Xadrez da Lava Jato contra Darth Vader

A estratégia do governo interino está cada vez mais clara. É uma estratégia de assalto aos cofres públicos, com dois movimentos devidamente agendados no tempo: no primeiro, este ano, saca-se contra o presente na esperança de, no segundo movimento, pagar a conta na forma de redução dos gastos com educação e saúde.

Peça 1 – Saque contra o presente

É um conjunto de medidas que pressionarão ainda mais a dívida pública.

Assalto ao orçamento

No caso do mundo político, a ampliação do déficit público para garantir as emendas individuais dos parlamentares – aquelas em que eles apresentam o projeto a ser bancado e o dinheiro já vem carimbado – em detrimento dos projetos em que os beneficiários são difusos. Ressalva apenas para o Bolsa Família, por conta dos seus impactos nas eleições municipais especialmente do Nordeste.

Segundo reportagem de Gustavo Patu e Daniele lima, da Folha (http://goo.gl/r0mgcc),  apenas em junho foram destinados R$ 669 milhões para emendas parlamentares individuais, contra R$ 57 milhões de junho do ano passado.  A estratégia do governo interino é liberar de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões para cada parlamentar pavimentar as próximas eleições municipais.

Assalto à dívida pública

Para o mercado, a desaceleração da queda da taxa Selic e a volta do binômio juros altos-câmbio baixo. Ainda conseguirão legitimar as propostas de auditoria da dívida interna.

Assalto na privatização

Nos negócios privados, uma privatização a toque de caixa, queima a seco, sem nenhuma estratégia de valorização prévia dos ativos ou de visão estratégica setorial. Esse modelo está sendo acelerado com o projeto de lei Tasso Jereissati – praticamente impedindo a recuperação de empresas em dificuldades – e a tentativa da equipe econômica de retirar os direitos trabalhistas da relação de credores preferenciais, em caso de venda de ativos.

Peça central desse jogo é o fim do sistema de partilha no pré-sal, a maior tacada do período.

O nível de atividade

A apreciação do câmbio abortará a recuperação da indústria via exportações. Em contrapartida, barateará as importações, ajudando a controlar a inflação. Isso, mais alguma distensão nos gastos públicos, trará algum alívio na frente econômica nos próximos meses. Repete-se pela enésima vez o populismo cambial das eras FHC, Lula e Dilma, com um novo voo de galinha da economia.

Peça 2 – saque contra o futuro

Em troca dessas liberalidades, a encomenda a ser entregue é o tal limite para gastos orçamentários que, na prática, significará congelar o orçamento nos mais baixos níveis de gastos das últimas décadas, impedindo até a recuperação futura, com a volta do crescimento do PIB. E também medidas irreversíveis em relação ao pré-sal, à Petrobras e às empresas públicas.

Para que os investidores acreditem na promessa, ela terá que ser viável no longo prazo, resistir a eleições e a pressões da população sobre seus parlamentares, resistir à falta de legitimidade e às denúncias contra o governo interino.

E garantir isso, quem há de?

Há dois imensos desafios pela frente: as investigações da Lava Jato e as eleições de 2018.

Peça 3 – as vulnerabilidades da turma de Temer.

A mídia anda sempre em um fio da navalha, entre a instrumentalização da notícia e a credibilidade perante seus leitores. Nas últimas décadas a mídia atravessou inúmeras vezes a linha vermelha. Mas nada embute risco maior do que fechar os olhos às manobras dos atuais inquilinos do poder. Ainda mais devido ao fato de terem sido alçados ao comando do país por uma cruzada supostamente moralizadora.

Numa ponta, há o apoio ao governo interino. Na outra, o olhar vigilante de seus leitores. Entre ambos, as verbas da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República). Quanto custa colocar a credibilidade em risco? Uma coisa era manipular a credibilidade para algo simpático aos olhos dos leitores: a demonização do PT. Outra, distinta, é arriscar a ser vista como cúmplice do grupo de Temer.

Por enquanto, a estratégia tem sido de soltar um ou outro petardo, mas sem insistir na cobrança. Depois, conceder um período de graça aos suspeitos.

