo de Miller, passou a advogar para empresas investigadas por ele (https://goo.gl/FIId7).

Conclusão

Puxa-se uma pena, vem a galinha toda, já dizia o preclaro Ministro Gilmar Mendes.

Os dados acima são as penas e algumas partes da galinha. Indo mais a fundo, é capaz de aparecer o galinheiro completo.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • PQP !!! Às favas a Moral ! ,

    PQP !!! Às favas a Moral ! , como poderia dizer algum Ministro. Mas deixando a Moral nas favas, temos que reconhecer, Procurador competente pede demissão; os outros elaboram powerpoint e perseguem barcos de lata com pedalinhos.

  • Xadrez nota 1000!

    Grande Nassif,

    Com mais eficiência que médicos legistas, esse monstro sagrado do jornalismo investigativo e denúncia, Luís Nassif, tem se especializado em exumação de cadáveres institucionais e realização de autópsias dos mesmos.

    Espero que Nassif faça esse trabalho bem paramentado e protegido, pois os vermes e parasitas, além das patologias outras reveladas pelas pútridas e fétidas entranhas, podem ser prejudiciais à saúde.

  • Legal

    Estão roubando através do MP e do americanos no departamento de justiça deles. Bando de gente safada que merece o paredão.

  • Se um dia (quer dizer, nunca)

    Se um dia (quer dizer, nunca) entrarem nas nomeações dos ministros dos tribunais de justiça e dos tribumais superiores, ihhh!

    Se quiserem entenderão as palavras do ex-ministro da casa civil, Eduardo Jorge (o que nomeou o Lalau), quando ele se referia à "filosofia política" do nomeado.

  • Mais uma vez, um tiro

    Mais uma vez, um tiro certeiro do Nassif. Posso acrescentar à metáfora da galinha, o seguinte: para se chegar às penas, deve-se seguir o rastro do dinheiro deixado pelo mercado. A ideologia neoliberal associada ao financismo global está destituindo o homem de toda e qualquer virtude. Um Estado paralelo cresce e se agiganta à sombra do Estado norte-americano. No Brasil, o Estado está sendo sequestrado pelas corporações econômicas, financeiras, jurídicas e midiáticas. Logo não saberemos distinguir o público do privado, tal o poder incontrolável do deus-mercado. 

    • Logo logo,

      Em um futuro não muito distante, a maior parte da arrecadação será do financismo, e dai a "coxinhada" sonegadora vai sentir o peso da justiça "privada" no seu encalço.  Vão sentir muita saudade do estado brasileiro.

  • E assim o puros e impolutos

    E assim o puros e impolutos do MPF se revelam mercadores, mas mercadores de um tipo muito especial, mercadores que criam a demanda para depois venderem seus serviços, alguma diferença dos politicos, classe que os procuradores trabalham dioturnamente para desmoralizar, que criam dificuldades para vender facilidades?

  • A mídia decretou e a
    A mídia decretou e a sociedade embarcou:
    Todo poder aos procuradores!
    - Brasileiro é bonzinho.

  • Predadores?

    E a ética, heim? 

    Foi para a lata do lixo e, já faz tempo.....

    Estão no topo da cadeia alimentar.

    Gostaria de saber o que farão quando minguar a carne fresca e chegar a época das vacas magras.

    Vão ter que atacar uns aos outros e disputar a carniça...

    É o homem pelo homem.

    Está tudo de ponta cabeça.

    E, como fede!

    O apocalipse já chegou!

  • galinha gorda

    Andre Araujo já tinha abordado esse galinheiro aqui no GGN no excelente jornalggn.com.br/.../a-campanha-anticorrupcao-e-a-industria-do-compliance- por-andre-araujo la em dezembro/15. O imperio urdiu extremamente bem o comer pelas beiradas, sem dar tanto na pinta, cooptando o nosso $$$$valoroso$$$$  MPF/Judiciario. Esse país virou mesmo um funk: "Tá dominado, tá tudo dominado" e os imbecis a bater panelas com o peito cheio de orgulho de participar da luta por um pais "compliant" (tão somente com os interesses alheios). 

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