Abertura do Brasil ao mercado internacional é incompatível com táticas adotadas pelo mundo

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Abrindo o mercado, Brasil tenta a todo custo entrada na OCDE: como atuam os demais países e como Temer poderá enfraquecer a economia nacional versus a soberania do país
 

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
 
Jornal GGN – Como mais um avanço para tornar o Brasil adepto à economia de livre mercado, Michel Temer pleiteou em junho deste ano a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Documento obtido pela oposição na Câmara dos Deputados revela que se o preço para essa aliança não será barato ao Brasil, o presidente da República vem dando sinais positivos de que submeterá a nação a exigências desproporcionais, sequer assumidas pelos demais 35 países membros. Reformas são sinais claros de que o mandatário atenderá a mudanças estruturais na economia brasileira em nome do mercado livre.
 
Partindo de um mesmo plano, o pedido para o Brasil ser aceito na OCDE foi enviado no dia 3 de junho, como uma das estratégias do governo peemedebista para tornar o país atraente ao investimento estrangeiro, aliada a outras medidas como a aprovação das reformas trabalhista, previdenciária e fiscal. O objetivo de Temer era tornar a relação já bilateral com os países da Organização ainda mais forte. Entretanto, as 35 nações integrantes – com grande parte formada por ricas economias – exigem contrapartidas.
 
“A solicitação brasileira segue-se à bem-sucedida execução do programa de trabalho que resultou do Acordo de Cooperação assinado entre o Brasil e a OCDE em 2015. Insere-se no marco dos esforços do governo brasileiro para consolidar o desenvolvimento sustentável e inclusivo, com a modernização da gestão e aproveitamento da larga experiência em políticas públicas comparadas da Organização”, divulgou o porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola, no dia 30 de maio deste ano.
 
São poucos os países emergentes integrantes da OCDE: entre eles, apenas dois da América Latina, México e Chile. Ambos territórios já apresentam um histórico de concessões da economia à livre competição, com automático enfraquecimento do mercado nacional, que se refletem em políticas públicas priorizadas a privatizações e seus desdobramentos, como as terceirizações, e que, por sua vez, carregam fortes resquícios para aqueles que seguem à margem do sistema e dependem que setores como a saúde e educação sejam compromissos garantidos pelo Estado.
 
É nessa linha que o Itamaraty, inicialmente comandado por José Serra (PSDB), que passou a cadeira ao também tucano Aloysio Nunes, vem conduzindo diálogos para convencer o conselho da OCDE a aceitar a entrada do Brasil no grupo. A imagem de recuperação econômica é enaltecida com as tratativas no âmbito social, na reforma da Previdência e trabalhista – que recebeu o apelido otimista de “modernização” –, e com a vez de se falar em reforma tributária que, em suas modificações parciais, aumenta o imposto à população do PIS/Cofins sobre os combustíveis.
 
Ignorando o rombo já admitido pelo mercado financeiro de R$ 145 bilhões neste ano, acima da meta de déficit de R$ 139 bilhões, Michel Temer discursou em evento nesta quinta-feira (20) elogiando a sua gestão como “eficiente” e que trata “com seriedade o dinheiro do pagador de impostos”. Já do lado que mais interessa às 35 potências, o governo vem concordando com a abertura do mercado em relações bilaterais com os Estados Unidos e países da Europa. 
 
Em sinais de que está otimista com a ideia, Temer encaminhou, inclusive, nesta semana a sua indicação para o posto de representante brasileiro junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O Diário Oficial da União desta quinta (20) publica o ex-secretário da Fazenda e embaixador Carlos Cozendey como recomendação do mandatário. Mais um sinal de que o país está empenhado, ainda que não tenha a resposta positiva da OCDE, e tampouco o nome de Cozendey aprovado pelo Senado Federal. 
 
Se do lado de cá, muitas concessões estão sendo feitas, por outro lado, estes mesmos países que hoje pressionam o Brasil à abertura do mercado mantiveram mecanismos de proteção nacional, ainda que reduzidos, de forma a não sacrificar suas economias na arena de leões da globalização. É o que mostra um documento do Ministério de Relações Exteriores, em resposta a um requerimento do  líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP). 
 
COMO FAZEM OUTROS PAÍSES?
 
Ao GGN, Zarattini encaminhou o ofício de mais de 60 páginas com perguntas e respostas relacionadas às restrições a investimentos estrangeiros de pessoas físicas e empresas por parte de 10 nações do mundo: Estados Unidos, Japão, União Europeia, Canadá, México, Austrália, Chile, Colômbia, China e Índia. Apenas estes três últimos países citados não integram a OCDE. Destacam-se a atuação de três deles: EUA, Canadá e União Europeia, que, desde a entrada de Temer no poder e as medidas econômicas, vêm pressionando de forma mais evidente o Brasil a abrir o mercado a exportadores destas regiões. 
 
Entre os setores mais protegidos para investidores estrangeiros, o levantamento do Itamaraty elencou as áreas de inteligência e tecnologia como “sensíveis” aos interesses do Canadá, descrevendo que tal país criou uma comissão responsável por analisar até que ponto investimentos de fora não se apresentem como ameaça à “Segurança Nacional”. De forma similar foi apontado os EUA, que aplicam restrições “a qualquer atividade que se possa considerar potencialmente nociva à segurança nacional”.
 
