A mídia tem que escapar da armadilha da polarização criada pelo bolsonarismo, por Luis Nassif

Nas grandes discussões públicas, uma das maiores dificuldades é escapar da armadilha da primeira versão, do consenso do grupo. Abandona-se a riqueza do contraditório, da análise e sopesamento das diversas opiniões por uma espécie de MMA intelectual.

Minha caçula, a Dora, descobriu esse viés quando tinha pouco mais de 16 anos. Entrou em um grupo de feministas no Facebook. Quando descobriram sua capacidade de argumentação, passaram a encaminhar para ela textos para serem desconstruídos.

Dora se tornou popular no grupo, recebia likes. Ate que largou tudo, saiu do grupo e fechou seu Face apenas para convidados.

Explicou-me claramente:

– Papai, discussão é para os dois lados aprenderem um com o outro. Aqui, só querem saber de lacrar, lacrar.

Continuou uma ardorosa feminista, mas não mais da turma das “feministas de Facebook”, como se referia ao grupo.

Invisto contra esse efeito manada há muito tempo. Insurgi-me contra a cobertura totalmente enviesada no impeachment de Fernando Collor, apesar de ter sido vítima de suas investidas. Reagi, sozinho em um primeiro momento, contra os massacres na Escola Base e no Bar Bodega. Passei os anos 90 dividido entre a análise econômica e a reação contra as unanimidades da mídia – especialmente nos linchamentos públicos.

Hoje em dia a mídia está disposta a recuperar sua imagem, depois de mais de uma década de discurso de ódio que pavimentou o sucesso do bolsonarismo. Mas continua presa ao mesmo movimento de efeito-manada de outros tempos.

O efeito-manada atual é legitimador. Com respaldo da ciência, enfrenta a besta-fera do bolsonarismo e seus micos amestrados. Mas continua manada. Se a manada caminha para blindar o Ministro da Saúde Luiz Fernando Mandetta, todos blindam. Se o boi condutor muda de direção, todos mudam.

Digo isso a respeito de duas teses centrais: o isolamento social e o uso da cloroquina. Aqui no GGN somos a favor do isolamento, por não enxergar outra alternativa; e – até informar sobre as pesquisas da Prevent Senior – céticos em relação à cloroquina.

Mas como formamos nossa opinião, não sendo especialistas? Lendo os estudos e as declarações dos especialistas e, a partir daí, nos guiando pela lógica dos argumentos e pelo bom senso.

Mas para tanto, tem que se apresentar todos os argumentos consistentes, contra e a favor. Não pode haver uma seleção apriorística da informação, de acordo com os critérios de manada.

Se há argumentos consistentes contra o isolamento, o público tem que ser informado, ao lado dos argumentos a favor do isolamento. Se há pesquisas comprovando a eficácia da cloroquina, não podem ser ignoradas, e têm que ser confrontadas com as pesquisas questionando sua eficácia – desde que ambas estejam respaldadas por estudos sérios.

Se a modelagem estatística do Imperial College estima os mortos na casa dos milhões, em países maiores, há que se abrir espaço para os estudos que questionem a modelagem, para não correr o risco das previsões serem atropeladas pelos fatos desmoralizando a ciência.

Sei que é difícil, ainda mais com a polarização e os fake News do bolsonarismo. Mas se a imprensa endossar o caminho da polarização, não estará cumprindo com sua obrigação de levar todas as informações ao público. Há que se ter compromisso com a qualidade das informações, mas não o de tomar partido sem analisar todos os argumentos.

Se não, corre-se o risco de tornar o bolsonarismo vitorioso, se uma só de suas apostas se revelar correta.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Perfeito só interessa aos manipuladores essa falsa polarização. Os interesses de gestores de fundos de investimentos, dos braços financeiros de grupos de interesse, da mídia submissa, dos Coaching trainers que nunca trabalharam ou produziram na vida e seus discursos de retorica vazia, que só forma submissos nas piramides financeiras (mesmo que exista um suposto produto) e estes (os submissos) formam a grande manada da derrocada da economia real.

