Como superar o uso do obscurantismo na política

Para que um país avance em temas de valores, para que o obscurantismo não tenha sucesso, é necessário que os políticos candidatos a executivo atuem como líderes. Como líderes corajosos.

De um post : “…e os mais ruidosos homofóbicos – como esse inacreditável Silas Malafaia – são disputados por políticos de todos os partidos.”

Isso tem acontecido. Desde maio/2012, por exemplo, com a participação na Marcha para Jesus, Malafaia é cortejado por Lindbergh, que também se dispôs a defendê-lo em discurso no Senado, na mesma época. E isso ocorreu apesar do apoio de Malafaia a Serra, antagonista de Haddad, do mesmo partido de Lindbergh. E o cara-de-pau ainda ofereceu apoio a Eduardo Campos (não obstante não ser conhecida resposta a essa oferta.) Certamente Malafaia, psicólogo de formação, conhece Teoria dos Jogos e o Dilema do Prisioneiro.

No momento atual, Lindbergh visita templos quase todo fim de semana. Mas existe alguma tese de Malafaia que Lindbergh endosse? É só um exemplo do nonsense. Para a militância do PT isso é justificado pela ‘realpoltik’, afinal, Garotinho e Crivella, fundamentalistas de marca, não genéricos, dividem metade dos votos no RJ.

Mas pelo menos esse, o uso da homofobia na política, é um problema de fácil solução para a política nacional (as razões para meu otimismo a respeito já foram muitas vezes expostas e não cabe repetir aqui.) Propor projetos para o desenvolvimento econômico e social (educação, saúde) e muitas outras coisas é muito mais difícil.

Veremos, porém, com o exemplo da homofobia, como questões obscurantistas em geral (frequentemente ligadas ao ‘eixo de valores’) podem ser superadas.

Em Teoria dos Jogos há o chamado “Dilema do Prisioneiro”. Quando um prisioneiro aceita fazer o ‘jogo’ do investigador, ele tem vantagens em relação ao outro prisioneiro. Se os dois prisioneiros, no entanto, fazem o ‘jogo’, ambos perdem e só o investigador ganha. São necessárias várias rodadas de jogo até os participantes prisioneiros perceberem que se nenhum dos dois fizer o ‘jogo’ do investigador, ambos ganham. (No caso, a solução favorável para os prisioneiros é um não delatar ao outro, é colaborarem entre si.)

Com a manipulação de temas de valores na política ocorre o mesmo. Substituindo-se ‘prisioneiro’ por ‘candidato’ e ‘investigador’ por ‘manipulador/fundamentalista/obscurantista’.

Pastores envolvidos em política (e Malafaia é dos poucos que não busca cargo eletivo exatamente para transitar por todo o espectro político) precisam de um discurso, de algo para mostrar serviço aos seus seguidores. Em geral são variações do discurso ‘medo do fim da família’, que passa por aborto, drogas, criminalização de menores e, também, homofobia.

Homofobia é usado no momento porque é o mais ‘urgente’, por ser o discurso mais frágil do gênero. Tanto pastores como estrategistas políticos sabem que podem ‘enrolar’ com os outros temas. Afinal, a maioria da população ainda é contra o aborto, é contra a descriminalização da maconha e (lamentavelmente) é maciçamente a favor da redução da maioridade penal. Isso tudo poderá render, portanto, uma década de manipulação.

Mas a maioria da população já é favorável à criminalização da homofobia (e é por isso mesmo que nenhum pastor-político propõe plebiscito para isso) e perto da metade é favorável a casamento gay. Fora pastores-políticos, Olavo de Carvalho e dois jornalistas da Veja (Guzzo e Azevedo) quem mesmo tem coragem de dizer, hoje em dia, que é contra os direitos civis para LGBTs? Ainda mais com o avanço recente desse tema por vários países da Europa e das Américas?

