Rede Globo: o dia após a primeira transmissão televisiva

A Rede Globo de Televisão, que ora completa 50 anos de existência, teve a primeira transmissão realizada em 26 de abril de 1965, por meio do seu canal televisivo original: a TV Globo, canal 4 do Rio de Janeiro.

O jornal O Globo, no dia seguinte, publicou animadas matérias a respeito. Em notícia editada na página 6, o periódico oferecia um registro parcial da recepção política sobre o acontecimento. Afirmava que a transmissão televisiva inaugural havia sido motivo para aplausos na Assembleia Legislativa da Guanabara (atual município do Rio de Janeiro, à época cidade-estado).

Destacou, em especial, os nomes de alguns parlamentares que faziam parte da base legislativa do governador Carlos Lacerda (UDN), assim como congratulações oferecidas pela bancada udenista.

Como exercício de memória, cumpre observar que a UDN foi o partido que preconizava, aberta e histericamente, durante o regime democrático de 1946, a exclusão do trabalhismo, do comunismo e das forças populares da cena pública. Um bastião do golpismo.

Ademais, matéria jornalística com destaque maior saudava uma mensagem televisiva, pronunciada no ar por Rubens Amaral, então diretor-geral da TV Globo. Tratava-se de carta redigida por Roberto Marinho, diretor-presidente da TV Globo, em que eram assinalados alguns princípios que a nova empresa de TV alegava defender. Dentre estes, vale salientar os que seguem:

“A nossa emissora será mais uma emissora de O Globo, o que significa dizer que ela herdará as tradições do jornal, seu amor à causa pública, sua permanente luta em defesa da iniciativa privada, das liberdades públicas, da causa da democracia” (O Globo, 27/04/1965, p.2).

Acerca dos princípios em questão, a mesma edição de O Globo oferecia informação que expressava a convergência da empresa com a “defesa da iniciativa privada”, assim como opiniões que reverberavam sua linha editorial, permitindo identificar os significados atribuídos pelo jornal e a TV Globo à “causa pública”, às “liberdades públicas” e à “democracia”.

No tocante à “defesa da iniciativa privada”, a página 11 do jornal anunciava programa que seria veiculado pela TV Globo. Chamado “Cidade Aberta”, cujo “astro principal” era o ator Jardel Filho, o programa era anunciado sob uma concepção que veio a marcar a produção cultural e jornalística da empresa: “Ele lhe oferecerá ação, mistério, suspense. Você nunca mais deixará de assistir as suas emocionantes aventuras”. Entretenimento e diversão eram ainda promessas da recém nascida Rede Globo.

Contudo, transmitido pela Globo, um mix de financiamento, propaganda e produção marcava o programa, que era patrocinado pela Shell. Segundo o anúncio: “Algo mais que Shell lhe dá”. O entrecruzamento da produção televisiva, ainda no berçário, com a grande empresa já era, então, bastante evidente.

A Shell, multinacional que participou das articulações em torno do golpe civil-militar de 1964, por meio do complexo Ipes/Ibad (cf. estudo clássico de René Dreifuss), estava bem entrosada com a programação do novo canal de televisão. Era o próprio jornal O Globo quem fazia questão de evidenciar.

No que diz respeito aos preceitos da “causa pública”, das “liberdades públicas” e da “democracia”, manchete de capa não titubeava: “O ministro da Guerra reafirma a disposição das Forças Armadas de punir os inimigos da pátria” (O Globo, 27/04/1965, p.1). Exaltando o pronunciamento feito pelo ministro da Guerra, general Costa e Silva, editorial estampado na primeira página afirmava que havia sido “tranquilizador”, “equilibrado”, “sereno” e “lúcido”. A que se referia o ministro?

Falou Costa e Silva da prerrogativa, “constitucional e revolucionária”, da Justiça Militar em tornar candidatos inelegíveis. Alegava que “falsos democratas” – como se referiu aos atores políticos que estavam a criticar a violação das liberdades e condenando a ditadura – eram inspirados “pelos mesmos homens que vinham traindo o país” e queriam trazer “estes homens escorraçados do poder a seus postos de comando” (O Globo, 27/04/1965, p.12).

