Desinformação e Saúde Mental: A Nova Epidemia Silenciosa na Era Digital, por Reynaldo Aragon

Regulamentar plataformas, educar e capacitar são passos indispensáveis ​​para uma sociedade 4.0 mais crítica, saudável e resiliente.

Desinformação e Saúde Mental: A Nova Epidemia Silenciosa na Era Digital

por Reynaldo Aragon

Na era da hiperconectividade, a desinformação não é apenas uma questão de comunicação, mas um ataque direto ao bem-estar emocional, social e político da sociedade. Este artigo denuncia como as mais práticas informacionais ameaçam a saúde pública, desestabilizam democracias e fragilizam indivíduos, e convocam governos, profissionais de saúde e a sociedade civil a se unirem em defesa da soberania informacional e cognitiva. Regulamentar plataformas, educar cidadãos e capacitar profissionais são passos indispensáveis ​​para construir uma sociedade 4.0 mais crítica, saudável e resiliente.

Vivemos em uma era em que a informação circula em uma velocidade sem precedentes, atravessando fronteiras geográficas e culturais em questão de segundos. A sociedade 4.0, marcada pela hiperconectividade e pela integração entre o mundo físico e digital, trouxe avanços em diversos campos, mas também criou um ambiente altamente suscetível à desinformação, ao negacionismo e ao discurso de ódio. Nesse cenário, as mais práticas informacionais envolveram não apenas um problema de comunicação, mas uma crise de saúde pública, com consequências alarmantes para a saúde mental dos indivíduos e da sociedade como um todo.  A desinformação vai além da propagação de mentiras ou meias-verdades; trata-se de uma estratégia intencional que visa manipular emoções, influenciar decisões e moldar narrativas em escala global. Por meio de fake news, teorias da conspiração e discursos polarizadores, ela promove a fragmentação social e cria um terreno fértil para a instabilidade política, econômica e psicológica. O impacto disso se reflete não apenas no aumento da polarização e dos conflitos, mas também em níveis elevados de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais, colocando a saúde pública diante de desafios inéditos. Em especial, o ambiente virtual tem sido exibido um espaço onde essas ocorrências ocorrem em proporções caóticas. Redes sociais e plataformas digitais, originalmente concebidas para conectar pessoas, tornaram-se instrumentos poderosos de manipulação emocional e transmissão de conteúdos tóxicos. Isso afeta várias esferas da vida — o comportamento político ao convívio familiar — e afeta especificamente os mais vulneráveis, como jovens e pessoas com menor acesso à educação midiática.

Diante desse contexto, a saúde mental emerge como uma das principais vítimas da desinformação. Psicólogos, terapeutas e psiquiatras relatam um aumento significativo de pacientes que enfrentam crises emocionais agravadas pela exposição a informações falsas ou distorcidas. Campanhas antivacinas, por exemplo, não apenas desinformam sobre questões médicas, mas também criam divisões sociais e medo generalizado, gerando impactos profundos na psique coletiva. No entanto, a sociedade ainda cuida de profissionais de saúde capacitados para lidar com essa nova realidade. O enfrentamento da desinformação exige uma abordagem interdisciplinar que envolve a formação em educação midiática, o combate às mais práticas informacionais e a promoção de uma cultura de bem-estar digital. É necessário que cursos de pós-graduação e outras iniciativas educacionais sejam criados para preparar profissionais da área da saúde para atuar nesse cenário, equipando-os com as ferramentas de capacitação para combater os impactos da desinformação no bem-estar mental e social. Este artigo busca lançar luz sobre essa questão emergente, posicionando a desinformação como um dos maiores desafios civilizacionais do nosso tempo. A saúde mental, frequentemente negligenciada nos debates sobre tecnologia e sociedade, precisa ocupar um lugar central nas discussões sobre o impacto da informação em nossa era. É hora de mobilizar agentes públicos, acadêmicos e profissionais da saúde para enfrentar esse problema de forma integrada, garantindo que a sociedade 4.0 seja um espaço de convivência saudável e equitativa.

O Problema da Desinformação na Sociedade 4.0.

