Xadrez do fator Marun e dos fake prosecution, por Luis Nassif

Peça 1 – o significado da nomeação de Marun

Um velho conhecido, que consegue tirar lições da história aplicáveis ao momento atual, me alerta para os seguintes pontos:

A nomeação do gaúcho-matogrossense Carlos Marun para a articulação política do governo Temer, é sinal de guerra. Tem o mesmo significado da nomeação de Benjamin Vargas, o Bejo, em fins de 1945, que acendeu todas as luzes da oposição para os propósitos continuístas de Vargas.o foi nomeado para o Departamento Federal de Segurança Pública, o equivalente à Polícia Federal de hoje. A nomeação recebeu a leitura geral no meio politico e militar de que as eleições presidenciais prometidas não se realizariam. Não havia outra explicação para a nomeação do agressivo Bejo Vargas.

– São nomeações indicativas de uma intenção. Qual a intenção clara a meu ver? Temer deseja sua candidatura à reeleição e Marun tem o perfil de um tanque Panzer para ser o aríete desse projeto.

Peça 2 – as fantasias de Michel Temer

Conhecedor da psicologia dos políticos, não teve dificuldades em identificar o óbvio Michel Temer e, por trás dele, o notório Eduardo Cunha.

Temer foi convencido de que a recuperação econômica é consistente. Acha que o mérito é dele e que Henrique Meirelles é apenas um usurpador. Porque, então, entregar o capital da suposta recuperação econômica para Meirelles, mero executador de uma politica que é politicamente sustentada por ele Temer a duras penas?

Ele não tem dúvida de que o projeto Temer é uma fantasia, mas políticos têm sempre um lado fantasioso nas suas vidas ao lado do puro calculo politico. Temer é político de ambição grande, mas de voo pequeno. Sua megalomania é alimentada por Eduardo Cunha, do qual se tornou mera criatura.

A aliança temporária Temer-Meirelles é casamento de conveniência apenas, constata o Espírito da Política. Fora das conveniências de ocasião nada mais os une, da mesma forma que foi a aliança Lula-Meirelles. Uma forma fácil de queimar Meirelles é trazer à tona sua hoje esquecida ligação com o grupo JBS, que não foi tão rasa como se vendeu.

Peça 3 – a busca do outsider

Meu interlocutor achou “coisa de maluco” o convite de Carlos Siqueira a Joaquim Barbosa para ser candidato a Presidência pelo PSB.

Ele, que acompanhou o PSB de João Mangabeira, considera Siqueira um “nó cego”, uma derrapada na história digna do PSB, que só assumiu o comando por conta da morte de Eduardo Campos. É um político desagregador e confuso, se curvou convidando Barbosa e recebendo a resposta imperial, de que responderá apenas em janeiro.

De um lado, um megalomaníaco esnobando um partido histórico; de outro, um medíocre que aceita esperar a prima-dona a quem falta tudo: carisma, traquejo, discurso.

O episódio mostra a dificuldade na busca do cavaleiro andante, o tertius capaz de encarnar o novo.

Peça 4 – Alckmin, o chihuahua que ruge

Do lado do PSDB, mais uma vez o partido tem que se curvar ao mais limitado de seus presidenciáveis, Geraldo Alckmin. De cara, Alckmin adotou a postura pitbull contra os adversários, tentando disputar espaço com Bolsonaro. Mais uma vez, comprova a falta de timing político, repetindo o erro da campanha presidencial.

Sua linha política tem afinidades com Bolsonaro. Sob seu governo, a Polícia Militar atingiu níveis inéditos de violência e letalidade. É conservador nos costumes, na política. Mas seu trunfo é disfarçar essa tendência autoritária com uma postura pública discreta.

Ao sair atirando, mostra a falta de traquejo para o grande palco nacional. Alckmin é do tamanho da política paulista, pequena, sustentado apenas pela incapacidade política do PT paulista e pelo antipetismo do estado.

