Julian Assange e Edward Snowden, vidas quase paralelas

Ambos são anglófonos, especialistas em sistemas da computação e resolveram correr riscos pessoais para divulgar informações sigilosas dos EUA. Ambos correm podem morrer ou ficar presos pelo resto da vida caso caiam nas mãos das autoridades norte-americanas. As semelhanças entre ambos acabam aqui.

 

Julian Assange é um ex-hacker condenado pela Justiça australiana que enveredou pelo jornalismo investigativo pós-moderno. Snowden desenvolveu as habilidades necessárias para ser um hacker, mas nada indica que tenha cometido atos infracionais ou criminosos quando era adolescente.

 

Ambos são apaixonados por criptografia, mas Snowden a utilizou para proteger dados sigilosos que furtou da NSA antes de repassá-los aos jornalistas do The Guardian. Julian Assange desenvolveu um sistema criptografado que permite a informantes fornecerem material secreto preservando o anonimato. Tudo indica que Snowden conseguiu realizar seu objetivo. O mesmo não pode ser dito de Assange, cujo principal informante (Bradley Manning) foi localizado, preso, torturado e condenado há mais de 30 anos de prisão.

 

Snowden coletou o que podia e entregou aos jornalistas sabendo que sua vida nunca mais seria a mesma. Assange divulgou material sigiloso que lhe foi entregue por Manning acreditando que poderia continuar a ter uma bem sucedida carreira jornalística. O primeiro não se enganou, o segundo foi vítima de um auto-engano. 

 

Snowden agiu, ao que tudo indica, movido por genuíno patriotismo e em defesa do direito à privacidade prescrito em diversas Convenções Internacionais e na Constituição dos EUA. A princípio, a motivação de Julian Assange parecia nobre, mas ele tem sido profundamente questionado por alguns de seus ex-colaboradores.

 

Sob Assange pesa uma acusação de assédio sexual. Snowden não foi alvo de nenhuma acusação deste tipo. A credibilidade do australiano segue sendo controversa, a do norte-americano está intacta. 

 

Os materiais sigilosos divulgados por Assange chegaram às suas mãos por intermédio de um analista de computação descontente do Exército dos EUA. Snowden teve acesso pessoal aos segredos que divulgou. Portanto, podemos concluir que ao contrário de Assange o norte-americano fez uma seleção prévia daquilo que considerou relevante para a sua tese de defesa da privacidade dos cidadãos norte-americanos e das potências amigas. 

 

Os segredos entregues a Assange foram repassado a jornalistas e editados, depois, foram liberados na íntegra na internet. O material de Snowden foi repassado a jornalistas e editado, mas os originais seguem criptografados à disposição dele e de algumas pessoas fora da Inglaterra (os arquivos que estavam em poder do The Guardian foram destruídos a mando do GCHQ).

 

Todos os segredos divulgados por Assange (os videos de guerra e os memorandos diplomáticos) referiam-se a fatos passados e consumados. As revelações feitas por Snowdem referiam-se a programas de vigilância massiva na internet que estavam em curso nos EUA e na Inglaterra sob a batuta da NSA e da GCHQ respectivamente. 

 

A revelação dos segredos da guerra no Iraque tiveram um impacto maior dentro dos EUA. Fora daquele país, o furacão desencadeado por Assange parece ter apressado a retirada das tropas norte-americanas do Iraque e provocado a reorientação da política militar dos EUA (que passou a enfatizar o uso de drones de combate ao invés de tropas de ocupação). A revelação por Snowden dos programas de vigilância massiva na internet e dos grampos nos celulares de governantes de países aliados dos EUA desencadeou uma reação internacional bem mais forte, levando Brasil e Alemanha a apresentar um Projeto de Resolução na ONU proibindo o que vinha sendo feito pela NSA e GCHQ. O fabricante do F-18 perdeu a concorrência para vender caças ao Brasil inclusive por causa das invasões à privacidade das comunicações da presidente Dilma Rousseff.

 

Após fazer suas revelações, Snowden parece ter encerrado sua carreira de informante. Mesmo preso numa Embaixada em Londres há bastante tempo, Assange segue tentando se manter na crista da onda. Em certo momento o australiano tentou assumir a paternidade das revelações feitas por Snowden, mas ao que tudo indica o norte-americano preferiu manter uma distância segura do Wikileaks. 

 

Assange e Snowden pertencem à primeira geração de especialistas em informática e criptografia que usou suas habilidades para desafiar o establishment. Outros certamente virão, inclusive por causa da admiração que devotam a estes dois homens cujas vidas já se tornaram memoráveis.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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