  • Acho oportuno tb lembrar aqui do espírito de MACKARTISMO que o radicalismo dos bolsominions esta nos induzindo a praticar.
    Quer um exemplo ?
    Recentemente uma médica, dra Lucia Dantas Abrantes faleceu de CORONA ..imediatamente a turma foi fuçar nas redes até descobrirem o FACE da moça. Lá teriam encontrado postagens de MINIONS que foram tiradas de contesto, e no afã de desmerecerem a vítima, os "policialistas" tratarão de propagar pelas redes que Lucia era uma admiradora do BOZO, o que é contestado pela família.
    FATO é que, do que consegui rastrear, não sabendo precisar efetivamente sua origem, a matéria apareceu no VIOMUNDO e de lá se propagou sem filtros, como rastilho de pólvora, em sites "ditos amigos", episódio que por ora só foi desmentido no YOUTUBE pelo Carlito, O HISTORIADOR.
    Penso que vale conferir e registrar este episódio pra história, desse período tenebroso, onde mais uma vez a DIALÉTICA e o debate franco e honesto, limpo, ficam de lado, pra darem espaços a boatos, maledicências, radicalismos e desconstrução de pessoas que ousam pensar o contrário ou, como no caso narrado, daqueles que sequer pensaram, mas que deram espaço pra que radicais imaginassem o que deveria ter sido.

  • uma hipótese que se deve levar em conta é: ainda com o isolamento (seja ele extremo ou mais lhano, o fato é que alterou até mesmo o efeito estufa ao nosso redor), a doença avança. imagine se não houvesse o isolamento, seria um tsunami no sistema de saúde. ou seja, desde os primeiros alertas da China, ainda que retardatários, os isolamentos têm tido certa eficácia. dá-se tempo de trabalhar com substâncias que possam controlar a circulação do vírus. há de se ressaltar, também, as informações, digamos, científicas, das primeiras levas até agora: que o vírus não sobrevive a ambientes quentes, o que não se comprovou; que é mais fatal aos considerados mais vulneráveis, também não se sustentou; que uma vez adquirida, há a imunização, também não há resposta. a medicina ocidental, digamos assim, sempre foca no paliativo. pois mais lucrativo, óbvio. qual o motivo de curar, se as doses são mais rentáveis.

  • Nao adianta, Nassif. A mídia cevou a extrema direita rebaixando o debate público e desinformando sistematicamente. O que ela (principalmente a globo) ignorantemente não se deu conta foi que a fascistada se voltaria contra ela, inicialmente pela pauta moral capitaneada por setores evangélicos, depois por querer reavaer do mito a cabeça de chapa do antipetismo.

    Portanto, Nassif, não tem como a midia "abandonar a polarização" porque ela É o fator mor da polarização. É assim que ela se coloca como "neutra", "isenta", porque é atacada pelos dois lados. É imprescindivel, pois, que esses dois lados sejam representados como opostos perfeitos.

    Lembro que pelo final do anos 90 (ou já dois mil e alguma coisa, sei lá) o Ali Kamel se meteu a escrever um besteirol ideologico sobre o verbete do Gramsci em um dicionario de Ciencia Politica que estava sendo publicado. Nao dá pra resumir awui, mas é a mesma litania que é proferida por ai por militares, concurseiros a classe média diplomada de um modo geral. O Renê Dreyfuss acabou tendo que dar resposta ao assaque...

    No debate sobre cotas nas universidades, ele fez propaganda contra desde o princípio, participando de debates públicos, inclusive, e publicando suas teses negacionistas em livro, como todos se lembram..

    Do Lula ele publicou um dicionário, com a pretensão de decodifica-lo. Aliás, este é o marco, o manifesto da separação entre o "lulismo" e o "petismo". O subtítulo bem poderia ser "minha luta: em relaçao ao PT, PT, PT, a gente nao dá tregua, é bombardeio de saturaçao; em relaçao ao Lula, a gente bate de lado, deixa ele tropeçar na propria lingua"...

    Nao funcionou. Tiveram que vir com tudo depois da quarta derrota eleitoral seguida...

    No materialismo vulgar do Andre Singer isso passa batido.

    Portanto, Nassif, é necessário aceitar que os donos da comunicação agem politicamente orientados, como um PARTIDO POLITICO, se não...

    • Esperam muito de quem não tem nada de bom para oferecer...nesse momento estou vendo numa emissora das mais toscas uma reporcagem sobre a aprovação da tal carteira verde amarela (de vergonha?), e ali só.mostram aspectos positivos, inclusive, reforçados por entrevistas favoráveis, nenhum representante dos trabalhadores foi ouvido, afinal, o que interessa é a "economia" que o pobrezinho do empregador irá fazer....

