Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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A Revolta de Jacareacanga e os anos dourados de JK, por André Araújo

Por André Araújo

A crise que levou Getúlio ao suicídio em 24 de agosto de 1954 foi a culminância de um conflito ideológico entre grupos políticos que desde a primeira queda de Getúlio, em outubro de 1945, lutavam pelo controle do Estado brasileiro. De um lado os herdeiros de Getúlio formados por seus ex-interventores nos Estados e parte do Exército, de outro a reação democrática que via em Getúlio e seus herdeiros a encarnação do autoritarismo. Projetada para a eleição de 1955, o conflito tinha de um lado a UDN, partido que congregava os anti-getulistas históricos com sua franja militar minoritária no Exército mas muito forte na Aeronáutica e na Marinha, e de outro lado os herdeiros do getulismo nos dois partidos criados por Getúlio, o PSD, que reunia os “coroneis”, fazendeiros, industriais, dirigentes patronais, a grã-finagem do Rio, chefes de clãs políticos do Brasil ainda rural e os interventores getulistas,  os sindicatos operários no PTB, a ala nacionalista do Exército comandada pelo general Newton Estillac Leal. No centro uma larga faixa da população brasileira que apenas queria progesso e tranqulidade, ter emprego e casa própria, escola para os filhos e alguns direitos, a maior parte do Exército, o chamado grupo legalista, distante dos dois grupos ideológicos, congregados em torno do Marechal Odilo Denys e do ainda general Henrique Teixeira Lott.

Juscelino teve uma eleição difícil porque o clima político resultante da morte trágica de Vargas era pesado. A ala civil anti-getulista, representada por Carlos Lacerda e a ala militar representada pelos generais alinhados à direita que se formou na volta da FEB mas especialmente pela Aeronáutica, protagonista dos acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio, não aceitavam Juscelino como presidente eleito porque viam nele e no seu vice, João Goulart, uma continuidade do getulismo, visto por eles como uma central de corrupção. Lacerda esbravejava que Juscelino não podia ser candidato, se eleito não deve tomar posse, se empossado deve ser derrubado. O temor da direita era tal que Benedito Valadores, maior prócer político de Minas e do PSD, tentava fazer JK desistir da candidatura, por temor que ele tinha do Exército não aceitá-lo antes ou depois da eleição.

A posse de Juscelino foi garantida pelo grupo centrista do Exército na figura de seu nomeado Ministro da Guerra, General Lott, que tinha absoluto controle da hierarquia do Exército, era um super autoritário e de rígida disciplina.

Tomando posse em 15 de janeiro de 1956, Juscelino foi surpreendido por uma perigosa revolta de oficiais da Aeronáutica em 10 de fevereiro de 1956, portanto nem um mês depois da posse. Um grupo de oficiais chefiados pelo Major Haroldo Veloso e pelo Capitão José Lameirão, com liderança na Força, voou do Campo dos Afonsos no Rio para a Base Aérea de Jacareacanga no sul do Pará e de lá assumiu o controle das cidades de Santarém, Belterra, Cachimbo, Itaituba e Aragarças.

O Governo mandou um contingente da Aeronáutica ir prendê-los e não foi obedecido, havia uma situação de motim, a Revolta de Jacareacanga era apenas o estopim. Com firmeza e sem vacilações do Presidente, JK era autoritário e sabia comandar, finalmente depois de 19 dias conseguiu-se debelar a revolta e os insubordinados foram presos.

Instalado um IPM do qual resultariam fatalmente longas penas de prisões, motim é crime gravíssimo em qualquer Força, Juscelino surpreendeu o País ao enviar lei ao Congresso anistiando os revoltosos. Não era por razão de fraqueza mas ao contrário, de poder. Juscelino controlou a revolta e podia agora ser magnânino mas porque?

JK era um estadista e tinha visão de Estado, de País e de futuro. Tinha um vasto plano de desenvolvimento com 30 metas audaciosas e uma meta síntese, a construção da nova capital. Um processo contra militares iria envenenar o ambiente político, a tendência da mídia era fazer os revoltoso virarem herois, as forças da direita iriam usar os presos como símbolo.

JK era muito mais perspicaz do que seus inimigos. A anistia e soltura humilhou os revoltosos, como se o Governo desprezasse a revolta como coisa menor. Deu certo, Juscelino foi visto logo depois como magnânimo ao perdoar seus inimigos demonstrando que estava tão senhor da situação que não temia ataques contra seu poder.