É óbvio que sequer o antipetismo plantado nos últimos anos será suficiente para torna-lo competitivo nacionalmente.

Peça 5 – os porões do Estado de Exceção

Tem-se, então, de um lado a incapacidade dos parceiros do impeachment – PSDB e PMDB – de articular uma candidatura minimamente competitiva. De outro, a candidatura Lula crescendo a cada pesquisa. E, no meio, o avanço do estado de exceção, os personagens subterrâneos, dos porões do Estado de Exceção, cuja sobrevida depende fundamentalmente do pacto anti-Lula ou da alternativa Bolsonaro.

Setores da direita estatal, atuando de forma coordenada no Ministério Público Federal, AGU, TCU e CGU passaram a se valer dos fake prosecution – a variante jurídica das notícias falsas.

Trata-se de uma aliança, inicialmente tácita, que se robusteceu quando radicais de cada repartição se encantaram com seu poder político e passaram a atuar de forma articulada visando preservá-lo.

A invasão da UFMG é apenas a ponta mais truculenta desse jogo, ainda mais sendo reiteração do episódio que levou ao suicídio do reitor da UFSC. E não vai se parar aí enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público) não tomarem medidas drásticas de contenção dos abusos.

Agora, dá para confiar em órgãos presididos pela Ministra Carmen Lúcia? Tenho fundadas desconfianças que não.

Por isso mesmo, meros problemas administrativos continuarão servindo de álibi para ações truculentas, invasão de domicílios, intimidação e humilhação de cidadãos, visando ampliar o clima de repressão.

Registre-se que, dando cobertura intensiva a esse jogo, a Globo é a principal estimuladora da barbárie.

Peça 6 – o fake prosecution

Entra-se, então, em um campo minado que exigirá cautela e posições firmes. Existe uma nítida perda de controle sobre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

No caso do MPF, a Constituição previu unidade, indivisibilidade e independência dos procuradores. Ou seja, confere autonomia funcional a cada procurador, mas equilibrada pelos conceitos de unidade e indivisibilidade –teoricamente definidos pelas câmaras de coordenação.

Mas a militância nas redes sociais e a radicalização política dividiu o MPF em grupos políticos que acabaram rompendo com qualquer veleidade de coordenação, submetendo o CNMP aos interesses corporativistas mais estreitos, permitindo a explosão dos fake prosecution – as falsas denúncias.

Os últimos integrantes desse jogo são os procuradores Claudio Gheventer, Gino Augusto de Oliveira Liccione, André Bueno da Silveira e José Silva Nunes, do MPF-RJ, que denunciaram Dilma Rousseff, Graça Foster e Guido Mantega, entre outros, pelo congelamento dos preços dos combustíveis, com vistas às eleições de 2014 – medida condenável, do ponto de vista econômico, mas a léguas de distância de ilícito penal ou administrativo.

Da mesma lavra é o abuso de denunciar Lula pelo acordo FX, os aviões da Aeronáutica, cuja decisão se deu no governo Dilma, atendendo à recomendação expressa da própria Aeronáutica. Ou a ação extremamente truculenta contra dezenas de funcionários do BNDES, pretendendo criminalizar até financiamentos a exportações de serviços.

Peça 7 – fera à solta

Há uma alcateia à solta, devorando todos os que atravessam a sua frente. Em algum momento, as diferenças terão que ser deixadas de lado e Congresso, Supremo, partidos políticos, Procuradoria Geral da República, terão que se unir para botar ordem no suruba. E como exigir esse pacto democrático de quem não tem a expectativa de vitória em eleições democráticas?

Cria-se a ciranda fatal:

  1. Quanto menos competitivos eleitoralmente, mais o PSDB-mídia alimentará o antipetismo.

  2. Quanto mais antipetismo, mais poder se confere aos porões.

  3. O antipetismo é o alimento mais estimulador de fantasias de intervenção militar.

No extremo, poderá ocorrer o mesmo que no pós-impeachment, o mesmo que no golpe de 64: os civis que alimentaram a fera serem os primeiros a serem devorados por ela.

