1964-2016: semelhanças e diferenças econômicas

O golpe de 2016 foi sendo lentamente gestado por Michel Temer e seus aliados desde antes da eleição de 2014. Primeiro ele fez o que era necessário para ser aceito como vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff.  Finda a eleição, Temer se mostrou fiel ao programa de governo petista. Depois ele promoveu a grande mudança na orientação econômica dentro do PMDB e começou a demonstrar publicamente que discordava da política econômica do governo.

Temer reclamou porque Dilma Rousseff não aceitava suas propostas. Vazou a cartinha endereçada à presidenta. E começou a movimentar peças no Congresso Nacional e no STF para garantir sua posse em caso de Impedimento de Dilma Rousseff. O sucesso dele acarretou uma acelerada deterioração da economia brasileira.   

A estratégia de Michel Temer e seus aliados não pode ser considerada muito sofisticada. Eles se apropriaram das propostas neoliberais tucanas para garantir o apoio do PSDB no Congresso e na imprensa durante o Impedimento. Mas o principal objetivo de Temer e dos seus comparsas  era e continua sendo político: sobreviver à Lava Jato. Isto explica o usurpador ter nomeado Ministros vários investigados (muitos dos quais poderiam delatá-lo). Também explica como e porque ele comanda de forma desengonçada um país que marcha resolutamente para o precipício.

O golpe de 2016, portanto, difere muito do de 1964. Os civis e militares que rasgaram a constituição de 1946 tinham medo de ser tratados como criminosos caso João Goulart conseguisse derrotá-los. Mas até então eles não eram criminosos. Em 2016 políticos perseguidos pela justiça e suspeitos de terem cometidos crimes financeiros deram um golpe de estado para garantir sua própria impunidade.

Aqueles que chegaram ao poder em 1964 e reforçaram a centralidade política do poder militar em 1968 eram autoritários e nacionalistas. Os golpistas atuais flertam com o autoritarismo, mas querem desnacionalizar a economia brasileira. O objetivo mais importante dos golpistas de 1964 era industrializar e desenvolver o Brasil sob seu controle e sem a participação do povo. O de Michel Temer e seus lacaios no Congresso e no STF é apenas transformar o Estado numa cidadela distante dos brasileiros, dentro da qual apenas os políticos, militares, juízes e promotores poderão desfrutar salários nababescos, mordomias senhoriais e aposentadorias diferenciadas em relação à população.

Após o golpe de 1964 os militares expandiram a malha rodoviária brasileira. Isto se refletiu num aumento da participação do transporte rodoviário de 68,4% em 1964 para 72,2% em 1973, com um recuou no transporte marítimo (15,2% em 1964 para 11,7% em 1973) e a estagnação do transporte ferroviário (16,3% em 1964 para 16,0% em 1973). Como intérprete do pensamento dominante durante a Ditadura coube aos militares “…realizar uma verdadeira transformação no quadro dos transportes do Brasil e particularmente no setor rodoviário, pelo admirável conjunto de obras gigantescas que foram construídas em pouco tempo.” (Os transportes no atual desenvolvimento do Brasil, coordenação do General João Baptista Peixoto, Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, p. 108).

A distorção provocada pelo aumento do transporte rodoviário e a estagnação do transporte ferroviário não passou despercebida pelos planejadores da ditadura militar.

“Tendo em vista, pois, elevar o sistema ferroviário nacional a nível compatível com as necessidades do desenvolvimento econômico e com as circunstâncias impostas pela crise energética mundial, em outubro de 1974 foi aprovado pelo Presidente Geisel um Programa para aplicação de Cr$ 30,5 bilhões no setor ferroviário, durante o qüinqüênio de 1975 a 79.”  (Os transportes no atual desenvolvimento do Brasil, coordenação do General João Baptista Peixoto, Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, p. 136).

