Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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Lavagem de dinheiro e a hipocrisia do Sistema Financeiro Internacional, por Bruno Lima Rocha

A hipocrisia anglo saxã organiza a lavagem no mundo

Por Bruno Lima Rocha

Lavagem de dinheiro e a hipocrisia estruturante do Sistema Financeiro Internacional 

O tema da lavagem de dinheiro ganha volume e importância nas ações de Cooperação Juridica Internacional e obedece à agenda de projeção de poder em termos securitários vindo do Império. Iniciando na década de ’80, e desenvolvido em paralelo ao esforço de apoio aos mudjahiddin do Afeganistão lutando contra a ocupação da União Soviética, a circulação de ativos não rastreáveis ocupou a agenda das agências de inteligência, redes de terrorismo, narcotráfico, tráfico de armas e atividades complementares a segurança avançada dos Estados líderes – como em operações de cobertura e financiamento dos contras da Nicarágua, treinando em Honduras. O inimigo global do “ocidente” estava sendo derrotado e,  automaticamente, os alvos permanentes tinham de ser modificados.

A partir da década de ’90 do século XX, na esteira da tentativa de mundializar as bases institucionais do pós-consenso de Washington, os Estados Unidos conseguiram fazer aprovar uma série de medidas, antes passando por debate conceitual, onde caracterizavam as formas de estruturação do crime organizado. O próprio conceito de organização criminosa implica em certa complexidade de tipo empresarial, e com boa capacidade de gerenciar recursos. Destas tarefas, uma parte sempre delicada é transformar recursos obtidos de forma ilegal em legais e tangíveis, resgatáveis de alguma forma, podendo ser transformados em fatores de acumulação não apenas nominal.

Se observarmos a sequência de acontecimentos na chamada guerra às drogas e a política de securitização na América Latina, veremos o caso colombiano como exemplar. O consumo de cocaína explodindo nos EUA, a interpenetração dos carteis entre as oligarquias dominantes na Colômbia e a estratégia do Império de aplicar o Plan Colombia. A meta não era e nem jamais foi acabar com o tráfico, mas interromper a evasão de divisas dos EUA para o nosso vizinho latino-americano, incluindo o agravante que se tratava de exportação de agro-indústria com poucos insumos, cadeia de valor ilegal e não tributada.

Os carteis de Cali e antes de Medellín capturaram uma parcela importante dos poderes de Estado colombiano, o que também motivou aos EUA a intervir de maneira estrutural. O período anterior ao Plan Colombia implicou em captura de partes do combalido poder de Estado, assim como do Estado paralelo – na formação das unidades paramilitares incentivadas com o Projeto Convivir – e este movimento opera como preparação para a tomada quase completa com soberania mais que limitada em função das ações de “segurança hemisférica”.

A exposição de motivos para a legislação brasileira anti-lavagem

A lei brasileira é datada de 03 de março de 1998 (ver encurtador.com.br/grFGV) e na sua epígrafe de definição: “Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.”

É muito interessante observar as exposições de motivos do então ministro da Justiça do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (FHC, 1995-1999 e 1999-2002), em especial os itens 21, 34 e 89. A mesma foi tornada pública como documento oficial em 18 de dezembro de 1996 e fundamenta a criação da lei já citada (para a íntegra do texto ver:  encurtador.com.br/rvET8)

Conforme destacado acima, elenco os seguintes motivos, em ordem numérica:

Item 21 da exposição de motivos do então ministro Nelson Jobim (1996), titular do MJ, para a promulgação da Lei 9613“embora o narcotráfico seja a fonte principal das operações de lavagem de dinheiro -, não é a sua única vertente. Existem outros ilícitos, também de especial gravidade, que funcionam como círculos viciosos relativamente à lavagem de dinheiro e à ocultação de bens, direitos e valores. São eles o terrorismo, o contrabando e o tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção, a extorsão mediante sequestro, os crimes praticados por organização criminosa, contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional. Algumas dessas categorias típicas, pela sua própria natureza, pelas circunstâncias de sua execução e por caracterizarem formas evoluídas de uma delinquência internacional ou por manifestarem-se no panorama das graves ofensas ao direito penal doméstico, compõem a vasta gama da criminalidade dos respeitáveis. Em relação a esses tipos de autores, a lavagem de dinheiro constitui não apenas a etapa de reprodução dos circuitos de ilicitudes como também, e principalmente, um meio para conservar o status social de muitos de seus agentes.”

Assim, a ênfase na circulação de ativos ocultos é focada no ato criminoso e na ação de irrigar a economia ilegal e, automaticamente, coloca a vigilância sobre esta atividade em uma escala  global e com necessidade de cooperação.  

Item 34 da exposição de motivos do então ministro Nelson Jobim (1996), titular do MJ, para a promulgação da Lei 9613 “Observe-se que a lavagem de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso que o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta, o núcleo do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal – lavagem de dinheiro – a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito.”