  • Nassif, aprecio seus textos, apesar de não concordamos em tudo. No caso desse último, só não concordei com todo o título. A polarização não foi obra exclusiva do Bolsonarismo. Abs

  • Não sei o que falta para que denunciem tudo que ocorreu.
    Ficamos criando teses e mais teses, e tudo que aconteceu esta aí,
    gravado dia a dia nas midias, nos jornais impressos e no meio digital.
    Eles ficam bloqueando os sites, publicam suas informações, depois
    escondem. Precisa de regulamentação a mídia na internet. Publicou,
    tem que ficar publica e acessível.
    Tem que regular, tem que criar código penal.
    Não tem outra conclusão; a mídia cometeu muitos crimes e não pode
    continuar da mesma maneira.
    E TEM QUE PAGAR PELOS CRIMES QUE COMETERAM.
    Agora, querem continuar a querer conduzir a narrativas. Ora, tem
    que pagar por suas mentiras, por suas manipulações pelo verdadeiro
    gabinete do ódio que foram.
    Vamos deixar de infantilidades e sermos mais racionais. Ou vamos continuar
    sendo destruídos por outras décadas e mais décadas por essa imprensa.

  • Se alguém se interessar em levantar medicamentos que tiveram a fabricação descontinuada vai encontrar uma quantidade apreciável. E vejam bem, por mais interesses escusos que a indústria farmacêutica possa ter, ela sabe o prejuízo que isso acarreta, é impensável crer que elas lancem um remédio sem a intensa pesquisa prévia. Mesmo assim alguns são retirados do mercado. O que acontece com a cloroquina é diferente, o medicamento é conhecido e usado há muito tempo. Sua ação medicamentosa e efeitos colaterais não são segredos para a medicina. O que se discute é sua eficácia contra o coronavírus, que nunca pode antes ser testada pois não havia coronavírus. Tratando-se de uma pandemia não há como fazer os testes em ritmo tal que permita uma conclusão a tempo de dar uma resposta ágil. Querer indiscriminar o uso contra o virus é uma loucura; proibir é outra. Cada caso tem que ser resolvido individualmente : o médico que prescreve se obriga a dar as informações ao paciente e/ou familiares sobre os efeitos colaterais e os esperados e estes aceitarão ou não o tratamento sabendo que é experimental. Mas, a polarização criada pelo bolsonarismo só existe porque há um polo oposto, ambos de natureza política, sem qualquer embasamento científico. Não adianta crer que a Ciência ou a Informação venha a resolver essa pendência, tal como não resolve o terraplanismo,

    Daí a polarização, de um lado os defensores do uso da cloroquina como se fosse o anjo da guarda, do outro os que a veem como o anjo exterminador. E os dois lados são lacradores.

  • Reparem nesta pérola de santa ingenuidade:

    "Hoje em dia a mídia está disposta a recuperar sua imagem, depois de mais de uma década de discurso de ódio que pavimentou o sucesso do bolsonarismo."

    No governo do "Messias", as "Organizações Globo", após várias tentativas fracassadas de cobrir com recursos públicos seu déficit operacional, tem agora a "oportunidade" de recuperar sua imagem fazendo bom jornalismo.

    Para ver além das aparências sobre o papel da "mídia venal" nas desgraças que assolam este Brasil, é sempre recomendável ler Jessé Souza em seus livros mais recentes, a partir de "A Elite do Atraso - Da Escravidão a Bolsonaro".

  • Mas, é bom lembrar que esse radicalismo bolsonarista não é muito diferente daquele estado de espírito que predominava nos tempos em que o PT estava por cima. Igualzinho. Só falta vontade de reconhecer.

  • E há que se ter desconfiança também em declarações jogadas no meio de uma entrevista com um sócio de plano de saúde que quer agradar um presidente imbecil que recomenda o uso de cloroquina e cuja empresa foi fiscalizada por ter um grande numero de mortos. A Cia hoje emitiu alerta onde não recomenda o uso de cloroquina porque pode causar morte cardiaca subita.

    • Passem uma noite na UTI daquele predinho horroroso e escondidinho numa rua sem saída de Pinheiros, depois a gente conversa.....eu sei, fiquei um mês lá, toda as noites....

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