Por tudo isso, chegará um momento em que o bom-senso se imporá. Resta saber quanto tempo terá pela frente para impedir a grande fogueira.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Acesso ao conteudo

    Prezados do GGN

     

    Mesmo logado como assiante nao consegui acesso ao texto sobre o xadrez do fator Marun

  •  
    Se o GGN quiser entrar em

     

    Se o GGN quiser entrar em contato comigo, estou pronto para ser apoiador com R$100,00 mês.

    Ficarei no aguardo.

    • Assinatura

      Cara Lourdes Nassif:

      Eu também leio o  GGN diariamente e estou disposto a fazer a assinatura anual. Basta mandar o boleto via email.

  • Alckmin é a lagartixa sem

    Alckmin é a lagartixa sem rabo que mia. Do PSDB não sai nem traque de velha.

    Se os militares não tomaram o poder deve ser porque o serviço de inteligência das Forças Armadas sabe que perderia muita gente e teria de abater muitos civis. 2017 é bem diferente de 1964.

  • De perder o fôlego esse

    De perder o fôlego esse xadrez. ....!

    Mas, essa ambição de Temer está mais pelo desespero em perder a imunidade. 

    Mas pra economia se recuperar forte em 2018 só se o mundo inteiro ajudar. E isso é bastante improvável. 

    Vai continuar a crescer timidamente, pois pior que tá não fica.  De qualquer forma, se Lula ficar impedido,  as chances de Temer atropelar pela direita é pule de dez.

  • Alckimin....
    ... Acho que Alckmin conseguirá votos do Bolsonaro, Bolsonaro tem intenções de voto até o momento em que ele abrir a boca e nessa Alckmin, com discurso igual ao de Bolsonaro, porém, polido conseguirá roubar os votos dele. Acho que o bom senso não imperará, a única solução seria uma constituinte ou mini reforma constituinte, colocando cada instituição no seu devido lugar.

  • Para o "bom senso se impor" é

    Para o "bom senso se impor" é necessário que ele exista.

    Ora, Nassif, já mandaram às favas o bom senso há muito.

    Infelizmente é preciso repetir. 2014 terminou com emprego recorde e inflação dentro do combinado. Uma rapida implantação de medidas para a recuperação das receitas, e a vida seguiria.

    E foi este o problema: não queriam que a vida seguisse coisa nenhuma; perderam uma, duas, tres, quatro vezes, e partiram pra ignorancia: literalmente.

    Os negócios não iam mal. Queriam simplesmente MAN-DAR (é impresoionante como os doutores cientistas políticos se enrolam tanto pra explicar isso). E como vão mandar se não ganham eleições? Ora, só mesmo na base golpe, da manobra, da desinformação, da manipulação, da mentira.

    Portanto, esperar bom senso de quem, cara pálida, do centrão, do PMDB, dos tucanos, de FHC, dos donos da comunicação, dos molecões concurseiros, dos palermas do STF, dos mercadistas ignorantes?

    O antipetismo é anterior ao proprio PT, PT, PT. Em meio às várias crises que o país passou sempre era alardeado o medo de que com eles, comedores de criancinhas, seria tudo muito pior.

    O Lula é o unico que sabe falar naquele partido. Quando ele afirma que o odio que é ribombado por aí advém dos acertos, e não dos erros, ele está coberto de razão.

    É perda de tempo ignorar que a eleição de 2014 por muito pouco não foi ganha pelo antipetismo. Também isso concorreu para o golpe: ficaram com muita raiva de ter sido por pouco.

    Não podiam parar...

    E tiveram ordem de não parar a partir de fora. Tanta mobilização de fundos e mundos desde 2012, pra, no final, dar uma de cavalheiro?

    Não, não pra essa gente de quem você espera bom senso, Nassif.