A sociedade 4.0, caracterizada pela convergência entre tecnologias digitais, automação e inteligência artificial, trouxe transformações significativas na maneira como as pessoas acessam e consomem informações. Nesse cenário, a circulação de conteúdo tornou-se quase instantânea, descentralizada e de difícil regulação, criando um ambiente propício à disseminação de desinformação. Essa prática, porém, não é um simples reflexo das fragilidades tecnológicas. Ela funciona como uma ferramenta estratégica usada para manipular indivíduos e sociedades, com consequências políticas, sociais e psicológicas profundas. A desinformação ocorre raramente de forma acidental. Em muitos casos, ela faz parte de estratégias deliberadas de controle narrativo e manipulação social, muitas vezes operando como parte de guerras híbridas ou culturais. Por meio de notícias falsas, discursos polarizadores e campanhas de manipulação informacional, a desinformação é usada para desestabilizar governos, enfraquecer instituições democráticas e promover crises sociais. Seu impacto pode ser observado em diferentes contextos: desde o fortalecimento de movimentos extremistas e antidemocráticos até a desestabilização emocional de indivíduos expostos a uma enxurrada de informações contraditórias. O que torna a desinformação tão eficaz é o uso de ferramentas sofisticadas de comunicação, como o design persuasivo. Essas técnicas exploram vulnerabilidades cognitivas e emocionais das pessoas, criando mensagens altamente impactantes e difíceis de ignorar. No ambiente digital, os algoritmos de plataformas sociais amplificam conteúdos polarizadores, priorizando o que gera mais engajamento, independentemente de sua veracidade ou impacto. Nesse processo, surge o que podemos chamar de “processos automágicos”: específicos que aparentem ser espontâneos, mas que, na verdade, são cuidadosamente planejados para parecerem naturais, maximizando a influência emocional enquanto mascaram a manipulação intencional por trás das mensagens. No artigo “Assim age o controle social automágico”[1], Luís Gonçalves explora como os aplicativos digitais utilizam o design persuasivo para influenciar o comportamento dos usuários. Ele afirma que, por meio de estímulos constantes e recompensas, essas plataformas capturam o trabalho coletivo de forma quase imperceptível, induzindo a produção de dopamina e promovendo a adesão a comportamentos idealizados. Essa análise é pertinente ao nosso artigo, pois evidencia como as tecnologias digitais, ao manipular processos cognitivos e emocionais, destinadas à disseminação de desinformação e afetam a saúde mental dos indivíduos na sociedade 4.0.

Casos concretos exemplificam o alcance da desinformação e suas implicações para a sociedade. Durante a pandemia de COVID-19, as campanhas antivacina não apenas comprometeram esforços de saúde pública, mas também exacerbaram divisões sociais e geraram um medo generalizado. No Brasil, as teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas corroeram a confiança no sistema democrático, culminando em atos violentos como a invasão de Brasília em janeiro de 2023. Outro exemplo significativo são as narrativas de pânico moral, como as acusações infundadas de “doutrinação ideológica” nas escolas, usadas para complicações de ataques a educadores e instituições de ensino. Esses episódios não apenas comprometem o tecido social, mas também provocam um impacto emocional profundo, contribuindo para o aumento de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. O impacto psicológico da desinformação é alarmante. As pessoas são constantemente bombardeadas por informações contraditórias e polarizadoras, o que gera um conhecido como “fadiga informacional[2]”, também conhecida como Síndrome da Fadiga da Informação (SFI). Essa destinação afeta a capacidade de discernimento e a estabilidade emocional, resultando em sentimentos de impotência e alienação. Psicólogos e psiquiatras relataram um aumento significativo de pacientes que enfrentam crises emocionais agravadas pela exposição a conteúdos tóxicos e manipuladores, muitas vezes divulgados pelas redes sociais. Os algoritmos dessas plataformas, ao priorizarem conteúdos extremistas e polarizadores, intensificam o problema, tornando o ambiente virtual um espaço caótico e emocionalmente desgastante. Embora a sociedade 4.0 tenha o potencial de reduzir desigualdades no acesso à informação, ela também expõe lacunas críticas, como a falta de preparo das pessoas para navegar nesse ambiente. A ausência de educação midiática, aliada à lucratividade da desinformação para grandes plataformas, agrava ainda mais a situação. A divulgação de informações falsas afeta não apenas a saúde individual, mas também a saúde pública, gerando crises de confiança nas instituições, instabilidade política e aumento de comportamentos de risco. No contexto da guerra híbrida, a desinformação assume um papel central como arma de manipulação psicológica. No Brasil, por exemplo, o uso coordenado de campanhas de desinformação ajudou a consolidar movimentos autoritários e polarizar a polarizar, transformando o país em um verdadeiro laboratório para essas práticas. Operações psicológicas desse tipo não apenas moldam percepções individuais, mas também influenciam a opinião pública e desestabilizam governos, mostrando que a desinformação não é apenas um problema de comunicação, mas um desafio civilizacional de grandes proporções.