“O termo ‘segurança nacional’ tem ampla interpretação e, entre os critérios a serem considerados pelo órgão responsável, além daqueles estritamente vinculados a defesa, também estão preocupações econômicas, inclusive eventuais impactos sobre tecnologias e infraestruturas sensíveis”, acrescentou o próprio Itamaraty. 
 
Até mesmo países considerados de “baixas restrições” não eximem suas produções nacionais de mínima proteção à competição externa. É o caso do Chile, país da América Latina que integra a OCDE e que se espelhou nos Estados Unidos para a abertura de seu mercado. Uma de suas principais produções, a mineração, um dos pilares que movimenta a economia chilena, possui um Código datado de 1983, alvo de críticas por diversos segmentos da sociedade e pelos próprios empresários, mas que estabelece algumas regulamentações.
 
As restrições dos países detalhadas no documento traçam um perfeito paralelo aos contextos dos mercados, necessidades e atividades econômicas de cada uma das nações. Também variam as porcentagens liberadas de cada uma dessas atividades para investimento internacional, de acordo com as legislações locais, que também apresentam critérios específicos para situações de relações bilaterais e de blocos econômicos. 
 
As respostas são ainda mais delicadas quando o tema é a entrada de investimentos estrangeiros em atividades petrolíferas, seja para a extração, refino ou distribuição do petroleo. A pesquisa mostra que o lobby exercido por empresas internacionais no Brasil, desde a descoberta do pré-sal e com a aprovação de medidas legislativas, sendo a de mais destaque recente a de autoria do ex-ministro de Relações Exteriores, senador José Serra (PSDB-SP), não mantem coerência com as normas internas destes países de origem dos empresários.
 
“No caso específico de licitações públicas realizadas por empresas estatais canadenses no setor de energia (petróleo e gás, areias betuminosas e outros hidrocarbonetos), embora, via de regra, haja restrições, investimentos estrangeiros são admitidos excepcionalmente”, pontuou o arquivo sobre o Canadá.
 
No Chile, “o Estado tem dominio absoluto, exclusivo e inalienável de todas as minas, compreendidos os depósitos de carvão e de hidrocarbonetos”. Nos Estados Unidos, “somente empresas controladas por cidadãos de países que estendam tratamento recíproco a empresas norte-americanas podem operar no país” e, ainda assim, “os investimentos estão sempre sujeitos à avaliação de risco à segurança nacional”.
 
Já como uma das conclusões do documento, o Itamaraty admite que é função da Defesa proteger o mercado nacional, incluindo em relação a investimentos externos, por sua natureza de estratégia. Por isso, “a tendência geral do setor é a de ser menos receptivo ao capital externo”, conceito que é reconhecido por diversos acordos internacionais. Mas, de forma contraditória, o Ministério de Relações Exteriores caracteriza tal proteção do mercado, favorecendo o nacional e restringindo o estrangeiro, como parte da “soberania e independência dos países”.
 
Acompanhe, de forma detalhada, quais são as regulamentações de cada uma das 10 economias do mundo para os investimentos internacionais e como atuam cada um dos países, no documento encaminhado pelo Ministério de Relações Exteriores, a seguir:
 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. abertura…

    Como nós brasileiros somos rápidos?!!! O que finalmente descobrimos? A roda? O fogo? Os países industrializados permitem o livre comércio de tudo em que eles não tem concorrência ou fabricam num nível superior e bloqueiam tudo aquilo em que não podem concorrer. Agropecuária, por exemplo. Façam o que falo, não faça o que faço. Anão Diplomático segue bovinamente. As 500 maiores filiais das maiores multimacionais, estão aqui. Vendendo lixo a preço de ouro. 98% do setor industrial dominado por multinacionais estrangeiras. E os “caras” falam que somos uma Economia fechada?! E acreditamos e aceitamos. Realmente, não nos faltam nem as penas. Estas, os Tucanos já nos deram há décadas.       

  2. Comentário.

    O raciocínio é correto, mas vai pela via “isso não é justo”.

    Por outro lado, são avisos continuados, baseados em fatos, e está cada vez mais difícil não tomar uma atitude.

    Repito: eles não se importam. Nem Temer, nem Meirelles.

    Eles deram vários ensaios sobre o que fariam e esperaram reações da opinião pública. Mediram-nas.

    Olhe, por exemplo, a questão da reforma trabalhista. Trabalhando, dirigindo um guindaste com um sanduíche na mão (o empresário imbecil, a propósito, faz de conta que não é justamente este tipo de atitude que aumenta os acidentes – pra isso, melhor o acordado do que a lei, pra tirar o corpo fora). Pois da boca se sai qualquer coisa, o papel aceita o que se imprime nele.

    Só querem saber quanto vão levar nesta. Na pior, eles fazem as malas e caem fora.

    A maioria da gente, não. A gente fica no meio dos escombros.

    Tenho sentido – pode ser apenas impressão – que as pessoas ao meu redor estão evitando conversas sobre política, pelo desgosto e pela angústia do futuro. Que até procuram formas de convivência mais “defensivas”, em que assuntos são coletivamente superficiais e, ao mesmo tempo, pessoais. Quanto maior a pressão sobre o indivíduo, parece ser maior o anseio de uma “fuga pro coletivo”.

    Mesmo com aumento do imposto, a minha gasolina tá pronta pra ser usada no momento necessário.

  3. Cara, eu tenho vontade de

    Cara, eu tenho vontade de encontrar na rua esses FDP, ainda mais esse véio feio do cacete (o aloisio 300 conto) e descer a mão nessses vagabundos 

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