A Extraordinária vida do viajante Richard Francis Burton

A Extraordinária vida do viajante e explorador Richard Francis Burton

Recentemente tivemos publicados no blog um post sobre um comandante inglês anônimo que descrevia o Brasil e os brasileiros no inicio do século XIX de uma forma completamente ignorante,  e ontem um post sobre a expedição do norueguês Amundsen e sua incrível façanha no Polo Sul…

Isso tudo me fez lembrar de uma figura quase lendária, personalidade exuberante e aventureiro extraordinário, (sem duvida, o maior de todos), o capitão inglês Sir Richard Francis Burton, o homem, que pode-se dizer, forjou o século XX ainda no XIX. Uma espécie de “google” de carne e osso, uma inteligência assombrosa, que em determinada época de sua vida, veio morar bem perto da Praça da Sé, na modorrenta, pequena e provinciana São Paulo dos anos 60, no século XIX…

“Viver intensamente” é algo que o capitão Burton fazia a cada dia de sua vida. Quando se lê qualquer uma das muitas “grandes biografias”, (em todos os sentidos), lançadas sobre sua existência, a primeira sensação que fica é de incredulidade ou de como atualmente nossas vidas se tornaram tão prevísiveis e carentes de aventuras: “Não é possível que esse cara fez tudo isso !!”