Saúde Mental em Crise: O Custo Psicológico da Desinformação.

O impacto da desinformação não se restringe às dimensões políticas ou sociais; ele penetra profundamente na saúde mental dos indivíduos e das comunidades. A circulação desenfreada de informações falsas, teorias da conspiração e discursos de ódio afeta diretamente o equilíbrio emocional, criando um cenário de vulnerabilidade psicológica que, em muitos casos, evolui para crises de saúde pública. Isso se intensifica em um contexto de hiperconectividade, onde a exposição contínua a conteúdos tóxicos e contraditórios leva a um aumento alarmante de transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse. Os profissionais de saúde mental, como psicólogos, psiquiatras e terapeutas, relataram um crescimento expressivo de casos relacionados ao impacto emocional da desinformação. Muitos pacientes demonstram sintomas associados à “fadiga informacional”, um estado de esgotamento psicológico causado pela dificuldade em processar o excesso de informações disponíveis, muitas vezes conflitantes e alarmistas. Além disso, campanhas de desinformação com forte apelo emocional, como as teorias antivacinas, não apenas comprometem a saúde física da população, mas também criam um clima de medo e desconfiança que afeta o bem-estar mental coletivo. O negacionismo climático, por exemplo, dissemina dúvidas sobre a gravidade das mudanças climáticas e a responsabilidade humana no aquecimento global, gerando inércia social e desespero em comunidades vulneráveis ​​que já enfrentam os impactos ambientais. Narrativas conspiratórias, como as que negam eventos históricos ou atribuem crises globais a grupos específicos, intensificam a polarização política e alimentam preconceitos, exacerbando conflitos sociais. Outro exemplo significativo é a desinformação relacionada à saúde pública, que não se limita às vacinas, mas também inclui curas milagrosas ou tratamentos alternativos sem comprovação científica, levando muitas pessoas a abandonarem tratamentos eficazes. Por fim, discursos que minimizam ou negam problemas sociais estruturais, como racismo e desigualdade de gênero, perpetuam sistemas de opressão e criam barreiras para o progresso coletivo, ampliando sentimentos de alienação e insegurança em indivíduos e grupos marginalizados. Esses diversos tipos de desinformação, ao explorar medos e inseguranças, tornam-se agentes poderosos de desestabilização

Casos concretos evidenciam como a desinformação está intrinsecamente ligada ao agravamento de transtornos psicológicos. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, a disseminação de informações falsas sobre o vírus, tratamentos e vacinas gerou uma onda de ansiedade generalizada. Muitas pessoas viram presas em um ciclo de medo, alimentadas por notícias alarmantes e contraditórias que circulavam nas redes sociais. O isolamento social, agravado por essas narrativas, contribuiu para um aumento significativo de quadros depressivos e de automutilação, especialmente entre jovens. Outro exemplo relevante é o impacto emocional de narrativas polarizadoras no campo político. As campanhas eleitorais, cada vez mais marcadas por desinformação e discurso de ódio, criam um ambiente de tensão constante, afetando a saúde mental dos eleitores e até mesmo de candidatos. No Brasil, as eleições presidenciais de 2018 e 2022 revelaram como a desinformação pode amplificar o medo e a desconfiança, levando a episódios de violência e ao aprofundamento de divisões sociais. A relação entre desinformação e saúde mental também é evidente no aumento de comportamentos impulsivos e agressivos. As redes sociais, projetadas para maximizar o engajamento emocional, frequentemente estimulam respostas reativas e polarizadas. Esse ambiente, muitas vezes descrito como “tóxico”, não apenas fragmenta o tecido social, mas também intensifica os conflitos internos nos indivíduos, levando a um aumento de diagnósticos relacionados ao estresse pós-traumático e ao esgotamento emocional.