Ademais, o referido personagem, sabidamente líder de um dos setores mais radicalizados do regime ditatorial, advertia aos “agitadores e traidores” que as “Forças Armadas unidas enfrentarão sem transigência toda e qualquer ação contrária aos supremos interesses da Nação” (O Globo, 27/04/1965, p.12). Entenda-se: “Nação”, ressignificada pelo discurso do general-ministro, como nova ordem instituída pelo golpe. Enfim, cabe indagar: estas eram palavras “serenas” e “equilibradas”, O Globo?

Ainda de acordo com o ministro, insinuava-se, “principalmente no estrangeiro, que o Brasil é governado por uma ditadura militar. Uma infâmia”. O Globo corroborava explicitamente a avaliação do ministro, sublinhando que “frustrados” estavam a “alardear que a nação corria perigo iminente de uma ditadura militar”. Para o jornal, o “país estava se encaminhando para a conquista da plenitude democrática” (O Globo, 27/04/1965, p.1).

Na opinião de O Globo, consistia o Brasil uma nação “amadurecida”, que “após árduas experiências”, “sabia distinguir suas legítimas aspirações” dos que, “em benefício próprio”, queriam manipulá-las (O Globo, 27/04/1965, p.1).

Convenhamos, uma peculiar concepção de “democracia”, que expressava os vínculos orgânicos das Organizações Globo com a ditadura instalada em 1964. A “herança” que o jornal legou à TV Globo – tão ciosa, mas não dita pela mensagem de Roberto Marinho –  foi, sobretudo, o cada vez mais nítido viés antidemocrático e antipopular do seu jornalismo.

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.

Redação

8 Comentários

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  1. Alguém tem dados sobre como

    Alguém tem dados sobre como seria a audiência dos canais de TV na década de 60 ? Sei que no início da década de 70 a globo já era lider inconteste de audiência mas queria saber em que momento exatamente se dá essa lidernaça. Já li de alguns que isso teria ocorrido na cobertura jornalística das enchentes de 1967 no RJ.

  2.  
    [50 anos contando com a

     

    [50 anos contando com a diligente e serviçal colabração das ‘penas amestradas’!…

    *diria o Ciro Gomes]

     

    #####################

    [Mais um] Crime cometido pelo Garcia “das organizações (sic) Globo”!

    E perpetrado através de uma concessão pública do Estado brasileiro!

    Na edição de 24/04/2015 do programe-te ‘MAU Dia Brasil’ do Rádio…

    [(E)leitor(a), “Ocê” lembra daqueles R$ 86 Bilhões da Graça Foster?
    Pois bem, segundo a auditoria da Petrobras, o valor das perdas da companhia petrolífera com a corrupção foi da ordem de R$ 06 bilhões (Operação Lava Jato).
    A Petrobras informou também que a empresa acumulou prejuízo de R$ 15 bilhões em 2014…]

    … O Alexandre Garcia vomitou: “O mesmo PT que, agora, está privatizando a Petrobras [(?!)], causou à empresa prejuízo de… [Pasme] R$ 21 bilhões…”

    Ou seja:
    1- No somatório estapafúrdio do Garcia, no contexto dos R$ 06 bi, não são considerados os repasses para o PSDB, PP, PMDB, PSB…;
    2- 2- O Garcia “da Globo da ‘ditabranda’” teve o desplante de, literalmente, somar o valor das perdas com a corrupção e o valor
    dos prejuízos causados à companhia em razão de natureza diversas…

    RESCALDO: o estratagema da criminalização seletiva; atiçar mais ódio [seletivo] na população; confundir adrede e deliberadamente: ‘o [pseudo]jornalismo Penal contra o inimigo’; ‘o jornalismo que se lixe’… 
    Etapas diuturnas do ‘golpe jurídico-midiático ora em curso desde o antanho do Mentirão’!

    É esse o Garcia “que nem sequer quer ouvir” em Lei dos Meios!

    É a impunidade, estúpido!