Pois bem, vamos à um rápido “currículo” dos conhecimentos e aventuras deste viajante global: Burton foi  um escritor, tradutor, linguista, geógrafo, poeta, antropólogo, arqueólogo, sexólogo, orientalista, erudito, espadachim, explorador, agente secreto, diplomata britânico, etc, etc, e muitos etc. Ainda criança, Burton filho de um capitão inglês, por motivos de saúde deixou a Inglaterra e foi morar entre França e Itália. Logo cedo aprendeu a falar francês, italiano, dialetos locais, grego, latim e romeno. Posteriormente o português (sua esposa Isabel Arundel também era fluente em português). Burton e Isabel traduziram para o inglês várias obras brasileiras, (especialmente as de José de Alencar), além do que, Burton, antes mesmo de conhecer o Brasil, já tinha traduzido para o idioma de Shakespeare a obra Os Lusíadas, de Camões. Camões era sim, um dos grandes ídolos do inglês, de tanto que o admirava e pelo profundo conhecimento de toda a vida e obra do gigante português. Burton na juventude acabou expulso de Oxford, segundo ele, os seus professores eram todos ingleses medíocres e ignorantes. Continuando sua vida, Burton foi prestar serviço militar na India, lá aprendeu todos os dialetos e linguas do subcontinente que teve oportunidade. Aprendeu também o persa, o árabe e quase todas as suas variações. Ao todo, Burton falava fluentemente 39 linguas e dezenas de dialetos (inclusive o Tupi). Burton ainda tinha a capacidade de se expressar nessas línguas sem praticamente nenhum sotaque, o que ao lado de sua aparência “cigana” , foi de muita valia ao Império Britânico, já que ele podia se misturar com facilidade em qualquer grupo estrangeiro. De tanto estudar o Islamismo, o capitão que era protestante e casado em segredo com uma católica, acabou por se converter, sem assumir publicamente ou sequer à própria esposa, à religião de Maomé, (corrente sufista).  É de Burton, a primeira (e melhor) tradução de As mil e uma Noites diretamente para o inglês, português e outros idiomas, (ele não apenas traduziu, ele compilou as histórias árabes espalhadas em diversos escritos e transmitidas oralmente por contadores de histórias), traduziu também o Kama Sutra, e para vende-lo na Inglaterra vitoriana e escapar da censura, acabou por criar uma sociedade, onde ele vendia a “assinatura” dos capítulos traduzidos.
Além da tradução, o erudito inglês em suas “notas do tradutor” explicava e contextualizava todo o texto original para os leitores ocidentais.
Burton também foi fundamental no entendimento da vida sexual dos povos conquistados pelos britânicos. Sem rodeios ou pudores, o eminente orientalista descrevia as preferências e costumes sexuais dos povos do oriente para a puritana Inglaterra. Um desses relatos sobre um bordel homossexual indiano frequentado por soldados ingleses causou inumeros problemas para o explorador inglês. Foi a primeira vez que esse assunto foi tratado de forma tão precisa e detalhada. (o que era um padrão em seus escritos). Isso acabou levantando suspeitas sobre a própria sexualidade de Burton. O capitão costumava dizer que a melhor forma de se aprender um novo idioma era se deitando com uma mulher nativa. Não se deve duvidar pois quem disse isso foi simplesmente um dos maiores poliglotas de todos os tempos. 
Foi esse mesmo capitão inglês que revelou para as pudicas mulheres européias que as indianas faziam sexo não só para procriar mas também para o prazer do orgasmo. E havia manuais para explicar como fazer isso…
Paralelamente a essa profusão de conhecimentos, (Burton estudava, lia e escrevia em 4 grandes mesas que ele tinha em seu escritório, fazia tudo simultâneamente, pode se dizer que ele era um homem “multi-tarefa”). Ele escreveu 43 livros,  além de incontáveis manuscritos.  
O nosso explorador foi um dos primeiros ocidentais não muçulmanos, a participar da peregrinação à Meca (e voltar vivo de lá). Foi o primeiro ocidental e branco a entrar na temida cidade proibida de Harar (e voltar vivo de lá). Foi ele que descobriu junto com seu amigo e depois rival John Speke a nascente do Rio Nilo, no lago Vitória (e voltar vivo de lá).  Todas essas histórias foram relatadas por Burton em livros. Bem como por outros escritores. São todas histórias fascinantes e aventuras inigualáveis. 
Não vamos esquecer que naquela época tudo o que Burton tinha eram os relatos orais de viajantes e alguns pouco confiáveis manuscritos sobre esses lugares. Tudo era absolutamente misterioso e perigoso.
Burton ainda esteve em contato com povos canibais na África e com os pigmeus. Foi para os EUA onde foi pesquisar a vida dos Mórmons, comunidade recem criada naquele país e que eram perseguidos pelo governo americano. Posteriormente o capitão inglês foi servir diplomaticamente na Síria, acabou criando uma enorme intriga entre cristãos e muçulmanos e a Rainha Vitória achou por bem mandá-lo para Santos onde seria o consul inglês no Brasil . O casal Burton não se adaptou ao calor a aos mosquitos de Santos e subiram a serra e vieram morar em São Paulo. Isabel logo se tornou amiga da Marquesa de Santos e Burton acabou frequentando habitualmente o Palácio Imperial Brasileiro no Rio de Janeiro. Para não perder o costume, Burton navegou  todo o Rio São Francisco, de Minas Gerais até o mar e ficou impressionado com a riqueza brasileira, segundo ele, com a criação de escolas e universidades o Brasil se tornaria um grande país em pouco tempo…
O casal Burton, quando em São Paulo, gostava de fazer picnics no morro de Nossa Senhora do Ó, onde avistavam toda a beleza do pico do Jaraguá e as várzeas do Rio Tietê… Nos finais de tarde Burton era um assíduo frequentador da biblioteca do Largo São Francisco, onde procurava se informar sobre as descobertas dos primeiros viajantes europeus no Brasil, sua vegetação e as minas de Ouro que poderia encontrar. 
Ainda em viagens pelo Brasil, em Santa Catarina, o viajante inglês foi o primeiro a notar, relatar e dar importância aos sambaquis . Durante a Guerra do Paraguai, Burton viajou com o Duque de Caxias para acompanhar as sangrentas batalhas como observador do Império Britânico. Há que se fazer um parenteses aqui, apesar de em muitas vezes Burton estar a serviço do Império, ele pouquíssimas vezes colocou esse fato como prioridade, (a excessão mais famosa foi na deposição do xá persa com a ajuda dos “assassinos”, quando Burton conspirou fortemente). O que se nota claramente na vida do inglês é que nem ele gostava do “british way of life” (ele detestava o puritanismo, a politicagem, o pedantismo e a arrogância de seus colegas e achava as mulheres inglesas feias, duras e péssimas na cama), bem como a nobreza britânica achava Burton um sujeito “pavio curto”, pouco britânico, grosseiro e imprevísível. Ele também era viciado em ópio, alcool e haxixe. 
O capitão inglês na verdade tirava proveito do Império para investigar todas as culturas que lhe interessavam. 
Burton viveu 69 anos. Uma viagem da Inglaterra para a India, por exemplo,  durava 4 meses. O que esse homem fez em 69 anos, trazendo ao mundo ocidental boa parte das maravilhas culturais do oriente é algo realmente impressionante. Indiana Jones, o maior aventureiro criado por Hollywood,  seria um mero escoteiro perto de Burton. 
Tentar “resumir” a vida de Sir Richard Burton, como fiz agora, é quase um crime. Na verdade impossível. Uma boa entrada na vida deste viajante inglês pode ser feita pela biografia feita por Edward Rice: Sir Richard Francis Burton. São Paulo: Companhia das Letras. Outra grande pedida, com uma perspectiva mais “caseira”,  é a leitura da biografia feita por sua esposa Isabel. (Sensacional a descrição que ela faz de São Paulo, o Brasil e os brasileiros da época, uma visão bem diferente do que estamos acostumados a ler). Isabel desperta amor e ódio em quem acaba por conhecer a história do viajante inglês. Ela, em seu recato religioso, acabou por queimar inúmeras obras “demoníacas”e “pervertidas”  do marido após a sua morte. Foi um crime contra a humanidade, mas, por outro lado, foi ela que sempre esteve ao lado dessa figura extraordinária. Não deve ter sido fácil ser a esposa de Burton. 
Ainda na América do Sul, Burton prosseguiu viagem pela Argentina (esteve na Patagônia, mas estranhamente não houve nenhum relato, mesmo quando ele ainda estava vivo e também no Peru.  Sobre o Brasil ele escreveu o livro ” The Highlands of Brazil” sobre sua viagem ao interior do país.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Nassif,
    Lendo este texto tive um pequeno insight sobre Olavo de Carvalho. Ele, dentre outras coisas, sofre de uma síndrome: não poder ser o novo Sir Richard Francis Burton. Se o próprio Burton (que era, sem julgamentos, um sujeito realmente EXTRA-ordinário) pode ser chamado de charlatão por alguns aspectos de sua personalidade, imagine o Olavo…
    Uma coisa que muita gente não compreende é que pode-se ser canalha e louco ao mesmo tempo. Por isso, Olavo os confunde. Uns enxergam canalhice, outros, loucura. Porém, uma coisa não exclui a outra.
    Não sou nenhum expert, mas pra mim, o ex-astrólogo demonstra, claramente, traços de mitomania, charlatanismo, paranóia, (em alguma medida) sociopatia e a boa e velha canalhice e ganância mesmo. Sem nenhum escrúpulo.
    Enfim, querendo ser o novo Richard F. Burton (e fracassando tragicômica e miseravelmente), Olavo se assemelha mais a figuras como L. Ron Hubbard ou coisa que o valha.
    São Chico Buarque das Causas Impossíveis, venha nos valer.

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