Um dos objetivos mais importantes da ditadura militar era promover a industrialização e a modernização tecnológica do país. Em relação ao setor siderúrgico (que no final da década de 1960 e na década de 1970 era considerado um importante indicativo de desenvolvimento econômico) várias medidas foram tomadas para modernizar e aumentar a produção interna de aço. Maria Amélia M. Dantes e Joseleide Souza Santos destacam as seguintes medidas:

“1968-1969 – Política de preços que favorece o setor siderúrgico.

1969 – Decreto-Lei n. 569, isentando do pagamento de direitos, durante trinta meses, a importação de matérias-primas, material de consumo, equipamentos e peças sobressalentes, destinados à modernização e/ou implantação das empresas produtoras de laminados de aço.

1970 – Recursos do BNDE são repassados pelo Ministério das Minas e Energia às indústrias siderúrgicas.

1973 – Revisão do Plano Nacional de Siderurgia, objetivando ampliar as metas anteriormente estipuladas; começam os estudos para a construção de uma grande usina no Maranhão (para a produção de semi-acabados, com a participação de recursos externos, da Cia. Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional, utilizando o minério de ferro de Carajás). Outras usinas do período: 1972, Cia. Siderúrgica da Guanabara; 1973, Aços Finos Piratini; 1973, Siderúrgica da Amazônia; 1973, consolidação da produção de aço da Usina Siderúrgica da Bahia.

É constituída a Siderbras, holding das empresas estatais, coordenadora e gestora de todas as empresas sob o controle direto ou indireto da União.” (Tecnologos e Industrialização no Brasil – uma perspectiva histórica, Shozo Motoyama – organizador, Editora Unesp, São Paulo, 1994, p. 236)

Além de planejar e possibilitar a industrialização do país, de ampliar a capacidade rodoviária e ferroviária do Brasil, a ditadura militar realizou a maior obra de engenharia daquele período para garantir que haveria energia elétrica suficiente para movimentar máquinas e equipamentos industriais. A construção de Itaipu revelou ao mundo a competência de nossa diplomacia e a capacitação da construção civil brasileira.

Na época as relações entre os governantes e os empresários dos dois países eram amistosas e produtivas. Apesar disto os jornais O Globo e O Estado de São Paulo espalharam o boato de que havia uma corrida armamentista entre Brasil e Argentina. No início de 1973 O Globo noticiou que a Argentina comprou foguetes AS-11 e AS-12, de fabricação francesa, com alcance de tres quilometros. Na mesma época, O Estado de São Paulo divulgou que o Brasil adquiriu 16 caças Mirrage para consolidar seu poderio aéreo.

A possibilidade de confronto militar não era descartada. Frustrados com o fim da Guerra do Vietnã, os fabricantes de armamentos norte-americanos chegaram a acreditar que poderiam lucrar com uma guerra entre a Argentina e o nosso país.

“… assim se iniciam as guerras nos países subdesenvolvidos. O termo da guerra no Vietnã deixava acumuladas e prestes a tornarem-se definitivamente inservíveis, milhares de toneladas de material bélico. Por sua vez, as fábricas norte-americanas encontravam-se diante do fantasma da paralisação e reconversão em indústrias de paz.

Portanto, os agenciadores de vendas de armamentos vêem suas tarefas acrescidas de forma a colocar tais produtos. Isto veremos mais adiante. Ao Governo norte-americano será mil vezes melhor que Brasil e Argentina adquiram dois bilhões de dólares desses equipamentos, do que igual quantia em turbinas e outros materiais para montar centrais elétricas, suscetíveis de produzir manufaturados que irão agravar ainda mais a difícil situação das indústrias estadunidenses. A paralisação de numerosas fábricas ou o incremento da capacidade ociosa, ante a concorrência que fazem até mesmo às empresas norte-americanas que preferem instalar-se no Terceiro Mundo e utilizar o baixo preço das matérias primas e da mão de obra no local, cada vez mais preocupam os Estados Unidos.

