O seducionismo de Edward Bernays e a entrega da humanidade

Por Gustavo Gollo


Bernays

Creio ter sido Edward Bernays o maior idealizador do século XX, o homem que arquitetou nosso mundo. Relativamente pouco conhecido, Bernays foi um dos maiores pilantras da história, um estelionatário extraordinário cujos golpes tinham duas características peculiares que, paradoxalmente, o livraram: eram dados publicamente, às claras, às vistas de todos; e lesavam populações inteiras, multidões, em uma só tacada. Ao que parece, indignamo-nos ao ser ludibriados individualmente, mas não nos importamos com trapaça que abranja coletivamente a nós e a todos os nossos vizinhos. Indigna-nos termos sido feitos de otários solitariamente, não nos preocupando se a velhacaria tiver lesado toda a nossa vizinhança. Como, certamente, diria Bernays: otário é otário!

Tendo percebido essa e outras facetas das coletividades, Bernays dedicou sua vida a enganar multidões. Foi Bernays quem cunhou o termo “propaganda”, atividade da qual foi um dos idealizadores, tendo, posteriormente, abandonado ostensivamente a palavra, após o seu uso pelos nazistas, durante a guerra, implementado por Joseph Goebbels, um de seus seguidores.


Bernays era sobrinho de Freud, o psicanalista, que deveu a ele sua notoriedade. Não fosse o sobrinho, Freud teria permanecido um eminente vienense estudioso da mente, entre muitos outros. Foi Bernays quem o divulgou e popularizou nos EUA, em língua inglesa.

Um de seus golpes mais brilhantes (é preciso reconhecer o brilhantismo de suas picaretagens) consistiu na campanha para a disseminação do hábito de fumar entre as mulheres, até então poupadas desse flagelo. Iludiu-as sedutoramente.

Bernays tratava a humanidade como um imenso rebanho de ungulados, seu papel era tocar o rebanho, o que conseguia fazer como ninguém.

Uma de suas principais “contribuições” à humanidade foi a sociedade de consumo. A mecanização crescente, no início do século XX, acabou gerando uma inundação de produtos que não teriam nenhuma utilidade. Até então, anunciavam-se produtos baseados em sua utilidade, e os cidadãos eram instados a adquirir bens que lhes facilitassem a vida. Tendo saciado suas necessidades, o cidadão americano não precisava mais comprar a infinidade de inutilidades geradas em profusão pelas fábricas, um problema para as grandes corporações, criaturas gulosas e sempre ávidas por mais lucros.

A sacada de Bernays consistiu em transformar os cidadãos em consumidores; eles deveriam desejar consumir, não importava o quê. Como um imenso rebanho, Bernays os guiou para as lojas, induzindo neles a compulsão para consumir e consumir, estupidamente, uma profusão de produtos idiotas e desnecessários que iam sendo criados com o propósito exclusivo de serem consumidos mais e mais, coisa a que os idiotas eram levados a fazer, inconscientemente, pelos planos malignos e astutos do arguto embusteiro.

Embora a sociedade de consumo seja considerada a sua maior obra, talvez sua invenção mais contundente tenha sido, paradoxalmente, o “seducionismo”, substituindo os métodos tradicionais, violentos, de controle do rebanho pela maneira sedutora, infundindo no rebanho o desejo de vestir seus próprios arreios. Enquanto o controle através da violência gera a revolta, a sedução transforma cada componente do rebanho em um defensor da dominação. Bernays conseguiu fazer com que o rebanho passasse a zelar dedicadamente pela própria dominação.

Note que o seducionismo causou um fortíssimo impacto no mundo inteiro, remodelando-o completamente, sob o controle dos meios de comunicação de massas rudimentares existentes no século XX. Atente para o que nos espera, com a substituição desses meios, de mão única e direcionados exclusivamente à coletividade, por outros, individuais, personalizados, baseados em comandos dirigidos especificamente a cada um de nós. Voltarei a essa questão.

