A PEC da destruição da economia brasileira, por Roberto Requião

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A PEC da destruição da economia brasileira

por Roberto Requião

A PEC-55, caso viesse a ser aprovada, provocaria a mais profunda e prolongada depressão na economia brasileira, maior do que a observada nesses dois últimos anos, tendo em vista a projetada contração de investimentos e gastos orçamentários ao longo de 20 anos. Antes de completar seu tempo, ou o tempo intermediário de 10 anos, o país mergulharia ou na indigência mais absoluta dos pobres ou na guerra civil. O Senado da República pode impedir isso. E a forma de impedi-lo é apresentar e aprovar uma alternativa.

É falso que a situação fiscal em que nos encontramos caracteriza uma crise aguda, o que justificaria medidas extremas como a PEC-55. Nossa situação fiscal é melhor, em termos estruturais, inclusive quanto à relação dívida/PIB, do que a maioria dos países. Temos, sim, uma crise conjuntural que resultou em queda aguda de receita devida à contração da economia, o que se deveu, por sua vez, às consequências da Lava Jato no sistema Petrobrás – o maior investidor brasileiro, que reduziu drasticamente seus investimentos – e o chamado ajuste Levy, praticamente imposto pelos neoliberais ao Governo anterior, e agora replicado sobre o atual Governo com maior rigor.

Podemos reverter rapidamente esse quadro conjuntural. Não é preciso ir longe. Façamos o que foi feito em 2009 e 2010, em termos macroeconômicos. Na ocasião, caso não se lembrem, depois de drástica contração da economia devida à crise global de 2008, o Governo brasileiro determinou, entre outras medidas – inclusive o aumento do salário mínimo -, que o Tesouro Nacional emprestasse R$ 100 bilhões ao BNDES para que irrigasse a economia. Em 2010 repetiu a dose, agora com R$ 80 bilhões. O resultado foi um espetacular crescimento do PIB de 7,5% em 2010. Um crescimento chinês, não obstante a aguda crise mundial.

Acontece que os neoliberais não se contentam com alegria fácil. Por pressão deles, e de gente muito próxima do Governo da época, o ministro Mantega decidiu contrair a economia com medo de um suposto superaquecimento. Foi nosso azar. Caímos na mediocridade do crescimento do PIB nos anos subsequentes e jamais saímos disso, até o descalabro atual em termos de política econômica. Hoje, constatamos o absurdo de um governo que quer que o BNDES, em vez de promover política anticíclica, pague ao Tesouro os recursos que lhe emprestou no meio de uma crise que, quantitativamente, era menor que a atual.

Qual é a alternativa? A alternativa, senhoras e senhores senadores, já foi inventada há muito tempo, é a velha política anticíclica: na alta do ciclo econômico, o governo promove o equilíbrio orçamentário; na época de baixa do ciclo, o governo investe deficitariamente. É exatamente isso, investimento deficitário. É pelo financiamento do déficit, inclusive monetário, que o governo introduz dinheiro novo na economia de forma a reanimá-la.  Esse déficit não gera inflação, já que a economia encontra-se numa situação de demanda baixa, portanto com baixa pressão de consumo.

Diz-se também que é uma política keynesiana, só lembrada em termos de depressão. Em 2008, por exemplo, o conservador Sarcozy proclamou no G-20 que todos haviam se tornado keynesianos. O problema é que, também entre os alemães, políticas keynesianas não são populares. A Alemanha confia em superávits comerciais, o que não deixa de ser uma contribuição efetiva ao crescimento. Acontece apenas que, por uma fatalidade aritmética, não há como todos os países fazerem superávit comercial simultaneamente. Mas foi por essa crença histórica que a Alemanha obrigou a Europa do euro a voltar, depois do breve ciclo inicial de expansão fiscal, ao receituário neoliberal. Isso levou à virtual falência países como Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, e até Itália.

Apoiada no FMI, no Banco Mundial, na OCDE e no Banco Central Europeu, controlados todos pela Alemanha, deu-se o nome de “exit strategy” às estratégias de saída das políticas de expansão na Europa, com influência no mundo inteiro, exceto os Estados Unidos. Neste caso, o neoliberalismo é seletivo: serve para os outros mas não para os de casa. De fato, os déficits públicos anuais norte-americanos foram, sucessivamente, a partir de 2009, de 1,4 trilhão de dólares, 1,3 trilhão, 1,2 trilhão, 1,1 trilhão, 1,0 trilhão e só baixaram da casa do trilhão de dólares recentemente, caindo para cerca de 600 bilhões e 400 bilhões.

A política preconizada pela PEC-55 é algo parecida, porém de consequências muito mais drásticas, do que a matriz imposta pela Alemanha na Europa. Seus efeitos no setor público seriam devastadores, mas igualmente devastadores, talvez com consequência ainda mais drásticas, seriam os efeitos devidos à relação entre setor público e setor privado. Basta um exemplo: tome-se o investimento público em construção. Se ficar congelado por 20 anos, como quer o Governo, seriam congelados os investimentos privados conectados em cimento, ferro, tijolos, móveis, telhas. Ao mesmo tempo, ou seriam perdidos, ou seriam deixados de criar centenas de milhares de empregos. Na verdade, parte substancial da economia brasileira seria destruída.

