A corrupção nos Estados Unidos

Muito bom artigo no Estadão, sobre corrupção nos países de primeiro mundo. Para quem pensa que isso só existe no Brasil…

A onda global de crimes corporativos Nos países desenvolvidos, a ligação cada vez maior entre políticos e grandes empresas causa uma rotina de subornos, fraudes e negociatas de dar inveja às nações mais pobres 08 de maio de 2011 | 0h 00

 Jeffrey D. Sachs, do Project Syndicate – O Estado de S.Paulo

O mundo está se afogando em fraudes corporativas e o problema parece ser mais grave nos países mais ricos, aqueles que supostamente contam com um “governo responsável”. Os governos dos países pobres, provavelmente, aceitam mais subornos e cometem mais crimes, mas é nos países ricos – anfitriões das empresas multinacionais – que as infrações de maiores proporções são observadas. O dinheiro move montanhas e está corrompendo políticos em todo o mundo.

É difícil que haja um dia em que não venha à tona um novo caso de práticas administrativas questionáveis ou ilegais. Ao longo da última década, todas as firmas de Wall Street pagaram multas significativas por causa de algum episódio de fraude contábil, negociatas, fraude com valores mobiliários, operações fraudulentas de investimento e até apropriação indébita por parte de diretores executivos.

Uma grande quadrilha que promovia transações valendo-se de informações privilegiadas está sob julgamento em Nova York e a investigação implicou alguns dos principais nomes do mundo financeiro. Isso ocorre após o pagamento de uma série de multas aplicadas aos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos como punição por várias violações relacionadas à negociação de valores mobiliários.

No entanto, o que mais se vê é a impunidade. Dois anos após a maior crise financeira de todos os tempos, abastecida pelo comportamento inescrupuloso apresentado pelos maiores bancos de Wall Street, nem um único comandante de uma instituição financeira foi preso.

Quando as empresas são multadas em decorrência de práticas ilegais, o preço é pago pelos seus acionistas e não por seus diretores executivos. As multas nunca passam de uma pequena fração do lucro obtido de maneira questionável e, para Wall Street, a implicação disso é que a corrupção se mostra consistentemente lucrativa. Mesmo nos dias de hoje, o lobby dos bancos demonstra pouquíssima consideração pelos políticos e pelas autoridades reguladoras.

A corrupção é lucrativa também no âmbito da política americana. O atual governador da Flórida, Rick Scott, foi diretor executivo de uma grande empresa de saúde chamada Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo por meio do superfaturamento de reembolsos e acabou se declarando culpada de 14 delitos graves, pagando por eles uma multa de US$ 1,7 bilhão.

A investigação do FBI obrigou Scott a deixar o cargo. Mas, uma década depois de a empresa assumir a culpa, Scott está de volta, dessa vez apresentando-se como político republicano defensor do “livre mercado”.

Quando o presidente Barack Obama precisou de alguém capaz de ajudar no resgate da indústria automobilística americana, ele se voltou para Steven Rattner, conhecida figura de Wall Street, apesar de saber que ele era investigado por oferecer propinas a funcionários do governo. Depois de concluir seu trabalho para a Casa Branca, Rattner concordou em pagar uma multa de alguns milhões de dólares e, com isso, encerrar o caso.

Mas que motivo teríamos para nos ater apenas aos governadores e conselheiros presidenciais? O ex-vice-presidente Dick Cheney chegou à Casa Branca depois de trabalhar como diretor executivo da Halliburton.

Durante o período em que Cheney esteve à frente da empresa, a Halliburton envolveu-se na oferta de propinas ilegais a funcionários do governo nigeriano, conseguindo com isso o acesso às reservas de petróleo do país – cujo valor é estimado em bilhões de dólares.

Quando o governo da Nigéria acusou a Halliburton de suborno, a empresa preferiu chegar a um acordo fora dos tribunais, pagando uma multa de US$ 35 milhões. É claro que Cheney não sofreu nenhum tipo de consequência. A notícia quase não encontrou espaço na mídia americana.