No fundo (e é relevante repetir que isso se dá, aqui, diferentemente da questão do aborto e da maconha) é uma minoria da população que imagina que sua vida será melhor se LGBTs forem reprimidos. Mesmo uma pessoa preconceituosa e/ou propensa a acreditar em discursos manipulativos, acaba percebendo que se seus vizinhos gays não casarem, sua vida não irá melhorar. Os vizinhos continuarão gays, continuarão vizinhos e continuarão morando juntos. (Propor plebiscito para casamento gay, como quatro deputados governistas sugerem agora, além de inconstitucional, é tolo. No período de um ano será fácil explicar para a opinião pública que dois gays casando não alteram em absolutamente nada a vida de ninguém além deles, é apenas a correção de uma injustiça histórica.) Homofobia é mera mesquinharia sem benefício para o homoóbico.

Mas ainda há uma minoria homofóbica que vota. E os políticos podem reagir a isso de três maneiras, como no ‘Dilema do Prisioneiro’.

1)     Um político (laico), julgando-se ‘esperto’, tentará obter os votos com esse discurso homofóbico (repetindo: isso é apenas possível no curto prazo, enquanto o Congresso não vota os projetos antidiscriminatórios, razão porque são engavetados por enquanto, para que essas tentativas prossigam.) Não é necessário sequer esse político reproduzir esse discurso (o que obviamente pegaria muito mal para ele), basta ele concordar em colaborar para barrar projetos pró-LGBT que os pastores cuidarão de elogiá-lo em púlpito. Se apenas um político (no caso candidato a executivo) participar do jogo, sai ganhando, ao receber os votos (de cabresto) por indicação. (No Dilema do Prisioneiro a situação equivalente seria a do prisioneiro que delata o companheiro e ganha redução de pena. O investigador ganha uma condenação possível, assim como os pastores ganham um político a seu favor.)

2)     Dois ou mais candidatos ao mesmo cargo tentam fazer o mesmo jogo. Isto é, posam de ‘conservadores morais’. Esta é uma situação em que políticos laicos apenas perdem. No Dilema do Prisioneiro é equivalente a quando os dois prisioneiros delatam um ao outro. O investigador obtém duas condenações e nenhum prisioneiro obtém redução de pena. É exatamente o que aconteceu em 2010. A campanha da situação (Dilma) pretendia obter a simpatia do voto conservador. Para isso firmou alianças, já em maio/2010, com PSC, PR e PRB. Seria uma tentativa do caso ‘1’. Só que a campanha de Serra viu isso e, sabendo que junto ao público não-conservador moral já estava perdendo, tentou atrair para si o voto fundamentalista. Fez isso de modo desordenado e apelativo. O resultado foi o que se viu: os candidatos não saíram de suas posições relativas (não ganharam votos com a divisão do fundamentalismo, ou seja, nenhum obteve ‘redução de pena’), ambos ficaram com o currículo de políticos laicos maculado pelas concessões ao fundamentalismo. Apenas os partidos fundamentalistas saíram valorizados.

3)     O modo racional de sair da armadilha, para políticos laicos, é combinarem entre si não caírem no jogo do manipulador. Isso é equivalente aos dois prisioneiros que combinam entre si não delatar ao outro. O investigador não pode prendê-los e ambos ficam soltos ou com redução de pena por falta de provas.

Já vimos que na política nacional não é mais possível apenas um forte candidato a executivo usar o discurso conservador. Isso só pode dar certo em eleições com apenas um turno. Mas no Brasil, com tantos políticos dispostos a posarem de conservadores morais, logo no início todos farão romarias e visitas a templos. E mesmo que não o façam antes do 1º turno, os dois que forem ao 2º turno terão três semanas para se comprometerem com o atraso, dividindo os votos. Essa estratégia, portanto, não dá um diferencial para os candidatos e as pessoas passam a votar em função de coisas realmente relevantes (e deveria ser apenas estas em pauta desde o início), com o atraso moralista remanescendo inconteste.

Assim, se em 2014, tanto Dilma como Aécio e Eduardo Campos se calarem a respeito de homofobia (ou de qualquer outra questão, mas homofobia e redução de maioridade penal são as do momento) nenhum terá ganho eleitoral expressivo com isso. Os eleitores (talvez uns 20%) que acreditam no discurso homofóbico terão que escolher em função dos discursos sobre saúde, educação e emprego mesmo.

Por outro lado, se os três candidatos (ou pelo menos os dois na dianteira)  combinassem entre si defender o avanço (e isso vale para qualquer questão) novamente o público reacionário fica sem escolha óbvia, e aí passa a decidir em função de coisas realmente sérias. Mas o discurso do atraso não sairia favorecido!