A desinformação afeta desproporcionalmente as mais populações, incluindo jovens, idosos e pessoas com menor acesso à educação midiática. Os jovens, em particular, estão expostos a um volume massivo de informações e interações digitais, muitas vezes sem orientação crítica para discernir a veracidade dos conteúdos. Isso os torna mais suscetíveis a crises emocionais, como baixa autoestima, ansiedade social e depressão, amplificadas pelo consumo de conteúdos manipuladores. É crucial destacar que o problema não reside apenas no consumo passivo de desinformação, mas também na dinâmica de engajamento promovida pelas plataformas digitais. O design persuasivo, aliado a algoritmos que priorizam conteúdos polarizadores, cria um ciclo vicioso em que os indivíduos são continuamente expostos a estímulos negativos. Isso não apenas esgota os recursos emocionais, mas também dificulta o acesso a informações confiáveis, isolando as pessoas em bolhas informacionais que reforçam influências equivocadas e aumentam o sentimento de desesperança. Esse cenário evidencia a necessidade urgente de capacitar profissionais de saúde mental para lidar com as consequências da desinformação. É essencial que esses profissionais compreendam o papel das plataformas digitais, dos algoritmos e das dinâmicas sociais na construção do sofrimento psíquico. Apenas com uma abordagem interdisciplinar, que integra saúde, educação e tecnologia, será possível mitigar os efeitos devastadores da desinformação na saúde mental.

Más Práticas Informacionais: Um Desafio Civilizacional.

A desinformação não é apenas uma consequência indesejada do excesso de informações no ambiente digital; ela faz parte de um conjunto maior de práticas informacionais, planejadas e sistemáticas, que visam moldar percepções, manipular comportamentos e promover agendas específicas. Essas práticas representam um dos maiores desafios civilizacionais do nosso tempo, impactando não apenas indivíduos, mas também estruturas sociais, políticas e econômicas na escala global. O termo “más práticas informacionais” abrange desde a criação e disseminação de notícias falsas (fake news) até o uso de algoritmos de recomendação para amplificar conteúdos polarizadores e o emprego de estratégias de guerra psicológica para minar a confiança em instituições democráticas. Essas práticas são sofisticadas e muitas vezes invisíveis, tornando difícil para os indivíduos entenderem que estão sendo manipulados. O problema é agravado pela falta de educação midiática e digital na maioria da população, que, sem ferramentas críticas, se torna vulnerável a essas estratégias. Um exemplo marcante dessas práticas é o uso de operações psicológicas (psyops) para desestabilizar sociedades e governos. Essas operações utilizam desinformação como uma arma para criar divisões internas, enfraquecer a coesão social e desacreditar lideranças políticas. No Brasil, por exemplo, as campanhas de desinformação desempenharam um papel crucial na construção de narrativas de desconfiança contra instituições como o sistema eleitoral, alimentando movimentos antidemocráticos e violência política. Outro aspecto das práticas mais informacionais é o design persuasivo das plataformas digitais, que explora vulnerabilidades humanas para maximizar o engajamento. Redes sociais e aplicativos empregam técnicas como notificações constantes, recompensas intermitentes e estímulos emocionais para capturar e manter a atenção dos usuários. Isso cria um ciclo de dependência e exposição prolongada a conteúdos que, muitas vezes, são manipuladores e extensos. A “cultura do engajamento” não é neutra; ela prioriza conteúdos que provocam reações emocionais fortes, como raiva, medo e indignação, justamente porque esses sentimentos mantêm os usuários mais ativos e conectados.

