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O julgamento impessoal do réu x A decisão possivelmente motivada pela vontade do juiz

De tudo o que foi dito até o presente momento, me parece evidente que ao condenar Lula o juiz Sérgio Moro se afastou tanto das provas (Lula nunca teve a posse e a propriedade do imóvel que teria recebido como propina) quanto da Lei Penal que obriga o magistrado a considerar o réu presumivelmente inocente e motivar a condenação com base nos documentos e depoimentos existentes nos autos (os documentos que foram juntados pelos defensores do réu o juiz da lava Jato estranhamente confessou que não leu). Juristas de renome acusam Sérgio Moro de praticar Lawfare, instituto sofisticado que somente nos últimos tempos começou a ser discutido no Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/Lawfare.

Sou advogado há 27 anos e já passei por situações que me fizeram concluir que as vezes o princípio que norteia a decisão judicial é a hierarquia e não a legislação ou o convencimento racional com base nas provas. Ao decidir o juiz afirma sua vontade e não a vontade do legislador. Ele age como se fosse a única fonte válida do Direito. O que predomina nestes casos não é o adequado exercício da jurisdição e sim a crença do juiz na sua superioridade hierárquica: eu tenho o poder de decidir e a vítima terá que me obedecer ou conseguir revogar a decisão mediante recurso.

Contra este tipo de atitude judicial não é preciso invocar o instituto do Lawfare. Basta lembrar as palavras de um eminente filósofo do século XIX :

“La realidade objetiva del Derecho consiste, parte em ser para la conciencia, en general, un llegar a ser conocido; y, parte, en tener la fuerza de la realidad y ser válido, y por lo tanto, ser conocido también como lo universalmente válido.” (Filosofia Del Derecho, Guillermo Federico Hégel, editorial Claridad, Buenos Aires, 1955, p. 183)

“El derecho, que se presenta a la existencia en forma de ley, es por sí y se opone autónomamente a la voluntad particular y opinión del derecho y debe hacerse válido como universalidad. Este reconocimiento y esta realización del derecho em el caso particular, sin el sentimiento subjetivo del interés particular, concierne a un poder público, al magistrado.” (Filosofia Del Derecho, Guillermo Federico Hégel, editorial Claridad, Buenos Aires, 1955, p. 190)

Ao julgar o juiz deve avaliar o caso de maneira impessoal, deve levar em conta a Lei e apreciar com o devido cuidado todas as provas. Se por alguma razão particular (ódio ao réu, amor fraternal aos inimigos dele, etc…) o magistrado não conseguir fazer isto ele deve se considerar suspeito ou impedido. Todo réu, seja ele quem for, tem direito a um julgamento isento. A falta de isenção do juiz ou a suspeita razoável de que ele agiu com parcialidade* compromete a higidez de qualquer decisão judicial.  

Sérgio Moro diz na sentença que não teve tempo de ler os documentos juntados pela defesa. Todavia, ele encontrou tempo para analisar todos os documentos no caso da esposa de Eduardo Cunha. A má vontade dele para com Lula é evidente e inexplicável. O juiz não julga a pessoa do réu levando em conta sua origem social, situação econômica ou preferência política. Ele julga processos e deve julgá-los utilizando as mesmas regras legais, atendo-se sempre ás provas que foram produzidas em cada caso. A observação do juiz da Lava Jato de que não teve tempo para analisar os documentos do processo (goste ou não Sérgio Moro tinha o dever funcional de analisar todas as provas em todos os processos) só se explica se considerarmos a condenação como produto da vontade e não como fruto do livre convencimento jurídico do juiz.

Segundo Hegel, o magistrado deve abstrair sua personalidade durante ato de julgar.  Em algumas passagens da sentença Sérgio Moro deixa bem claro que não conseguiu fazer isto. Ao invés de se limitar a julgar o réu com base na prova levando em conta a Lei, o juiz da Lava Jato emitiu julgamentos sobre si mesmo e sobre a atividade de julgar, como se quisesse condicionar a apreciação da sentença que proferiu.

O poder/dever conferido ao juiz não está em questão quando ele profere seu julgamento. Se ele tem competência para julgar o réu, a decisão deve ser proferida sem qualquer preocupação acerca da opinião pública ou publicada. Se ele não é competente para apreciar aquele caso, a sentença terá que ser proferida por outro juiz (aquele que tiver competência para julgar o processo).

Transferida para a sentença, a insegurança de Sérgio Moro revela apenas sua incapacidade de julgar Lula sem o necessário distanciamento. E neste caso a sentença, motivada pela vontade do juiz, não tem qualquer valor jurídico.  

Certa feita, fui intimado a comparecer a audiência de justificação numa Medida Cautelar. O processo havia sido ajuizado contra os diretores do Sindicato que eu defendia, mas o objeto da ação se referia ao ato da pessoa jurídica (uma decisão proferida pela assembléia da pessoa jurídica). Mesmo sabendo que o prazo para defesa não estava correndo levei a contestação escrita á audiência. Da defesa constava uma bem elaborada e documentada preliminar de ilegitimidade de parte.

O juiz, meu ex-professor de Direito Civil na Faculdade de Direito de Osasco, não só se recusou a receber a contestação como nem mesmo quis ouvir minha arenga sobre a impossibilidade de impor ao terceiro os efeitos da decisão cautelar que estava sendo requerida contra meus clientes. A audiência foi tensa. O juiz concedeu a liminar e ao fim da mesma me ofendeu pessoalmente.

Disse ele que tudo era mais fácil quando o advogado sabia advogar e que eu havia colocado tudo a perder ao me indispondo com o juiz. Com uma frieza glacial, disse-lhe imediatamente que o Estatuto da OAB me garantia o direito de não atuar com destemer e que tudo seria muito melhor se o juiz mantivesse a eqüidistância das partes e fosse capaz de se distanciar do ódio que o advogado eventualmente lhe despertou.

A liminar concedida pelo juiz afetava os interesses do Sindicato. Logo, no dia seguinte fui ao Fórum com uma colega despachar o Agravo de Instrumento interposto pelo terceiro prejudicado. Após analisar o recurso ele nos chamou na sala dele e disse a minha colega que iria revogar a decisão, mas não queria publicidade negativa porque o caso já havia ganhado proporções jornalísticas. Minha colega prometeu não levar a revogação da decisão á imprensa. Eu fiquei calado. Primeiro fiz cumprir a decisão restabelecendo a situação anterior á concessão da cautela, depois avisei os jornais locais.   

Dias depois do incidente, fiz juntar no processo uma cópia da matéria jornalística: JUIZ VOLTA ATRÁS… Eu não havia prometido nada ao magistrado. Através de amigos no Fórum, fiquei sabendo que ele despachou a petição com o jornal dando murros na mesa.

Aquele episódio desagradável para todos e especialmente traumático para o juiz não teria ocorrido se ele julgasse a Medida Cautelar com o devido distanciamento. Mas ele queria dar a decisão que deu e tinha que amargar as consequencias negativas de seu ato voluntarioso. Ao que tudo indica o mesmo irá ocorrer agora com Sérgio Moro. Talvez assim, ele aprenda que não está isolado numa torre de cristal da qual ele pode ditar o Direito segundo sua vontade imperial.

 

 

*Sobre a parcialidade ou imparcialidade do juiz vide https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/jacques-verges-e-a-autodestruicao-da-imparcialidade-do-juiz-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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