É o caso de Eliseu Padilha. Desde que se tornou o dono do cofre mais cobiçado – as verbas publicitárias de todas as estatais – passou a ser poupado pela mídia. Mas é tão notoriamente suspeito que chegará o momento que a mídia não poderá mais deixar passar em branco as denúncias. Principalmente porque, na outra ponta, há a parceria com a Lava Jato, que não parece disposta a refluir contra o PMDB, mesmo após a queda da Dilma.

Peça 4: o fator Lava Jato

O embate entre o establishment e a Lava Jato foi bem descrito pelo cientista político Marcos Nobre em artigo no Valor (http://goo.gl/wj4hjD).

1.      O primeiro ataque foi do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, com a divulgação dos grampos de Sérgio Machado comprometendo toda a cúpula do PMDB.

2.      Com a negativa do STF de autorizar as prisões – e a constatação de que Janot tinha pouco a apresentar além das conversas grampeadas – houve o contra-ataque e a tentativa de pedir seu impedimento, além do projeto de lei visando penalizar quem der início à persecução penal sem justa causa e a retirada da urgência das dez medidas do Ministério Público contra a corrupção.

3.      A reação foi a operação de São Paulo ordenando a prisão de várias pessoas, dentre as quais o ex-Ministro Paulo Bernardo.

4.      O establishment reagiu com a decisão do Ministro Dias Toffoli de ordenar a libertação de Bernardo, acusando a Polícia Federal de ter invadido a casa de uma senadora, com foro privilegiado. Limitar a possibilidade de se decretar a prisão de pessoas sem privilégio de foro significa inibir ainda mais a possibilidade de prender pessoas com privilégio de foro.

5.      Novo contra-ataque na última operação, com a prisão de pessoas que haviam sido detidas na operação anterior e artigos na imprensa de procuradores da Lava Jato desancando Toffoli.

Peça 5 – o fator Darth Vader

A participação de Toffoli revela que a reação contra a Lava Jato tem sido liderada, fundamentalmente, pelo Ministro Gilmar Mendes. Toffoli jamais ousaria uma medida com tal repercussão política, se não tivesse o endosso total de seu guru.

O jantar de terça feira passada, entre Gilmar, Temer, o Ministro João Otávio de Noronha (do STJ, Dias Toffoli, José Serra e Aécio Neves, provavelmente teve mais ingredientes do que acepipes e vinhos finos.

Dentre todos os personagens do mundo político e jurídico tucanos, apenas Gilmar tem peito e fôlego para as grandes jogadas táticas.

Não se surpreenda se, proximamente, a Lava Jato ingressar na sua guerra final contra o Darth Vader – como Gilmar é tratado em alguns círculos do Ministério Público.

Peça 6 – o fator Temer

A cada dia que passa, mais o interino Michel Temer é picado pela mosca azul. O curto período de interinato mostrou uma personalidade volátil , que caminha conduzida pelos ventos do momento.

A exaustão com a crise o fortalece no meio empresarial e midiático. É a velha máxima do ruim com ele, pior sem ele. A consolidação de Temer passa, inevitavelmente, por jogar ao mar sua velha turma e se aproximar cada vez mais do figurino PSDB. É nesse contexto que o jantar de terça fica repleto de significados.

Esse aggiornamento de Temer não se dará sem sangue e ranger de dentes. Eduardo Cunha continua sendo uma bomba ambulante. E alguns movimentos recentes de Romero Jucá – tentando defender Janot das arremetidas de Renan – indicam que já estão sentindo o óleo sendo esquentado na frigideira.

E aí se chega à incógnita de 2018, com os limites de gastos surtindo efeito nos serviços da saúde, educação, segurança; e com a recuperação econômica mais uma vez sendo vôo de galinha, abortado pela apreciação cambial e pela manutenção da política monetária de Ilan Golfjan. Será provavelmente vitoriosa a candidatura que basear sua plataforma no desmonte dos malfeitos do período.

Quem paga a aposta?