As consequências dessas práticas são alarmantes. No campo político, a desinformação polariza os debates e enfraquece as democracias, abrindo espaço para o crescimento de movimentos autoritários e extremistas. No campo social, promove preconceitos, xenofobia e pânico moral, como distribuição em campanhas contra grupos marginalizados ou na disseminação de narrativas sobre “inimigos internos”. No campo psicológico, essas práticas geram ansiedade coletiva, aumento de transtornos mentais e desconfiança generalizada, impactando o bem-estar das populações. Um exemplo emblemático do impacto das práticas mais informacionais é o negacionismo climático. Campanhas financiadas por interesses econômicos, como indústrias de combustíveis fósseis, têm disseminada desinformação sobre as mudanças climáticas ao longo das décadas. Essa estratégia não apenas atrasa ações governamentais e coletivas para mitigar a crise ambiental, mas também provoca paralisia e desespero em muitas pessoas que, expostas a informações contraditórias, perdem a capacidade de agir ou confiar na ciência. No campo da saúde pública, práticas como a promoção de curas milagrosas ou teorias antivacina agravam crises globais, como a pandemia de COVID-19, onde a desinformação custou vidas e colocou em risco sistemas de saúde já sobrecarregados. O impacto psicológico dessas práticas também é devastador, criando medo, pânico e isolamento social, enquanto minam a confiança na ciência e nas autoridades de saúde.

Diante desse cenário, é fundamental considerar as mais práticas informacionais como um desafio que exige respostas integradas. Governos, instituições educacionais e empresas de tecnologia precisam assumir responsabilidades conjuntas para combater esses problemas. Isso inclui desde a regulamentação de plataformas digitais até a promoção de programas de educação midiática que capacitam os indivíduos a navegar no ambiente informacional com criticidade e segurança. Além disso, é urgente a formação de profissionais especializados no combate às  más práticas informacionais, especialmente no campo da saúde mental. Psicólogos, psiquiatras e terapeutas precisam estar preparados para compreender o impacto dessas práticas no bem-estar de seus pacientes e atuar de forma preventiva e corretiva. Sem essas medidas, a sociedade 4.0 continuará vulnerável à manipulação informacional, com consequências graves para sua saúde mental, coesão social e estabilidade democrática.

Capacitação de Profissionais de Saúde: Um Caminho Necessário.

A complexidade e a profundidade do impacto da desinformação na saúde mental bloqueia respostas inovadoras e interdisciplinares. Um dos caminhos mais urgentes para mitigar os danos causados ​​pelas más práticas informacionais é a capacitação de profissionais de saúde, como psicólogos, terapeutas, psiquiatras e outros agentes da área. Esses profissionais precisam estar preparados não apenas para refletir sobre os efeitos da desinformação no comportamento de seus pacientes, mas também para atuar de forma preventiva e corretiva, ajudando-os a desenvolver a resiliência frente às narrativas manipuladoras e ao caos informacional. A formação tradicional de profissionais da saúde, embora robusta em diversas áreas, ainda não incorpora plenamente o entendimento das dinâmicas informacionais da sociedade 4.0. É essencial que cursos de graduação e, principalmente, de pós-graduação incluam módulos específicos sobre desinformação, guerra psicológica, operações híbridas e educação midiática. Tais programas devem abordar, de forma prática e teórica, como a circulação de informações impacta a saúde mental e como os profissionais podem atuar como mediadores nesse ambiente complexo. Modelos de capacitação bem-sucedidos já estão sendo implementados em algumas partes do mundo, especialmente em países que enfrentam desafios severos relacionados à desinformação. No Reino Unido, por exemplo, iniciativas como o “Digital Resilience Framework[3] foram desenvolvidas para equipar profissionais de saúde e educadores com ferramentas para identificar sinais de sofrimento mental associados ao consumo de conteúdos tóxicos online. Nos Estados Unidos, programas de treinamento em “alfabetização digital e emocional” estão sendo testados como parte de currículos para profissionais que trabalham com jovens em situação de vulnerabilidade. No Brasil, o desafio é particularmente urgente, dado o contexto de polarização política e a influência desproporcional das redes sociais na construção de narrativas. A desinformação durante a pandemia de COVID-19 evidenciou a necessidade de que médicos, psicólogos e outros profissionais da área fossem treinados para lidar com pacientes que foram expostos a campanhas antivacinas ou teorias conspiratórias. Muitos desses profissionais relatam dificuldades em tratar quadros de ansiedade, pânico e desconfiança generalizada, agravados pela crença em informações falsas.