A alternativa a esse processo de destruição é particularmente simples, e indolor para a cidadania. Diz-se que não há almoço grátis. É falso. O almoço dos banqueiros, ou seja, a contrapartida da criação de moeda por eles, é inteiramente grátis. Quando se fala em investir deficitariamente o que se quer é fazer com que o Estado se aproprie de pelo menos parte desse dinheiro de graça – receita de senhoriagem – para colocar a economia na trilha do crescimento rápido, vencendo uma depressão que já dura dois anos e provavelmente, se nada for feito em termos de investimento, se estenderá para os próximos.

Concordamos que para enfrentar a crise fiscal conjuntural é fundamental tomar as medidas seguintes, que substituiriam as propostas inconsequentes da PEC-55:

1.    Política macroeconômica anticíclica, centrada em gastos em serviços públicos e na retomada de investimentos em energia e logística;

2.    Retomada imediata dos investimentos da Petrobrás ao nível de 2014, tendo em vista seu efeito imediato na própria cadeia produtiva e no resto da economia;

3.    Renegociação em níveis razoáveis das dívidas dos Estados junto ao Governo federal, de forma a liberar recursos de investimento em nível local.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Off topic

    Acho que seria bom alguém avisar ao Jornal GGN que o Trump ganhou as eleições nos EUA. Até agora (10:29) não saiu nada no ggn ainda sobre esse assunto. Penso que é um assunto interessante, não?

  2. Com que se parece?

    Requião parece aquele sujeito endividado até os cabelos, mas continua achando que a sua dívida não precisa ser paga, ou melhor, deve ser paga com mais dívida. Depois reclamam porque o governo paga juros tão altos. Ora bolas, os juros são altos porque ninguém irá emprestar dinheiro para um governo quebrado. Resta portanto, que o governo diminua as despesas, reduza seu endividamento e com isto pague menos juros. Requião pensa em apagar o fogo com gasolina. Requião: pare de mentir e enganar os menos esclarecidos.

    1. Um devedor quebrado se quebrará mais ainda ao pagar o débito

      Se você é devedor e tá quebrado, ao pagar a dívida, você vai quebrar mais ainda.

      A saída é o calote e auditar a dívida pública. Se for feita uma auditoria na dívida, chegar-se-á à conclusão de que o Brasil os credores do Brasil são, na verdade, seus devedores.

  3. Investimentos deficitários não são a solução, apenas paliam

    O crescimento da economia com base nos investimentos deficitários, como alternativa à PEC 55, não vão solucionar o problema, no máximo, podem paliá-lo. Os motivos são os seguintes:

    A produção brasileira é basicamente voltada para o mercado externo. O volume da produção destinada ao mercado interno é o estritamente necessário para manter a população produzindo para o mercado externo. Mas o mundo inteiro está tentando diminuir suas importações e elevar suas exportações.

    As gestões petistas equilibraram a balança do mercado externo-mercado interno, reduzindo a importância do mercado externo e fomentando o consumo interno. Mas a elite tupiniquim se insurgiu contra o consumo interno, ao argumento de que tal modelo de consumo interno se esgotou. Por outro lado, as gestões petistas também mudaram seus parceiros no comércio internacional, priorizando a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul, em detrimento dos velhos parceiros imperialistas. O problema é que a China diminui a compra das commodities brasileiras enquanto os velhos ‘parceiros’ comerciais do Brasil, a América do Norte e a Europa, estão tentando exportar seus produtos, em vez de importar as commodities brasileiras, ou importá-las a preço de banana em fim de feira. Em sendo assim, o crescimento econômico não encontrará vazão nem no mercado interno nem no mercado externo, principalmente porque Temer foi muito mal recebido no encontro dos Brics.

    Ademais, para fazer investimentos deficitários, o governo terá que captar recursos vendendo títulos da dívida pública. Para aumentar a demanda por tais títulos, o Brasil terá que elevar a taxa de juros, a qual já se encontra na estratosfera há muito tempo. A dívida pública vai aumentar sem que o crescimento da economia traga benefícios para a população, já que não haverá demanda interna nem externa para dar vazão ao incremento da produção.

    Em sendo assim, se o Senado deixar se convencer pelo discurso do Roberto Requião, o Brasil sairá do fogo para a frigideira.

    Existe uma terceira possibilidade?

    Penso que sim. Em vez de priorizar o crescimento nas atuais circunstâncias, acho que o caminho mais sensato seria investir na desconcentração da riqueza produzida, o que aumentaria a demanda interna, a qual, por seu turno, implicaria em investimentos e no crescimento. Assim, o crescimento seria o ponto de chegada de um processo auto-sustentável, e não o ponto de partida. Infelizmente, com o desmanche dos programas sociais, o governo está concentrando ainda mais a riqueza, em vez de distribuí-la melhor.

    Outra medida para complementar a desconcentração de riqueza antecitada seria a regulamentação do dispositivo constitucional relativo à taxação das grandes fortunas. Mas a elite é contra e a população não tem vontade política, nem organização nem força suficiente para impedir o austericídio.

  4. Ajuste fiscal dos golpistas é um fim em si mesmo, não um meio

    Continua atual o trecho abaixo transcrito da Carta escrita por Lula para acalmar os mercados:

    “A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.

    Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos.”

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u33908.shtml

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