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • reitero sugestão pro Blog (que já tinha feito pelo Contato GGN)

    uma campanha (fixa) de contribuições financeiras mais ou menos parecida com, p. ex., a de Socialista Morena, a de Outras Palavras/Outras Mídias, etc. etc Também porque, para visitantes, muito tempo passa até a Moderação liberar ou não uma postagem, certamente por necessidade de mais pessoal estagiário, equipe, etc. Ponho aqui somente porque me parece que pelo Contato não se tem nenhuma sinalização (Fico mais na seçao diária Multimidia do Dia - que o pessoal participante bem que poderia frequentar e prestigiar mais). Lamento que meu pedido de recadastramento tenha sido recusado, mesmo eu estando me vigiando pra não fugir ou contrariar do que me parece ser a linha editorial (nalgumas) seções estritamente políticas (mea culpa por passadas gafes e impropriedades).

  • Falencia Total

    Estamos a poucos pasos da falencia total de insttuições publicas. O povo literalmente ja passa fome, endividaddos ao extremo, sem esperanças e sem pilastras istitucionais atantes para se apoiar neste momento tão extremo e dificil.

    Temos que deixar de reclamar em BLOG´s e Paginas da NET porque isso não irá resolver nossso problemas, por isso peço encarecidamente que LEIAs Minha petição, assinem e divulguem, o tempo é curto pata tanta cois que se deve fazer antes que caiamos no precipicio que se anucia. Estamos literalmente entrando em colapso total, nas instituições, na politica e principalmente pelo povo que ja passa fome. Por favor, sem nenhuma intenção politica de minha parte LEIAM esta PETIÇÃO, Assinem, Participem e divulguem. Precisamos fazer algo mais real pelo país e deixar de somente reclamar em blpogs e paginas. Escolhi o Avaaz para divulgação, não dei se eles tem origem em algum partido mas isso não me interessa porque os fins são o que realmente importam.

     Ao STF e MPF: Vejam o padecimento do Povo deste paisPETIÇÃO DA MARCHA DA VERGONHA – POVO ENVERGONHADO (Transformando o Brasil em um país de Respeito) Elaboramos esta PETIÇÃO…SECURE.AVAAZ.ORG  

     

    • Fascismo?

      esta campanha tem pontos até piores que os do documento fascista "10 Medidas Contra Corrupção" do famigerado MPF...

      ruim. RUIM!

      Democracia e garantia à defesa, sempre! Pré-condenação, não!

      Já bastam os desmandos da #MidiaBandida e comparsas federais, estaduais, etc...

      :/

  • bom, muito bom!

    Sou obrigado a concordar com Nassif.

    Como um pais como o nosso cai nas garras dessa gente!

    Tem algo muito errado!

  • Eu penso que farão o golpe dentro do golpe:
    Eu penso que farão o golpe dentro do golpe:

    1) a saída de Temer no início do próximo ano;

    2) escolha, prevista em lei, pelo congresso, do presidente que substituirá a ausência da presidenta impintimada e do vice, que irá renunciar ou ser impedido;

    3) aprovação da unificação das eleições (municipais, estaduais, Federal) para 2020, eleições seguintes à deste ano;

    4) ainda dentro da reforma política, a proibição de reeleição (que aparentemente poderia dar credibilidade à eleição indireta do novo presidente da República) e a definição do prazo do mandato para cinco anos;

    5) ao novo presidente, eleito indiretamente pelo atual congresso conservador, estaria assegurado a realização do desmonte do Estado, e das conquistas trabalhistas e sociais, do início de 2017 à Janeiro de 2021, sem riscos de uma intercorrência provocada pela vontade do povo nas urnas.

    • Concordo.

      Bela proposta. Obs.: se a gente que não é golpista o que eles podem fazer, imagina que está no comando do Golpe.

      Acho que o Nassif se empolgou no final e esqueceu de considerar a possibilidade de não ter eleições em 2018*.

      O bom dessa proposta é que não precisa nem prender o Lula.

      *"Será provavelmente vitoriosa a candidatura que basear sua plataforma no desmonte dos malfeitos do período."

      Lembram-se da história de que não haveria golpe. Pois é, agora acreditam que terá eleições presidenciais em 2018. Pelo andar da carruagem não terá.

      Não esqueçamos. Cético no pensamento e otimista na ação.

      Ou, como diria o ditado oriental, mesmo quando vai lutar contra a lebre o tigre usa toda sua força. E nesse caso, as forças democráticas estão lutando contra um mastodonte.