A criação de programas específicos de pós-graduação especializados para o combate às más práticas informacionais e para a promoção do bem-estar digital pode ser uma solução eficaz. Esses programas devem incluir disciplinas como educação midiática e digital, capacitando os profissionais a considerar e explicar as dinâmicas das redes sociais e o funcionamento dos algoritmos; psicologia da desinformação, analisando como a exposição a informações falsas relacionadas ao processamento cognitivo e emocional dos indivíduos; estratégias de intervenção, desenvolvendo habilidades para ajudar pacientes a construir resiliência emocional e cognitiva frente ao caos informacional; e aspectos éticos e políticos da informação, explorando como as dinâmicas globais de poder moldam as narrativas e impactam a saúde mental. Além de programas acadêmicos, é necessário promover campanhas de sensibilização junto aos profissionais de saúde que já estão no mercado. Oficinas, workshops e cursos de curta duração podem servir como ferramentas de atualização, ajudando esses agentes a se preocuparem e abordarem o impacto da desinformação em seus pacientes. Essas iniciativas devem ser ampliadas por políticas públicas, incluindo financiamento governamental e parcerias com instituições de ensino superior e organizações da sociedade civil. Outro aspecto crítico da capacitação é a necessidade de uma abordagem preventiva. Profissionais de saúde não podem apenas reagir aos efeitos da desinformação; eles devem ser capazes de atuar na construção de uma sociedade mais crítica e informada. Isso inclui trabalhar em escolas, empresas e comunidades, promover campanhas de conscientização sobre o impacto das práticas mais informacionais e desenvolver habilidades de pensamento crítico e análise entre a população. Por fim, é essencial considerar que a luta contra a desinformação é também uma luta por justiça social. As populações mais vulneráveis ​​— jovens, idosos, comunidades marginalizadas e pessoas com menor acesso à educação — são as mais afetadas pelo caos informacional. Os profissionais de saúde precisam estar preparados para abordar essas desigualdades, promovendo intervenções inclusivas e adaptadas às necessidades específicas de cada grupo. Dessa forma, a capacitação de profissionais de saúde não é apenas uma resposta ao impacto da desinformação, mas também uma estratégia para construir uma sociedade mais resiliente, crítica e saudável. Ao integrar o combate às mais práticas informacionais de formação e atuação desses profissionais, será possível mitigar os danos causados ​​por essas características e promover o bem-estar individual e coletivo.

O Futuro da Saúde Pública na Sociedade da Informação.

A desinformação e as más práticas informacionais, características marcantes da sociedade 4.0, configuram-se como um dos maiores desafios civilizacionais contemporâneos. Ao explorar vulnerabilidades cognitivas, emocionais e sociais, a circulação de informações manipuladoras e tóxicas não apenas impacta o funcionamento das democracias e a estabilidade política, mas afeta diretamente a saúde mental individual e coletiva, gerando crises que já podem ser consideradas de saúde pública. A incidência crescente de transtornos como ansiedade, depressão, fadiga informacional e estresse pós-traumático não pode mais ser dissociada do ambiente digital e das dinâmicas manipuladoras que nele operam, muitas vezes invisíveis, mas altamente prejudiciais. Esse cenário exige uma resposta estruturada e integrada por parte dos governos, das instituições de ensino, dos profissionais de saúde e da sociedade como um todo. A formação e capacitação de psicólogos, terapeutas, psiquiatras e demais profissionais da área da saúde despontam como um dos caminhos mais eficazes para lidar com os impactos dessa crise. Esses profissionais precisam estar preparados não apenas para identificar os sintomas do sofrimento causado pelo caos informacional, mas também para atuar de forma preventiva, promovendo uma abordagem crítica e resiliente frente à circulação de informações manipuladoras. Além disso, o reconhecimento da saúde mental como uma dimensão central da crise informacional é um passo fundamental para a formulação de políticas públicas eficazes. A criação de programas educacionais, de pós-graduação e de formação continuada voltados ao combate às mais práticas informacionais deve ser uma prioridade, fornecida aos profissionais como ferramentas permitidas para enfrentar os desafios pela era digital. Campanhas de educação midiática e digital, amplamente difundidas em escolas, universidades e comunidades, também têm um papel crucial na construção de uma sociedade mais crítica e menos suscetível à manipulação.