Portanto, a instigação dos nativos ingênuos para conflitos do tipo Paquistão-Bengala, Tanzânia-Uganda, Congo-Kinshasa, Israel-Árabes, Iraque-Koweit etc., etc. serve perfeitamente ao duplo objetivo de gradualizar a reconversão das indústrias de guerra e de aliviar a competição do Terceiro Mundo com a indústria dos Estados Unidos, Alemanha e França, ávidas por mercados.

O caminho para iniciar esse empreendimento macabro passa pelas agências de notícias que forjam as tensões, adulteram as palavras colocadas na boca de chefes de Estado e personalidades influentes. Os jornais, sequiosos de aumentar a vendagem com o que podem elevar as tarifas de anúncios, recebem esse precioso material de escândalo e de guerra de nervos e ampliam os tipos das manchetes.” (Itaipu – prós e contras, Osny Duarte Pereira, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974, p. 163/164).

Alguns anos mais tarde a ditadura brasileira começaria a chegar ao fim, não por causa de uma guerra externa (que foi evitada para desespero dos fabricantes de armamentos norte-americanos e seus prepostos nos jornalões de São Paulo e Rio de Janeiro), mas por causa do endividamento externo provocado pela crise do petróleo. Celso Furtado, contudo, discordou desta versão simplificada dos fatos:

“… sob pressão da alta dos preços do petróleo, os termos do intercâmbio externo se degradam com rapidez: a baixa em dois anos foi de 21 por cento, o que significa uma perda do produto Interno da ordem de 1,5 por cento. (Convém ter em conta que essa perda constituía um retorno à situação de 1967-68, no que respeita aos preços relativos de exportações e importações). Por outro lado. ao impulso de uma política expansionista – a taxa de crescimento do índice geral de preços dobra entre 1973 e 1974 – em situação de rigidez da oferta interna, a possibilidade de endividamento externo criou a falsa euforia de que tudo continuaria como antes, sendo a turbulência externa um incidente passageiro. Esse falso diagnóstico levou a abrir as portas às importações, cujo volume físico aumentou em 33,5 por cento em 1974, enquanto o das exportações declinava em 1,4 por cento. O saldo negativo da conta corrente da balança de pagamentos alcançou nesse ano 7 por cento do Produto Interno, o que permitiu que crescesse a inversão mais intensamente que o Produto, enquanto declinava a taxa de poupança, gerando um deslocamento estrutural da economia que marcaria os anos seguintes. Em dólares, o valor das importações, que havia sido de 4,2 bilhões em 1972 e de 6,2 em 1973, salta para 12,6 bilhões no ano seguinte. Em síntese: os custos marginais deviam estar crescendo fortemente, sob a ação conjunta da plena utilização da capacidade produtiva na indústria e da degradação dos termos de intercâmbio externo; isso não obstante, em 1974 os investimentos aumentaram em 18,4 por cento, em termos reais, com respeito ao ano anterior. É natural, portanto, que se hajam formado tensões na economia de profundidade muito maior do que as provocadas pelas turbulências de origem externa.” (O Brasil Pós-“Milagre”, Celso Furtado, Paz e Terra, São Paulo, 1981, p. 44-45)

Após o golpe de 1964, os militares planejaram o desenvolvimento econômico capitalista do Brasil num ambiente político autoritário em que o Estado ocupava um papel importante. Apesar de dar prioridade aos investimentos em infra-estrutura e realizar esforços para produzir a modernização tecnológica e industrial do país, eles não congelaram o orçamento destinado à educação e saúde. Muito pelo contrário, eles promoveram a criação de diversos cursos profissionalizantes e preservaram e ampliaram um pouco (muito pouco é verdade) as vagas nas universidades públicas.