Abstraindo seu formidável plano de desenvolvimento, o que ressalta em Juscelino é o exercício pleno do poder, autoritário sem hesitação ao combater, depois era generoso. Em outros episódios demonstrou não ter medo de nada. Ameaçado por Lacerda em um pronunciamento na TV Tupi que, segundo Lacerda anunciava, iria derrubá-lo do poder, Juscelino mandou o Ministro da Justiça, Armando Falcão, que não tinha medo de assobração, ir à emissora e lacrar por três dias os transmissores, com base no Código de Telecomunicações que permitia ação do Governo em caso de ameaça de perturbação da ordem pública por uma emissora. Não teve medo de Lacerda, da UDN ou de Assis Chateaubriand, dono da emissora e mais poderoso do que foi depois Roberto Marinho.

Os anos dourados de JK só foram possíveis porque ele acreditava que sem criar um clima de otimismo, de crença no futuro jamais seus plano de desenvolvimento poderia dar certo, um clima de inquéritos, processos, prisões e perseguições iria envenenar o ambiente e desviar o foco do País de seu objetivo mais nobre e de desafios mais importantes.

Esse foi o grande erro de Jânio Quadros, seu sucessor, eleito com esmagadora maioria, quando todos esperavam um novo ciclo de realizações, Jânio começa seu Governo com inquéritos, punições e processos, gerando um clima ruim, pesado, pessimista, não podia dar certo e não deu, o morcego e o corvo juntos criaram nuvens sulfurosas contaminando o Pais.

JK sempre soube que sem um clima de otimismo nenhum líder puxa o entusiasmo do povo para um caminho de união nacional em torno de um objetivo claro, o cheiro de enxofre que vem de cruzadas justiceiras envenena o ambiente e mata qualquer visão de progresso e crescimento, a única finalidade da História é nos dar lições mas poucos aprendem.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

11 Comentários

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  1. A Revolta de Jacareacanga e os anos dourados de JK, por André Ar

    E isso. Não confundir autoridade com autoritarismo, infelizmente é o que acontece com a nossa Presidenta. Boa André!

  2. Entre todos, Lula é o

    Entre todos, Lula é o politico  brasileiro que mais entende do flagelo dos mais pobres.

    Passou fome, conheceu o pão que o diabo amassou.

    No governo se preocupou com a fome e a pobreza. Fez muitas ações em favor dos mais necessitados.

    Porem, apesar de tudo  não podemos classifica-lo como um estadista.

    Apesar de sua inteligencia, intuição,  faro politico, capacidade de comunicação faltaram-lhe condições para ser visto como um estadista.

    Não entendeu o poder do judiciario, escolheu ate um ministro do STF apenas por ser negro.

    Não compreendeu a dimensão da ação de uma policia federal, abdicou da capacidade de um Paulo Lacerda.

    Não se sensibilizou pela necessidade de um governo ter ao menos um grande veiculo de informação a seu favor.

    Não foi capaz de enxergar a importancia da cultura no processo de formação intelectual e politica do povo.

    O post acima fala sobre “o clima de otimismo” incentivado por Juscelino.

    Não destaca, porem, a visão que o ex presidente tinha sobre o papel da cultura, dos intelectuais, na vida politica da nação.

    Em seu governo, o Brasil viveu um periodo glorioso de liberdades intelectuais e de apoio irrestrito as artes.

    O cinema vingou, assim como a musica, as artes visuais, a literatura, a arquitetura.

    Quando vemos, hoje, o pais entregue a parlamentares ligados ao que ha de mais sinistro e atrasado na sociedade, podemos afirmar,  que tal situação so aconteceu devido a um enorme apagão cultural, ocasionado pela ingenuidade das ações dos governos petistas nessa area.

  3. Um dos líderes desta rebelião

    Um dos líderes desta rebelião apoiou o golpe de 1964 e, como prêmio, ganhou o cargo de Desembargador do TJSP. Após o fim da Ditadura ele foi um pacato orientador de mestrado numa universidade do interior paulista. Terminou a vida prestando serviços eventuais como advogado inclusive para Sindicatos da CUT, pois o início da carreira dele havia sido esquecida.  

    Muito esquecimento e pouca memória os males do Brasil são. 