    Messias Franca de Macedo – e o ‘Observatório do PIG’! [Risos] Direto do sertão/agreste da Bahia
    Feira de Santana,
    República Desses Bananas

  3. o fingimento da Globo

    Na semana em que comemorou o seu jubileu de ouro, a mais importante emissora de TV do Brasil fez uma série de programas, dentro do horário nobre, sobre as reportagens feitas ao longo destes 50 anos. Jornalistas emocionados por reverem seus antigos trabalhos, tiveram tempo para explicar algumas ” teorias da conspiração” que enfrentaram: A de maior destaque , certamente foi a da Glória Maria , que negou veementemente ter sido alvejada em um atentado ( muito bem sucedido por sinal) contra o Presidente eleito Tancredo Neves. Só desementiu e não explcou porque foi afastada do trabalho, porque teve problemas de saúde, etc. , logo depois do sucedido. Eu fico com a versão que contam em São João Del Rey, terra do político assassinado e , salvo melhor juízo, da repórter envolvida. Eles contam que foram disparados vários tiros e que dois alcançaram  Tancredo e que Glória não teria sido a única alvejada além do Presidente. Inclusive os atentadores também tiveram baixa. Conhecendo os métodos udenistas que migraram para os partidos de direita que nasceram da malfada sigla, é lógico que acredito no assassinato de Getúlio, de Jango, de Juscelino e de Tancredo, além do de Ulisses ocorrido em 92. Afora estes fatos, foi patética a tentativa de desculpar-se sobre a eleição de Fernando Collor, que nunca compartilhou da simpatia da Globo, mas ante as opções que lideraram as eleições ( Collor, Lula e Brizola) seria a menos ruim, quando a emissora montou um esquema em cima de um debate , para evitar a vitória do petista. O preferido deles era Mário Covas, que ficou em quarto lugar e nunca chegou a estar entre os favoritos. Depois , toda a história é sabida: Puseram o Itamar , que era um palhaço para pavimentar a eleição do FHC e garantir as elites no poder. O Bonner também tentou nos convencer que a Globo sofria censura, o que é uma mentira deslavada ,pois ela era aliada dos generais e da elite contra o ” terror do comunismo”. Sabemos que muitos programas feitos por ela mesma, sofria com a censura que ela mesma fomentava: Melhor explicando, ela censurava seus próprios empregados e contratados. A novela Roque Santeiro foi o maior exemplo e causou muitos problemas entre :Dias Gomes e a direção da emissora, inclusive com ameaça de morte ao autor. Outros artistas eram boicotados pela emissora e não apareciam nas programações. A Globo tenta resgatar um prestígio que tinha enquanto sua máscara lhe cobria o rosto. Agora que a máscara caiu, como um Paulo Maluf da comunicação, sai a dizer que : “Esta máscara não é minha.” ou no máximo: “Puxa! me enganaram”. As empresas globo de comunicação é aliada das piores coisas que existem neste país e não merece o menor respeito de ninguém. Manipula tudo e a todos, criando um império influente desde a política até o futebol e por isto deve ser sempre rechaçada.    

  4. Tenho sido aqui critico

    Tenho sido aqui critico contumaz da Rede Globo, especialmente da Tv aberta, mas analises simplorias não são suficientes para um historico da empresa. A GLOBO representa uma PERCELA SIGNIFICATIVA DA SOCIEDADE BRASILEIRA, não é ela só com ela, a Globo é bandeira de uma vasta camada da sociedade, não só de empresarios e de ricos, muita gente se identifica com os valores dessa organização, caso contrario ela não teria o sucesso que tem.

    Exustem outras cinco redes nacionais, nenhuma tem a base conceitual e principista da Globo, nenhmua porta seus valores ideologicos ,  sua visão de Pais e de mundo, portanto não cabem analises primarias sobre esse fenomeno.

    Como diz Delfim Neto, assuntos complexos exigem analise complexas, olhar simplizinho não cabe em temas dessa magnitude. A Globo é parte da realidade brasileira, uma das maiores redes de TV do mundo, um balanço extaordinario:

    2014  – Faturamento R$ 16,2 bilhões – Lucro Liquido, R$2,35 bilhões – Imposto de Renda pago R$1,995 bilhões

                Caixa e liquidez R$ 7,3 bilhões  – Patrimonio liquido R$ 17,55 bilhões

     

     

  5. O Brasil mudou?

    Sob o prisma do”udenismo” nada mudou por estas terras de Macunaíma. O udenismo, o sindicalismo, o capitalismo, a direita conservadora estão aí para quem quiser ver. Somente o comunismo(uma aberração do socialismo) morreu de morte morrida.O pragmatismo lulista também está sofrendo um grande baque.O que fazer? Precisamos de transparência , transparência, transparência.

  6. Se o RM acreditava mesmo no

    Se o RM acreditava mesmo no que escrevia então era um lunático. Como duvido disso, eu diria que ele era um cínico, canalha, sådico, manipulador. 

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