    O consórcio golpista já implentou quase toda a agenda do PSDB. Não adianta, agora, os tucanos tirarem o corpinho fora e não apoiarem a agenda do centrão, que é a de estancar ainda mais a sangria - a principal medida é encabrestar o abuso de autoridade - e as negociatas de sempre. É isso que está em discussão no "texto" da reforma da previdência. Em poucas palavras: sem apoio dos tucanos, da mídia, do mercado pra estancar de vez "essa porra", esqueçam a entrega da previdência.

    Nem na Legislatura seguinte. Seja lá quem for eleito.

    É isso que significa o "fator marun" no lugar do tucano Imbassaí.

    Eu não trato esse pessoal do centrão como bobos. São uns estúpidos, mas de bobos não têm nada.

    Não vão ficar "esperando" os coxinhas do MP, PF e judiciário mais a mídia partirem pra cima deles ad libidum.

    Ainda mais sabendo - como qualquer um que queira saber sabe - o que os tucanos fizeram nos verões passados.

    "Bom senso"...

    Já era.

     

    • "É perda de tempo ignorar que

      "É perda de tempo ignorar que a eleição de 2014 por muito pouco não foi ganha pelo antipetismo. Também isso concorreu para o golpe: ficaram com muita raiva de ter sido por pouco."

      Mas não foi por pouco. Foram 3 milhões e meio de votos de diferença, mais de 3 pontos percentuais - e Aécio perdeu em todos os estados que Serra também tinha perdido em 2010, exceto o Distrito Federal. Foi um resultado menos folgado do que o de 2010, mas a diferença foi grande e irretorquível.

      Eles não ficaram com raiva por que perderam por pouco; eles perceberam, de forma clara e "racional", que seria impossível ganhar eleições no Brasil fazendo campanha apenas nos seis meses anteriores à eleição. E tiraram daí a conclusão lógica: era necessário fazer campanha ininterrupta, durante quatro anos, aproveitando o tempo durante o qual o PT não tem acesso gratuito aos meios de comunicação de massa.

      Mas eu concordo com você no fundamental. Não haverá bom-senso. Bom senso é algo que se exige dos de baixo - dos trabalhadores e do povo comum. Os donos do país não tem nem podem ter bom-senso, até por que o bom-senso indicaria o óbvio - um país não deve ter donos. Colocada essa premissa básica, a zelite não quer nem ouvir falar de bom-senso. É contrário aos interesses deles.

      • Bom, continuo achando que

        Bom, continuo achando que três milhões num universo de cento e cinquenta milhões é pouco, embora não fizesse diferença se a elição fosse decidida por um único voto. Como você bem lembrou, pra essa zelite que não tem nenhuma civilidade qualquer coisa serve pra "justificar" o fato de não saber perder.

Recent Posts

Trump considera sanções contra países que deixem de usar dólar

Taxação cambial, tarifas e restrição a exportações estão entre punições avaliadas pela equipe do candidato…

9 horas ago

Governo federal confirma continuidade da homologação de terras indígenas

Força-tarefa composta por ministérios, Funai, AGU e Incra busca acelerar processo; quatro processos devem ser…

9 horas ago

A conexão Nuland–Budanov–Tadjique–Crocus, por Pepe Escobar

A população russa deu ao Kremlin carta branca total para exercer a punição máxima e…

10 horas ago

Elon Musk vira garoto propaganda de golpe que pagou por anúncio no X

Golpe inventa uma nova empresa de Elon Musk, a Immediate X1 Urex™, que pretende enriquecer…

10 horas ago

Governo Milei segue com intenção de lançar ações do Banco de La Nacion no mercado

Apesar da retirada da lista de privatização, governo Milei reforça intenção de fazer banco oficial…

10 horas ago

Prêmio Zayed de Sustentabilidade abre inscrições globais

Prêmio para soluções sustentáveis passa a aceitar inscrições em português; fundos de premiação chegam a…

11 horas ago