    1. O Major Haroldo Veloso

      O Major Haroldo Veloso envolveu-se depois, já no fim do Governo JK em 1959, com outra revolta, a de Aragarças.

      No movimento de 1964 reformou-se como Brigadeiro e foi deputado federal pela Arena do Pará.

    2. O seu comentário não faz

      O seu comentário não faz menção nem ao Haroldo Veloso e nem ao José Lameirão, citados no artigo, se entendi corretamente. Quem seria o personagem?

  4. JK  versus Lacerda. Hoje é

    JK  versus Lacerda. Hoje é Dilma versus Cunha. Minha nossa! Que queda de qualidade de ambos os lados. Nenhum estadista de visão – só políticos que aprofundam a divisão. E não há ninguém no cenário político que tenha capacidade de soldar a divisão que está cada vez mais aprofundada. 

     

     

  5. Em vez de rodovias. Ferrovias

    A historia ta feita e não adianta chorar o leite derramado.

    Porem, nada impede alguma lucubração.

    E se Jucelino não tivesse governado? De alguma forma, talvez, o motim dos oficiais da aeronáutica, tivesse alcançado sucesso e vamos considerar, que mesmo que não ocorresse um golpe, Jucelino estivesse fragilizado, sem condições de governar, a direita se fortalecido apoiado pela mídia que controlovava a opinião publica. A população brasileira que apenas queria progesso e tranqulidade, ter emprego e casa própria, escola para os filhos e alguns direitos, permaneceria amansada como lhe é de natureza.

    A Capital continuaria no Rio de Janeiro, como sempre foi.

    Não haveria aquele negocio de 50 anos em 5. Nem megaprojeto algum espetacular. País  de futuro, um vasto plano de desenvolvimento com 30 metas audaciosas e uma meta síntese, a construção da nova capital.

    Os anos dourados de JK só foram possíveis porque aqueles que não aceitavam Juscelino como presidente eleito porque viam nele e no seu vice, João Goulart, uma continuidade do getulismo, visto por eles como uma central de corrupção, não obtiveram o necessário sucesso. Corrupção que não foi debelada e hoje se tornou sistemica

    A posse de Juscelino foi garantida pelo grupo centrista do Exército na figura de seu nomeado Ministro da Guerra, General Lott, que tinha absoluto controle da hierarquia do Exército, era um super autoritário e de rígida disciplina. A mesma força militar que em 1964 viria a dar o golpe, evitado então naquela época.

    As forças populistas construídas por Getulio ainda vibravam com certa intensidade, permitindo os anos dourados de JK. E adiando aqueles que lhes faziam oposição e o que representava, da UDN ou de Assis Chateaubriand, dono da emissora e mais poderoso do que foi depois Roberto Marinho.

    Já se analisou com imparcialidade nem emocionalmente as verdadeira consequencias dos ANOS DOURADOS de Jucelino e como seria diferente a realidade do Brasil hoje se não tivesse acontecido tal projeto?     

    Na America Latina historicamente duas forças se entrechocaram, uma os movimentos de esquerda e outra representante do patrimonialismo. As esquerdas embaladas por momentos favoráveis, instituíram leis consideradas direitos sociais do povo. Acontece que sempre foi o confronto que animou estas mudanças e nunca a negociação. Desde que mundo é mundo, jamais O DONO DO CAPITAL foi derrotado e seus interesses contrariados. O que acontece é apenas certa trégua no drama encenado no cenário social. Mudam os protagonistas do confronto, todavia, o poder jamais, foi realmente contrariado. O que normalmente tem ocorrido é que as forças que se propõe a confrontar O CAPITAL, mais cedo ou mais tarde, acabam cooptadas e passam a defender o poder perene instalado. A Argentina e a Venezuela e Cuba naturalmente, que ousaram contrariar o poder patrimonialista, O PODER DO CAPITAL, é uma dramática e lamentável lição do que acontece com tal temeridade.

    O problema das elites que exercem o poder periodicamente é adotar projetos de forma incompleta, irresponsável apressada e euforicamente, desprezando a lição de que qualquer projeto de cunho social deve anteceder bases sólidas, tempo de maturação e colheita na hora adequada. Não é assim que acontece, o pequeno poder é corriqueiro e fugidio, desta maneira geralmente se pretende resultados imediatos que prolongue com a vida curta deste poder para manter os interessados indefinidamente usufruindo das benesses publicas.