    • Infelizmente acho isso também

      Infelizmente acho isso também e aposto que estão preparando tudo pro serra. Minha única dúvida é se o usurpador será aguentado até o final do ano. Em condições normais, não.Mas do jeito que estão as coisas, devem lhe dar um refresco, ainda mais com eleição em outubro. 

  • Pago apra ver se a Lava Jato

    Pago apra ver se a Lava Jato vai mesmo investir contra Gilmar Mendes. Duvido que o façam. Vejo notícias de procuradores e delegados querendo indiciar gente do STJ, principalmente um juiz que já concedeu habeas corpus para gente presa pela operação. mas daí a chegar em GM vai muito. Por outro lado, aqui mesmo no GGN já li notícias de mudanças de equipes de delegados ligadas à Lava Jato, logo depois da reunião entre o ministro da justiça e Sérgio Moro.

  • PC cunha...

    Politica suja...

    Eles vão fazer com o cunha o mesmo que fizeram com PC Farias...

    Ai todos se livram do problema cunha...

    Já que o cunha não quer ir preso...

  • O Michel Temer não passa de uma cópia mal acabada

    O Michel Temer não passa de uma cópia mal acabada do Carlos Menem. Tomara que também acabe preso junto com sua quadrilha.

  • Quando vejo falar sobre midia
    Quando vejo falar sobre midia e o risco que correm fico sem saber se fala do Brasil ou de um país escandinavo onde 2/3 da população tem ensino superior e a televisão é peça de decoração nas salas de estar.

    Não é tudo, óbvio que não. Boa parte da população instruída (com grau superior) tem o juízo crítico de um verme. Aqui, claro.

    Estudamos em faculdades particulares vendedoras de diplomas. Nossas melhores universidades - umas 4 ou 5 - estão em péssimas classificações.

    É corriqueiro encontrar dentre cidadãos com 20 ou mais anos de estudo leitores de revista Veja, ouvintes de Arnaldo Jabour, Diogo Mainard etc.

    São tolos pedantes.

    Temos aí, portanto, a já clássica distância acentuada entre dirigentes e dirigidos. O que acontece em Brasília, os parlamentares com suas verbas, por exemplo, 3% da população toma conhecimento.

    Outro ponto: se porventura um coxinha deixar de ler a Folha você acha que ele a trocará por quem? Pelo ggn?

    .

    Esse é um golpe pouco compreendido até por quem supostamente possui razoável perspicácia. Não há boas análises, mas chutes de partidários.

    .

    O país nunca foi estável, sólido, resiliente. Somos um barquinho à deriva no oceano, ou uma cabaninha mal construída na floresta.

    Quando faz sol nós todos nos divertimos aqui, na China, Bolívia, Russia. Todos incluem pobres pelo consumo. Todos incham suas classes médias.

    Aqui - outra prova da ignorância brutal - vira o enorme feito messiânico.

    Todavia, quando faz inverno é que se nota - ou se pode notar - o acanhado estágio de nossas condições, nosso barquinho furado, nossa cabaninha malequipada.

    O judiciário, por exemplo, com milhoes de processos a julgar, a cultura da tortura policial (a PM já é uma coisa estúpida), as dengues, os mega congestionamentos, 40% da população empregada informalmente, carga tributária altamente regressiva etc etc etc.

    Enfim, nosso passo civilizatorio vacilante, cruel, imbecil.

    Ps: Só uma pequena pista para os senhores: famílias riquíssimas e cheias de poder são frequentes na história de vários estados.

    Não passarmos por crises e revoltas capazes de reduzir um pouco de sua força explica mais da atual circunstância que muitos textos por aí.

  •  
    Sergio Buarque às avessas:

     

    Sergio Buarque às avessas: visão do Inferno

    04 de julho de 2016 Miguel do RosárioAnálise de conjuntura 

    O golpe tem um lado bom.

    Serve para enterrar, de uma vez por todas, essa aura de "paraíso", de "éden", que o Brasil vem arrastando há séculos, aqui e lá fora.

    (...) FONTE [LÍMPIDA!]: http://www.ocafezinho.com/2016/07/04/sergio-buarque-as-avessas-visao-do-inferno/

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