Ao mesmo tempo, é necessário que as grandes plataformas digitais assumam sua responsabilidade na mitigação desse problema. A regulação de algoritmos e práticas de design persuasivo, que incentiva a disseminação de conteúdos polarizadores e desinformativos, é essencial para a criação de um ambiente informacional mais equilibrado e saudável. Sem essa regulação, os esforços individuais e institucionais continuarão sendo insuficientes para enfrentar a magnitude do problema. Diante dessa realidade, torna-se urgente que a sociedade civil se organize e pressione os setores políticos para que legislar em favor de uma regulação eficaz das plataformas digitais. Essa regulação deve ter como base a transparência algorítmica, a responsabilização das big techs e a proteção do direito à informação de qualidade. Além disso, é necessário a formulação e implementação de políticas públicas externas à promoção da soberania informacional e da soberania cognitiva informacional, garantindo que os cidadãos tenham autonomia crítica para discernir a verdade e resistir às estratégias de manipulação. A luta pela democratização do ambiente digital e pela defesa do espaço cognitivo é uma luta pela democracia, pela saúde mental e pelo futuro coletivo.

Por fim, enfrentar a desinformação é também uma questão de justiça social. As populações mais vulneráveis, incluindo jovens, idosos e comunidades marginalizadas, são as que mais sofrem com os impactos da manipulação informacional. Combater esse interesse significa, portanto, não apenas proteger a saúde mental, mas também promover a inclusão, a equidade e a coesão social. Diante de tudo isso, torna-se evidente que o futuro da saúde pública depende, na maioria, da capacidade de lidar com os desafios fiscais pela sociedade da informação. A luta contra a desinformação e suas consequências deve ser encarada como uma prioridade urgente, mobilizando agentes públicos, profissionais de saúde, acadêmicos e a sociedade civil em uma resposta coordenada e eficaz. Só assim será possível construir um futuro em que a informação seja um instrumento de fortalecimento individual e coletivo, e não uma ferramenta de manipulação e adoecimento. A sociedade 4.0, como todo o seu potencial transformador, precisa ser também um espaço de convivência saudável, crítica e equitativa, no qual a saúde mental ocupa o lugar central que merece.

Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista, Coordenador Executivo da Rede Conecta de inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática, é membro pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI).


[1] https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/assim-age-controle-social-automagico/?s=08

[2] Nota de Rodapé: Fadiga Informacional** A fadiga informacional é um estado psicológico caracterizado pela sobrecarga de informações recebidas em um período curto, que dificulta a capacidade de analisar, compreender e tomar decisões sobre os dados apresentados. Esse fenômeno é agravado pelo ambiente digital, onde o fluxo contínuo de notícias, redes sociais e plataformas de informação cria uma sensação de exaustão mental. Estudos mostram que a fadiga informacional está associada ao aumento de ansiedade, estresse e sentimento de impotência, especialmente em contextos de crise, como pandemias e períodos de instabilidade política.

[3] O Digital Resilience Framework é uma iniciativa desenvolvida no Reino Unido que visa capacitar indivíduos, educadores e profissionais de saúde para identificar e lidar com os impactos negativos do ambiente digital. O conceito de “resiliência digital” refere-se à habilidade de navegar pelo mundo digital com segurança, confiança e pensamento crítico, resistindo à desinformação, ao cyberbullying e aos outros riscos associados ao uso excessivo ou inadequado da tecnologia. A estrutura busca equipar profissionais com ferramentas práticas para apoiar indivíduos afetados emocionalmente pela exposição a conteúdos tóxicos, ajudando a construir um equilíbrio saudável entre a vida online e offline.

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