É assim que o uso manipulativo da homofobia na política é uma falsa questão. Ele não ocorre por desejo da maioria da população. Não pode ser imposto por políticos que representam apenas 13% da Câmara. Não representa ganho para ninguém a não ser para os Malafaias, Felicianos e Bolsonaros.

O uso manipulativo do obscurantismo  ocorre porque 3 ou 4 políticos não querem combinar entre si uma pauta mínima de avanço. Cada um, individualmente, acha que poderá obter ganhos. Todos fazem o mesmo jogo e todos perdem. Somente os conservadores saem valorizados. E conseguem que alguns projetos sejam arquivados ganhando com isso mais 4 anos pra posar de ‘defensores da família’.

No caso de questões LGBT, insisto, isso logo terá solução no Brasil. Continua havendo pressão de militantes LGBT pela criminalização da homofobia (afinal, de que modo se conseguiu que 77% dos brasileiros fossem favoráveis?), continua havendo pressão para que os ministérios desenvolvam programas de combate à homofobia, é crescente a simpatia da mídia e da opinião pública. Chegou-se a um ponto em que associar-se a discurso homofóbico é contraproducente aos candidatos a executivo.

Mas o raciocínio pode ser usado para muitos e muitos outros problemas.

O Brasil não ganha nada com a manutenção de jovens na ignorância sobre educação sexual. Não ganha nada com a fracassada guerra às drogas. Não ganha nada com a redução da maioridade penal (no programa de TV de PMDB, PR, PSC e PP.) Não ganha nada com o abandono da revisão do Código Penal. Não conheço muito do assunto, mas parece que não ganhará nada com os retrocessos em relação a educação inclusiva ou demarcação de terras indígenas.

Se a economia e a sociedade brasileira não ganham nada com discursos do atraso, porque os principais candidatos se calam sobre isso? Apenas porque acham que conseguirão mais votos assim.

Só que não conseguem, pois essa estratégia é facilmente copiável em eleições de dois turnos. Estão se comportando como prisioneiros que se delatam entre si.  Apenas estão amarrando o país a conceitos antigos. E os únicos favorecidos são candidatos obscurantistas a legislativo, que podem dizer para seus públicos “eu consegui que A ou B barrasse o projeto XPTO.”

Não importa que 80 a 90% da população brasileira tenha caído no conto da redução da maioridade penal. Ou no da criminalização da maconha. Sabemos que sofismas os mais variados, combinados com a desinformação em relação ao que se desenvolve na academia ou em outros países, é capaz de convencer até pessoas com ensino superior. Cansamos de ver isso, não?

Para que um país avance em temas de valores, para que o obscurantismo não tenha sucesso, é necessário que os políticos candidatos a executivo atuem como líderes. Como líderes corajosos.

É necessário que defendam teses para o avanço, ainda que impopulares. É necessário que combinem isso com seus principais pares, ainda que antagonistas. É necessário que tenham a coragem de abdicar do voto fácil que se ganha com o discurso fácil do obscurantismo. Que se pensa que se ganha fácil, pois vimos que quando todos usam esse recurso, não dá em nada. É necessário, portanto, que sejam inteligentes para perceber isso.

Desenvolver planos de desenvolvimento econômico é difícil. Desenvolver uma reforma tributária racional é difícil. Escolher que gargalo de infraestrutura é melhor atacar primeiro, é difícil. Desenvolver modelos de educação e saúde para uma população envelhecendo a olhos vistos é difícil. Essas temas deveriam absorver a energia dos nossos políticos.

Só que ficam discutindo se os gays vizinhos podem ter registro civil de casados? Ficam discutindo se a vizinha viajará para algum lugar fazer aborto legal (o horror classista e hipócrita desta questão é que não é proibido a brasileiras realizarem o aborto, é proibido fazê-lo no Brasil), ficam discutindo se o filho de outro vizinho deve inchar ainda mais as cadeias por ter fumado maconha.

Mas lidar com o obscurantismo é fácil.

Basta ser inteligente, corajoso e disposto a conversar com pares.

Basta ser líder.

Redação

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