Lippmann

Outro farsante extraordinariamente influente na urdidura da grande impostura que perpassou todo o século XX e cuja influência se mostra crescente foi Walter Lippmann. Contemporâneo de Bernays, esse velhaco idealizou a fabricação do consenso, um eufemismo para a disseminação de mentiras descaradas por parte dos meios de comunicação de massas. As mais absurdas mentiras, as mais disparatadas propostas, mesmo lesivas, repetidas à exaustão e ecoadas pelos outros meios de comunicação, acabam por adquirir respeitabilidade, tornam-se conhecimento convencional, reconhecido e compartilhado por todos. Tendo ouvido repetidamente uma mesma mentira, quase todos nós seremos capazes de nos envolver em contendas inamistosas, agressivas, para reiterar, obtusamente, a ladainha que nos foi imposta. Alguns tornam-se capazes até de entrar em confrontos físicos, para asseverar a manutenção das máximas implantadas em mentes.

A patranha tem laços e familiaridades óbvias com as pilantragens de Bernays, diferindo um e outro apenas nos meios. Enquanto Bernays executava seus embustes através de mensagens curtas veiculadas como propaganda, Lippmann complementava o serviço tecendo uma rede de mentiras convenientes, construindo um consenso em torno de uma ficção adequada aos poderosos.

As mentiras contadas desde essa época têm se tornado História, correspondem hoje ao nosso conhecimento comum. Aprendemos essas mentiras no convívio diário com outras pessoas, através dos meios de comunicação e até das escolas. Até revistas científicas, meios supostamente ponderados e racionais encontram-se drasticamente contaminados por mentiras que perpassam toda a nossa cultura. Erigimos nosso mundo sobre uma farsa.

A queda do ocidente, ocorrência esperada para breve, revelará uma boa parte dessas mentiras. Parte considerável, no entanto, encontra-se indelevelmente inculcada em nossas mentes. Seremos incapazes de reconhecê-las, tão entranhadas estão em nós, uma lástima.

O presente

O século XX consistiu em uma bufoneria pérfida protagonizada em conluio pelas grandes corporações, bancos, políticos e juízes, e dirigida por meios de comunicação e publicitários. Durante essa época fomos privados de nossos meios de expressão. Primeiro os jornais, depois, mais contundentemente, o rádio e a TV, nos roubaram a atribuição de divulgar as notícias. Antes deles, tínhamos, todos, em conjunto, essa incumbência. Esses meios de comunicação centralizaram e dominaram a informação, tornando-se capazes de deturpá-la, inventá-la. Antes deles, as mentiras podiam ser contraditadas por relatos igualmente audíveis; a centralização das notícias pelos meios de comunicação consolidou o predomínio das mentiras inegáveis sobre o qual erigimos o mundo em que passamos a viver.

Vitrolas, rádio e TV centralizaram a música. Uns poucos músicos passaram a ser ouvidos pelo mundo inteiro, substituindo a profusão de artistas existente anteriormente. Antes as pessoas conheciam e gostavam de um repertório local, dos estilos musicais de sua região. Ouviam-se o que os músicos locais tocavam, o que os vizinhos cantavam. A música tinha que ser executada localmente. A diversidade musical grassava pelo mundo inteiro.

Os meios eletrônicos de reprodução musical nos calaram. Fomos enganados, passamos a ouvir a música do rádio. (O cara rico comprava um rádio, e deixava que os passantes ouvissem a curiosidade estranha que emanava de sua janela. O som era péssimo, a qualidade de reprodução lamentável. Mesmo assim, a situação econômica do possuidor do rádio assegurava que aquela era a música boa. Somos muito tolos. Todos acreditamos. Depois veio a vitrola. A música passou a chegar a nós assim, enlatada, pronta, vinda de longe, padronizada). Fomos calados.

Momentaneamente, vivemos um breve renascimento. A internet nos propiciou uma autonomia surpreendente e inaudita, ela nos permite um vasto número de manifestações. Podemos ter, em um um computador, uma infinidade de instrumentos musicais, um estúdio de som, gravador. Podemos fazer nossa música, gravar, divulgar, podemos, em princípio, mostrar nossa música para o mundo inteiro.