  6. Juscelino ficou maior na morte do que foi em vida

    Juscelino pertence àquela galeria de personagens que são muito criticados em sua época, mas que depois de mortos ganham uma dimensão que não tiveram em vida. Hoje Juscelino é o Pelé dos presidentes, e uma vez transformada a História em romance, assume o papel do galã-mocinho, enquanto o papel de vilão cabe a Carlos Lacerda. É claro que no mundo real as coisas são mais complicadas, e nem Juscelino foi santo, nem Lacerda foi demônio, ambos foram personagens de uma época específica que não podem ser julgados em separado do contexto daquela época.

    Juscelino foi idealista, sim, e bondoso por caráter. Mas também foi ingênuo. Ele fez o país progredir “50 anos em 5”, mas pagou a conta com dinheiro de banco imobiliário – ou seja, fez o povo pagar a conta por intermédio da inflação, a crise sobrou para seus sucessores e foi decisiva para o enfraquecimento e posterior queda do governo Goulart. Outro erro enorme foi a anistia dada aos revoltosos, que minou a disciplina nas forças armadas, e o resultado foi o que se viu. Desnecessário lembrar que os perdoados não perdoraram JK, que foi cassado e humilhado.

    A par das qualidades de JK, que não abordarei aqui por já haverem sido citadas no artigo, vou chamar a atenção para duas heranças nefastas que ele deixou para o país, uma econômica e outra política.

    A má herança econômica foi a crença, até hoje endossada por muita gente, de que “um pouquinho de inflação” é essencial para o desenvolvimento. Mas produzir inflação nada mais é do que criar um imposto invisível sem passar pelo parlamento, de modo a obrigar o povo a cobrir os rombos das conta do governo com a perda de eu poder aquisitivo. A ingenuidade de JK a respeito foi bem apontada por Roberto Campos, então ministro: em seu livro de memórias, ele citou uma conversa com JK, quando ele afirmou ser contra emitir dinheiro para aumentar o número de funcionários, mas a favor quando se tratava de promover o desenvolvimento. Como se a cédula que sai da prensa da Casa da Moeda estivesse ciente de servir ou não ao desenvolvimento do país, comentou o velho Bobby Fields…

    A má herança política foi a crença, também até hoje endossada por muita gente, de que os crimes não devem ser apurados a fim de se preservar um clima político “bom”, que permita a governabilidade. Assim, se há corrupção, é preciso deixar roubar, pois processar os corruptos vai prejudicar o desenvolvimento. Se há revoltas, é preciso anistiar os revoltosos, pois processa-los irá endurecer a oposição e prejudicar a governabilidade. É uma crença messiânica em um futuro radioso que precisa ser alcançado a todo custo, pois uma vez alcançado, todos os crimes do passado supostamente se tornarão pecadilhos sem importãncia…

    Eu penso que foi esse o recado que o autor do artigo quis passar: ele traça sub-repticiamente um paralelo entre Juscelino e o atual governo petista, vendendo a ideia de que, para ser tão benéfico quanto foi o governo JK, é preciso abandonar a austeridade fiscal e deixar roubar, pois inflação e corrupção são necessárias ao desenvolvimento e à felicidade da nação. Tudo a ver com os costumes políticos mais arcaicos do país, e com o extrato mais reptiliano da mentalidade do “homem cordial”, que tudo perdoa aos compadres.

    Mas eu continuo achando que um país se constrói muito mais com prisões do que com viadutos. O viaduto molda uma infra-estrutura física. A prisão molda o caráter.

  7. Quem manda no país é e semore foi o Parlamento. Sem ele não há governabilidade; por isso haja ministérios tantos quantos a ganância irrefreável deles almeja. Esse poder nefasto amarra até o Judiciário quando este adverte da inconstitucionalids de uma lei em causa própria, Eis que, abruptamente reúne a camarilha para uma CEP contornando o obstáculo , sacralizando a indecência . Haja vista , a escandalosa emenda individual que coloca nas mãos de mafiosos, milhões para empregaram nos seus currais eleitorais sob o manto do suposto emprego em Saúde Educação como se fossem provedores de verba pública , verdadeira compra de votos pelo qual vão acumulando mandatos. Tudo ao aprovo ou cochilo dos tribunais eleitorais. Horrendo Referens (Horácio )

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