A relevância do Estado brasileiro para os golpistas de 2016 é inexistente. Além de congelar investimentos em saúde e educação, eles querem liquidar e privatizar tudo aquilo que foi planejado e executado pelos governos Lula e Dilma Rousseff. O Ministro da Educação de Michel Temer pretende reduzir o número de vagas nas universidades públicas e comemorou a extinção do programa “Ciência sem Fronteiras”. O pré-sal e a Petrobras serão entregues a investidores estrangeiros a preço de banana. Os juros, mantidos em níveis estratosféricos, transferem diariamente dezenas de milhões de reais dos cofres públicos para Bancos privados que não tem e não querem ter qualquer responsabilidade social (alguns deles notórios sonegadores de impostos). Nenhum país do mundo se expôs de maneira tão irracional e perversa aos investidores (ou melhor aos predadores de curto prazo) internacionais.

“O montante de investimentos numa economia planificada, é determinado de antemão; é uma deliberação consciente dos responsáveis pela economia, que resulta do equacionamento do desejo da sociedade de consumir no presente e expandir a produção, portanto, de consumir mais no futuro. Numa economia capitalista o montante de investimentos é determinado pelas decisões contraditórias de milhares de indivíduos independentes, que agem tendo em vista o seu interesse pessoal. Não é possível prefixar o montante de investimentos numa economia capitalista, embora seja possível isolar os principais fatores que o condicionam e estudar sua evolução. Podemos dizer que é a inflação e o volume  de investimentos públicos os principais fatores que condicionam o montante geral dos investimentos no Brasil, cuja parte variável, impossível de ser pré-determinada, é constituída evidentemente pelos investimentos do Setor Privado.” (Desenvolvimento e crise, Paul Singer, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, p. 111)

Segundo Celso Furtado um erro de diagnóstico acelerou a degradação econômica do Brasil em meados da década de 1970. O novo erro de diagnóstico cometido pelos golpistas certamente vai acelerar a decadência precoce do governo Michel Temer.

Os arquitetos políticos do golpe de 2016 acreditaram que se apropriando das propostas neoliberais do PSDB eles teriam apoio incondicional dentro e fora do Brasil. Quando o país voltasse a crescer de maneira acelerada (em razão de uma avalanche de investimentos externos) eles poderiam consolidar o poder e forjar a própria impunidade. Ledo engano.

Por mais que a imprensa tente manter o otimismo, o isolamento diplomático do Brasil provocado pelo golpe está produzindo uma verdadeira depressão econômica. Os investimentos internacionais não cresceram e nada indica que eles irão realizar as expectativas neuróticas dos golpistas. O desemprego aumentou, o comércio encolheu e o fechamento de milhares de lojas não é um estímulo para a recuperação da indústria. Se o Estado não voltar rapidamente a ocupar um papel central na economia a catástrofe será ainda maior quando a arrecadação despencar de vez.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Esse projeto não dura muito.

    Esse projeto não dura muito. O problema é COMO recuperar o pré-sal e a petrobrás privatizadas ??? O PT é covarde demais para isso. PSOL não tem coragem sequer para se propor a sério como governo, e nossos militares são PUTAS dos estrangeiros.

    O Saque, por menos que dure, vai condenar o país a miséria por décadas, senão por séculos, os golpistas vão todos desfrutar do Butim, e vão contar com a proteção dos militares para não ir para a cadeia, em torno da pactuação Nacional.

    Vai todo mundo desfrutar em Miaim, os estranggeiros vão virar  donos das riquezas Brasileiras, e a esquerda vai administrar terra arrasada, por um curto período, pois vai levar a culpa de toda a miséria que os golpistas promoveram.

    Esse país está morto !!!

    Só espero estar enganado e que os militares nos permitam a vingança pelos golpistas nos terem condenado a miséria, pois como boas PUTAS, jamais irão se preocupar com o pré-sal.

    Alias, nossos militares tem uma culpa enorme nessa tragédia, pois jamais se preocuparam com a soberania do Brasil. PAra eles, ameaça a Soberanis Nacional são os maconheiros de DCE, tanto que eles não acompanham a cooperação da lava-jato com autoridades estrangeiras, permitem o desmonte do projeto dosubmarino Nuclear, mas e preocupam em infiltrar gente em DCE´s que não querem saber de revolução, só de gfumar maconha e de pós-modernismo.

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