O mesmo acontece com várias outras formas de manifestação. Podemos escrever um livro, o computador nos facilitou enormemente essa tarefa, propiciando-nos editores de texto, corretores ortográficos, gramaticais, impressoras. Podemos fazer ilustrações, copiar fotos. Podemos, com facilidade, editar nosso próprio livro, solitariamente, e divulgá-lo, dá-lo ao mundo. O mesmo pode ser feito com música, com vídeos. Podemos mostrar variadas produções artísticas para o mundo
inteiro através de vídeos. Recuperamos os meios que nos permitem ter voz. Mas estivemos calados por um século, e já não sabemos o que dizer. Pouco temos, agora, a mostrar, empobrecemos. Depois de um século calados, assistindo TV, passivamente, esperamos que as manifestações artísticas nos cheguem. Mas estamos acordando; esse é o nosso tempo, esse é o nosso mundo, temos que nos apossar dele. Não será surpresa que nos calem novamente.

A grande ameaça

Uma pesada sombra, no entanto, se assoma sobre todos nós, algo maior que tudo com o qual já nos deparamos. São os sistemas de vigilância e controle implementados por coisas como o google e o facebook. Quase todos usamos essas coisas, quase todos sabemos o que elas são, são familiares. Mas só conhecemos uma faceta muito pequena desses monstros, não sabemos o que são, não o compreendemos. Sabe dizer como o google consegue te dar respostas a todas as perguntas?

Esses monstros imensos perpassam praticamente todos os computadores existentes, estão nos telefones, e sabem de tudo. O google sabe, com precisão, onde seu telefone se encontra agora, digo, a posição dele. Se está em seu bolso ele já te localizou. Ele sabe onde você esteve, 10 anos atrás, nesse mesmo horário. Ele sabe de tudo, e nunca esquece. Ele sabe com quem você esteve, sabe onde. Ele sabe mais do que nós mesmos sobre nossas vidas. Sabe tudo o que você comprou pela rede. Os sistemas de reconhecimento de imagens estão muito bons, existem câmeras pelo mundo inteiro; em breve, seremos rastreados mesmo se estivermos sem um telefone.

O google está se tornando um sistema inteligente, já o é, em larga medida. Tem feito descobertas espantosas, baseadas em um conjunto de dados imenso e indisponível a qualquer cientista do passado. O google conhece os fatos que seriam ocultados nas pesquisas. O google sabe até aquilo que você oculta de você mesmo! Ele sabe muito, e já tem uma inteligência espantosa. Ele tem nos controlado, está fazendo um produto que você comprará em 3 meses, ele se encarregará de induzi-lo a isso. O google já nos controla em altíssimo grau. A meta é o controle total, a neuronização, nossa transformação em neurônios, em cupins, em componentes da grande rede, controlados por ela.

Mas não nos preocupamos em ser enganados em bando, só não gostamos que nos façam de otários sozinhos. Em bando podem tripudiar, já estamos adestrados para suportar isso, coisa que até desejamos. Sabemos vestir, sozinhos, nossos prórios arreios.

https://www.youtube.com/watch?v=1gEvEMXeWbo align:center

Estratégias necessárias

Desconhecemos e adoramos esses dispositivos que já nos controlam em alto grau, e que nos controlarão integralmente. Temos que nos insurgir. Um passo simples consiste na criação de uma rede social descentralizada, uma espécie de facebook sem um dono, sem uma coordenação central, estabelecida de par em par; a confecção de algo assim é bem simples. O abandono da rede social controlada é urgente, impossível fugir à modelagem induzida por ela.

A utilização do duck duck go, que não nos disseca, em lugar do google também ajuda.