Entendo que há um profundo equívoco na exposição acima, e não levava em conta – ao menos à época – a capacidade de irrigar o capital acionário aberto em Bolsa, assim como outras atividades lícitas. É evidente que não caracterizar a evasão e a compra de títulos e ações de empresas de capital aberto como um ilícito semelhante ao da lavagem traz uma profunda suspeição sobre o fluxo deste capital. Sabe-se perfeitamente bem que os recursos advindos de atividades ilícitas e evasão fiscal percorrem caminhos semelhantes como vem sendo comprovado por organizações internacionais de advocacy e consórcios investigativos do setor.

Item 89 da exposição de motivos do então ministro Nelson Jobim (1996), titular do MJ, para a promulgação da Lei 9613 “Como o curso da moeda, modernamente, é realizado quase que exclusivamente pelos sistemas financeiros de cada país, as operações de lavagem, num ou noutro momento, passarão pelos referidos sistemas. Considerando os modernos avanços das telecomunicações, o processo de integração, de globalização das economias e de interligação dos sistemas financeiros mundiais, verifica-se que as transferências financeiras, não só dentro do território nacional, como especialmente entre países, estão extremamente facilitadas. A modernização do sistema, ao permitir transferências financeiras internacionais instantâneas, notadamente àquelas direcionadas para paraísos fiscais e bancários, acaba dificultando a persecução, o descobrimento e a apreensão dos capitais procedentes de atividades delituosas e, conseqüentemente, aumenta a eficácia da lavagem de dinheiro. Por tudo isso, está evidente o importante papel – involuntário, registre-se – que o sistema financeiro desempenha e desempenhará – se não se envolver no combate a essas atividades delituosas – na consolidação de uma indústria de lavagem de dinheiro no País, o que certamente repercutirá negativamente perante toda a sociedade brasileira e internacional.”

O item 89 falaria por si, relativizando o peso do Sistema Financeiro, o que é algo próximo do absurdo. O comentário para este item segue abaixo.

A hipocrisia estruturante do Sistema Financeiro Internacional

Como já foi afirmado por este analista em outros artigos, a maior parte dos chamados Paraísos Fiscais (acertadamente denominados de Jurisdições Especiais), fica sob a jurisdição ou soberania ampliada da Commonwealth Britânica (commonwealth.org) ou como Territórios Britânicos Ultramarinos (ver encurtador.com.br/ghv05). Em última instância, e como fora comprovado na intervenção das ilhas Turks e Caicos (ver encurtador.com.br/auyJV), é possível a ação discricionária da Grã Bretanha nestes governos, assim como ocorrera em outubro de 2010.

Para além das firmas de lavagem de dinheiro já reconhecidas em escala mundo, como a Mossack Fonseca (Panamá, mossfon.com) ou a Laveco (Belize, laveco.org), há uma presença de dimensões superlativas das maiores instituições bancárias britânicas em seus próprios paraísos fiscais. Segundo a New Economics Foundation (neweconomics.org), a existência de empresas subsidiárias, abertas como contas cobertura (shell companies) sob sigilo fiscal e Jurisdições Especiais apenas no Caribe britânico é desta ordem: o Barclays Bank tem 385 subsidiárias; o Royal Bank of Scotland (RBS) com 404; o HSBC possui 505 destas empresas a esta instituição vinculada e LloydsTSB outras 290 (dados de novembro de 2012, ver encurtador.com.br/flmq8).

Logo, o que se pode depreender é algo bastante simples. Toda a base de argumentação para o combate a lavagem de dinheiro não observa o ato de complementaridade e por vezes também de cumplicidade das instituições bancárias com a circulação de ativos em altíssima velocidade e origens mais que duvidosas. Faz parte da atual etapa de acumulação, aquilo que o economista Ladislau Dowbor está denominando apropriadamente de:

“Em termos de mecanismos econômicos, é central na fase atual a apropriação da mais-valia, já não tanto nas unidades empresariais que pagam mal os seus trabalhadores, mas crescentemente através de sistemas financeiros que se apropriam do direito sobre o produto social através do endividamento público e privado. Esta forma de mais-valia financeira tornou-se extremamente poderosa. Frente aos novos mecanismos globais de exploração, que atuam em escala planetária, e recorrem inclusive em grande escala aos refúgios nos paraísos fiscais” (ver https://goo.gl/eNTSbK).

A alegação da lavagem de dinheiro como circuito de financiamento do terrorismo integrista ou como forma de circulação e formalização do capital de origem duvidosa tem base material, mas, ao mesmo tempo, opera como justificativa para a intervenção discricionária nos aparelhos jurídicos e na punição seletiva e discricionária no século XXI.

Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e de ciência política

(www.estrategiaeanalise.com.br para textos e notas de áudio / estrategiaeanaliseblog.com para vídeos e longas entrevistas no rádio / [email protected] para E-mail e Facebook) 

14 de outubro

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

4 Comentários

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  1. curiosidade

    curiosamente ficou de fora do artigo a rede de paraísos fiscais dentro do território americano.

    ficou ainda de fora a presença  dos Rotschild nessa rede.

    não seria esse treatro de combate, em realidade, uma guerra contra qualquer concorrência, um monopólio City/Wallstreet.

  2. A dívida pública e privada

    A dívida pública e privada como arma de exploração. O direito internacional como arma que dispensa o uso direto das forças militares. Resumindo, a humanidade está f # # # # a. 

  3. sonegador protegido

    Curioso como o item 34 da exposição de motivos reproduzida livra a cara dos sonegadores. Diz que o imposto sonegado não constitui acréscimo patrimonial e, portando, o investimento do imposto não é lavagem de dinheiro.

    Tremenda forçação de barra sacramentada em lei! É óbvio que se uma parte do que o contribuinte detém de patrimônio é devida em forma de imposto, deixar de contribuir ao fisco nesta parte constitui apropriação idébita de patrimônio público. O crime de sonegar é tão lesivo quanto o de roubar. O roubo traz um aumento de patrimônio ao ladrão. A sonegação aumenta o patrimônio do sonegador pela retenção do que não lhe pertence. Mas parece que o douto Nelson Jobim não entendia uma obviedade desta natureza.

  4. The intouchables

    É evidente que ao descaracterizar a sonegação fiscal como crime de lavagem de dinheiro e, principalmente, relativisar o papel do sistema financeiro como agente articulador e partícipe dos sistemas de money laundering se ergue uma barreira destinada a proteger os intocáveis, os grandes grupos empresariais e os bancos. É prescindível descrever da relevância e das diversas formas com que esses dois setores operam, todos os minimamente informados sobre o tema o sabem.

    Há ainda um outro grupo de agentes dado e tratado como intocável, o das igrejas, algumas, inclusive, com “filiais e subsidiárias” em outros países, o que lhes concede a livre transferência internacional de recursos. A imunidade tributária garantida aos templos de qualquer culto é disposta pelo artigo 150, inciso VI da CF e é assegurada a toda e qualquer organização de cunho religioso no que tange a todo e qualquer tipo de imposto no Brasil. Essa imunidade se aplica aos templos onde ocorrem as cerimônias religiosas, mas, também, alcança rendas e serviços relacionados às suas entidades mantenedoras. Além disso, a principal origem desses recursos, a doação dos fiéis, sendo anônima não é rastreável.

    Estima-se que somente as igrejas evangélicas “faturem”, no Brasil, sem contar os seus estabelecimentos no exterior, mais de 25 bilhões de reais por ano. Tudo livre de controle efetivo pelas autoridades fazendárias e fora do alcance do COAF. A Igreja Católica, protégé entre le protégé, sequer é citada nas estimativas disponíveis, mas, se, por obra e graça de São Pedro, não faz parte do esquema atualmente, peca pelo pioneirismo e longa tradição no ramo.

    Apesar da incapacidade das autoridades em se deter sobre o assunto, é uma questão em aberto exigindo tratamento urgente, senão para cancelar a imunidade tributária, ao menos para obrigar a se dar a conhecer a origem e a aplicação dessa fortuna que irriga o sistema religioso no Brasil. Afinal, ao cair na “caixinha” ou ao passar da “sacolinha” o dinheiro, absolutaente anônimo, seja qual for, de quem ou do que proveio, fica limpinho, branco e imaculado como as asas do anjo Gabriel e as vestes da Virgem Maria.

    Em julho de 2015, foi protocolada no Senado Federal, uma Sugestão Popular (SUG 2/2015) para o fim da imunidade tributária para as entidades religiosas (igrejas), encaminhada à CDH – Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, sob a presidência do Sen. Paulo Paim (PT/RS). Parada nas mãos do Senador José Medeiros (PODE/MT e membro da bancada da bíblia), desde outubro de 2016, a  tramitação dessa matéria chega a ser cômica. Inicialmente foi distribuida para a relatoria do Sen. Randolfe Rodrigues (REDE/AP e Assembléia de Deus) que, de pronto devolveu a batata-quente para redistribuição. Foi distribuida para o Sen. Eduardo Amorim (PSDB/SE) que, sem muito pensar, a devolveu para redistribuição. O Sen. Paim, em outubro de 2015, designou como novo relator ninguém mais que o Sen. Pastor Marcel Crivella (PRB/RJ) que “sentou encima” até sair da CDH, em agosto de 2016.

    Assim, o grupo das igrejas permanece intocável e desta forma deverá permanecer pelos séculos dos séculos, amém. Mas essa não for a maior rede de lavanderias do mundo que um raio divino me fulmine e qeu eu queime no fogo do Inferno por toda a eternidade.

     

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