Impunidade. A impunidade tornou-se um fenômeno generalizado – com efeito, a maioria dos crimes corporativos ocorre sem chamar atenção. Os poucos casos que são notados costumam acabar em algum tipo de repreensão formal e a empresa – leia-se, os acionistas – recebe uma modesta multa.

No alto escalão dessas empresas, os verdadeiros culpados não têm com o que se preocupar. Mesmo quando as companhias recebem multas consideráveis, seus diretores executivos permanecem no cargo. Os acionistas, de tão numerosos, veem-se em uma situação de impotência diante dos administradores.

A explosão da corrupção – nos EUA, na Europa, na China, Índia, África, Brasil e outros países – traz um conjunto de perguntas desafiadoras a respeito de suas causas e de como ela poderia ser controlada agora que atingiu proporções epidêmicas.

A corrupção corporativa fugiu ao controle por dois motivos principais.Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto os governos permanecem presos ao âmbito nacional. As grandes corporações contam com tamanho poder financeiro que os governos têm medo de enfrentá-las.

Segundo, as empresas são as principais financiadoras das campanhas políticas em países como os EUA, onde os próprios políticos, muitas vezes, estão entre os sócios delas, sendo, no mínimo, discretamente beneficiados pelos lucros corporativos. Cerca de metade dos congressistas americanos é composta por milionários e muitos deles mantêm laços com empresas antes mesmo de chegarem ao Congresso.

Como resultado, os políticos, com frequência, ignoram as situações em que o comportamento corporativo ultrapassa os limites. Mesmo que os congressistas tentassem fazer cumprir a lei, as empresas têm exércitos de advogados que tentam antecipar sua próxima jogada. O resultado é uma cultura da impunidade, com base na expectativa – amplamente confirmada – de que o crime compensa.

Levando-se em consideração a proximidade entre o dinheiro, o poder e a lei, o combate ao crime corporativo será uma luta árdua. Felizmente, o alcance e a rapidez das redes de troca de informações dos tempos atuais podem atuar como uma espécie de desinfetante ou como um fator de dissuasão.

A corrupção prospera nas sombras, mas, hoje em dia, um volume cada vez maior de informações vem à luz por meio de e-mails e de blogs, além do Facebook, do Twitter e de outras redes sociais.

Precisaremos também de um novo tipo de político, na vanguarda de um outro tipo de campanha, que tenha como base a mídia online gratuita em lugar da mídia paga. Quando os políticos puderem se emancipar das doações corporativas, eles recuperarão sua capacidade de controlar os abusos corporativos.

Além disso, precisaremos iluminar os cantos mais sombrios das finanças internacionais, em especial lugares como as Ilhas Cayman e os bancos suíços mais suspeitos. Os casos de evasão fiscal, oferta de subornos, remessa ilegal de fundos, propinas e outras transações passam por essas contas. A riqueza, o poder e a ilegalidade possibilitados por esse sistema oculto têm agora dimensões tão vastas que chegam a ameaçar a legitimidade da economia global, especialmente no momento em que a desigualdade de renda e os déficits orçamentários atingem níveis sem precedentes, graças à incapacidade política – e, em alguns casos, até mesmo operacional – dos governos de obrigar os mais ricos a pagar impostos.

Assim, da próxima vez em que souber de um escândalo de corrupção na África ou em alguma outra região empobrecida, pergunte-se onde a fraude se originou e quem seriam os corruptores responsáveis. Os EUA e os demais países “avançados” não deveriam apontar o dedo acusador para os países mais pobres, pois os responsáveis pelos problemas costumam ser as mais poderosas empresas multinacionais. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE COLUMBIA, DIRETOR DO EARTH INSTITUTE E CONSELHEIRO 
ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU PARA AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110508/not_imp716387,0.php

Luis Nassif

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