Confesso, no entanto, que ainda uso essas criaturas tóxicas. Em algum futuro essas entidades nos bisbilhotarão mesmo sem consentimento. No momento, talvez ainda tenhamos a opção de lutar para escapar da vigilância absoluta. No entanto, estamos nos entregando. Vamos nos entregar por completo; de coração. Temos sido seduzidos e o seremos cada vez mais. Adoraremos isso, adoraremos nos entregar às máquinas. É o futuro que semeamos. Em breve colheremos os frutos do que plantamos; serão doces, mas de uma doçura venenosa.

Ah, e me permitam um outro alerta:

As massas são muito pacifistas em períodos de paz, muito beligerantes durante a guerra, bem o sabia Lippmann. Bernays consagrou-se fazendo a campanha da propaganda para a entrada dos americanos na primeira guerra mundial. Seus seguidores se encarregarão de fazer uma campanha muito mais efetiva para uma nova guerra mundial, nós seremos o alvo; e as vítimas. Tentarão nos iludir semeando ódio aos chineses, russos e islâmicos. Bilhões morrerão cruelmente. Temos que nos conscientizar dos preparativos para uma guerra suicida, e dizer não a tal insanidade.

Redação

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  1. Fortuna

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=IFYTOojiLdw%5D

    Of Fortune  IT cannot be denied, but outward accidents conduce much to fortune; favor, opportunity, death of others, occasion fitting virtue. But chiefly, the mould of a man’s fortune is in his own hands. Faber quisque fortunæ suæ [Every one is the architect of his own fortune], saith the poet. And the most frequent of external causes is, that the folly of one man is the fortune of another. For no man prospers so suddenly as by others’ errors. Serpens nisi serpentem comederit non fit draco [A serpent must have eaten another serpent before he can become a dragon]. Overt and apparent virtues bring forth praise; but there be secret and hidden virtues that bring forth fortune; certain deliveries of a man’s self, which have no name. Ps. O Fortuna 

    velut luna (like the moon)
    statu variabilis (you are changeable)
    semper crescis (ever waxing)
    aut decrescis; (and waning;)
    vita detestabilis (hateful life)
    nunc obdurat (first oppresses)
    et tunc curat (and then soothes)
    ludo mentis aciem, (as fancy takes it)
    egestatem, (poverty)
    potestatem (and power)
    dissolvit ut glaciem. (it melts them like ice.)

    Sors immanis (Fate – monstrous)
    et inanis, (and empty)
    rota tu volubilis, (you whirling wheel)
    status malus, (you are malevolent)
    vana salus (well-being is vain)
    semper dissolubilis, (and always fades to nothing)
    obumbrata (shadowed)
    et velata (and veiled)
    mihi quoque niteris; (you plague me too;)
    nunc per ludum (now through the game)
    dorsum nudum (I bring my bare back)
    fero tui sceleris. (to your villainy.)

    Sors salutis (Fate is against me)
    et virtutis (in health)
    michi nunc contraria, (and virtue)
    est affectus (driven on)
    et defectus (and weighted down)
    semper in angaria. (always enslaved.)
    Hac in hora (So at this hour)
    sine mora (without delay)
    corde pulsum tangite; (pluck the vibrating strings;)
    quod per sortem (since Fate)
    sternit fortem, (strikes down the strong)
    mecum omnes plangite! (everyone weep with me!)
    .
    .
    “O Fortuna” is a medieval Latin Goliardic poem written early in the 13th century, part of the collection known as the Carmina Burana. It is a complaint about fate and Fortuna, a goddess in Roman mythology and the personification of luck.
    In 1935–36, “O Fortuna” was set to music by the German composer Carl Orff as a part of movement “Fortuna Imperatrix Mundi” of his cantata Carmina Burana, which it opens and closes. It opens on a slower pace with thumping drums and choir that drops quickly into a whisper building slowly into a steady crescendo of drums and short string and horn notes peaking on one last long powerful note and ending abruptly. 

    Orff’s setting of the poem has become immensely popular and has been performed by countless classical music ensembles and popular artists. It can be heard in numerous movies and television commercials and has become a staple in popular culture, setting the mood for dramatic or cataclysmic situations.

    “O Fortuna” topped a list of the most-played classical music of the past 75 years in the United Kingdom.

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