Como Gurgel livrou Julio Lopes

O domínio dos fatos conforme os fatos

Júlio Reis*

Todos conhecem o lastimoso ‘acidente’ que vitimou seis pessoas e deixou mais de 40 feridos com o descarrilamento do bonde de Santa Teresa em agosto de 2011 no Rio de Janeiro.

O que pretendo destacar neste acontecimento, por ora, é que o secretário de transportes do Estado do Rio de Janeiro, Julio Lopes, não foi denunciado pelo mesmo, embora tivesse pleno domínio do fato de que o sistema de bondes operava com bastante deficiência, como atesta, entre outros documentos, um artigo escrito por ele mesmo em 2009 no jornal “O Globo” e intitulado “Entestados pelo progresso”.

No artigo Lopes diz: “(…) ficou claro para os engenheiros de então, que dão suporte técnico ao serviço de bondes, da precariedade do velho bonde e da necessidade de modernizá-lo, em particular, dos sistemas de freio e de tração”. O não funcionamento do sistema de freios foi, segundo a perícia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) da Polícia Civil do Rio, a principal razão do acidente.

Em setembro de 2011, representantes da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) levaram até o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) documentos e queixas atestando os problemas e o descaso da gestão dos bondes. Temas como a segurança do sistema, além de decisões judiciais não cumpridas e questões concernentes ao patrimônio histórico, foram arroladas. Eles requeriam o indiciamento criminal do secretário de transportes pelo episódio.

O procedimento de investigação contra o secretário esteve no MP até o final de maio de 2012, quando então foi enviando para a Procuradoria Geral da República (PGR) porque o secretário de transportes é deputado federal licenciado pelo PP e tem foro privilegiado. O MP disse que optou por aguardar o término da investigação no âmbito policial e por reunir todos os laudos de perícias técnicas, e demais elementos probatórios, para enviar o procedimento investigativo para a PGR.

No mesmo maio de 2012, o MP denunciou por homicídio e lesão corporal culposa cinco funcionários da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, a Central, empresa do Estado do Rio que administra os bondes. Entre eles estavam dois engenheiros, dois mecânicos e um maquinista. O motorneiro Nelson Correa da Silva, que morreu conduzindo o bonde só não foi denunciado porque era obviamente impossível.

Praticamente um ano depois, em meados de maio deste ano, a Procuradoria Geral da República resolveu arquivar o processo. O postulado do domínio dos fatos, ao que parece, não foi suficiente para o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, se convencer de que Lopes tinha conhecimento sobre os riscos da operação do sistema de bondes. Em sua decisão disse que “não era possível vislumbrar a responsabilidade do secretário no acidente”.

Para os moradores de Santa Teresa (e acredito que para qualquer um que se debruce com os documentos e a realidade in loco que registravam o estado sucateado em que se encontravam os bondes), no entanto, sempre esteve claro que Lopes conhecia o estado deteriorado e os perigos da operação do sistema e não tomou medidas preventivas satisfatórias para sanar os problemas.

Aliás, Lopes foi recebido pelos moradores de Santa Teresa com sonoros gritos de “assassino” e “safado” quando teve a iniciativa de conceder uma entrevista para a imprensa no local do acidente, poucas horas depois do ocorrido.

O constrangimento de Júlio Lopes com o tema dos bondes é tão grande, que ele parece não querer mais fazer menção ao assunto mesmo quando necessário. Em dezembro de 2012, durante sua apresentação na cerimônia de antecipação da compra de 20 trens pela concessionária SuperVia no Palácio Guanabara, ele fez uma explanação laudatória dos serviços e dos avanços do transporte público no Estado, falou de trens, de metrô, de barcas e de ônibus, mas nada de bondes. Sobrou para o governador Sérgio Cabral mencionar o projeto do governo do Rio para o novo sistema de bondes.

Segundo o governo do Estado do Rio, os novos bondes só devem voltar a operar em meados de 2014. O governo do Rio diz que só com a nova reformulação pode garantir a segurança do sistema. Ao que parece, foi necessário que seis pessoas morressem e mais de 40 ficassem feridas para se chegar a essa conclusão. 

Empossado em 2006, Julio Lopes segue a frente da Secretária de Transportes do Estado do Rio de Janeiro.

*Júlio Reis é escritor e jornalista

Luis Nassif

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