Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Ariano Suassuna, nacionalista e popular – uma homenagem de Urariano Mota

Ariano Suassuna, pelo menos há mais de 30 anos,  esteve sempre em pleno exercício da glória. Contrariando o adágio de que ninguém é profeta em sua terra, Ariano Suassuna é, foi querido em Pernambuco, na Paraíba, no Brasil e no mundo.  Sem deixar Pernambuco. Sem deixar o bairro de Casa Forte, onde morava. Ainda a semana passada em Garanhuns, no Festival de Inverno da cidade do interior de Pernambuco, para ouvi-lo as filas dobravam esquinas, ou quarteirões, como se chamam em São Paulo.

Caso raro também de escritor, ele sabia falar, tão bem ou melhor que escrevendo. Ele usava a fala, o dom de contar estórias, como poucos atores já vi até hoje.  Os atores de palco, os humoristas de profissão, até mesmo os do gênero que chamam agora de comédia stand-up, um nome que Ariano teria horror, stand-up, fiquem de pé, em pé, por favor, para melhor estudá-lo. E não adianta fazer dele a caricatura, os traços exteriores, porque o fundamental do escritor, a complexidade do ser, a cultura e vivência são irreproduzíveis. 

Ele dizia: “A minha voz é feia, fraca, baixa e rouca, eu tenho essa dificuldade”. E ganhava de imediato o auditório, com um sem se dar importância, como um ótimo ator e estudioso da psicologia humana, do público, que ele mantinha na rédea, à mão.  “Eu sou um palhaço frustrado”, ele dizia nas palestras.  Insuperável em contar histórias, todas acontecidas. Como a história dos doidos, na inauguração de um hospital  para loucos na Paraíba. Na inauguração do sanatório, que aplicava a psicoterapia do trabalho, os doidos entraram em fila com os carros de mão. Um deles entrou com o carro invertido, virado. Ao ser recriminado, o louco diferente respondeu: “eu sei, doutor, que o meu carro está errado. Mas se eu botar o carro certo, eles botam pedra pra eu carregar”. E Ariano dizia que admirava os loucos porque eles têm um ponto de vista original, como os escritores devem ter.  

Noutra, ele contava que o doido oficial de Taperoá, terra natal, ficou uma vez com o ouvido colado num muro da cidade, e as pessoas começaram a imitá-lo, pondo o ouvido no muro também. Até que uma pessoa normal, com o ouvido no muro, reclamou pro doido oficial: “eu não estou ouvindo nada”. Ao que o doido oficial respondeu: “Não é? Desde manhã que tá assim”.  Era um sucesso absoluto no auditório.

Na homenagem que faço a ele, no Dicionário Amoroso do Recife, escrevi:

“…tudo o que Chico Anysio, Lima Duarte e Rolando Boldrin tentam fazer na televisão, conversando, há muito Ariano vem fazendo: ele é um humorista narrador de casos, ajeitados à feição de vivíssimos causos. Ele é um showman sem smoking, metido em roupa de caroá, ou em calça e camisa de brim cáqui… (Mas em se tratando de Ariano Suassuna, melhor dizê-lo palhaço sem fantasia na vestimenta)

a gente não sabe se Ariano Suassuna criou o seu personagem, ele próprio, Ariano, ou se o seu personagem criou o narrador de auditório, Ariano. Conversando, ou melhor, somente ele falando, parece que conversa, porque ele narra de um modo que nos mergulha no meio da sua narração. Ele gera a ilusão da conversa pela comunhão, até mesmo pela cumplicidade, com os fatos narrados.

Ariano, ‘conversando’, é ator de picadeiro sem trejeitos ou caretas, que substitui pelos movimentos da voz, pelas inflexões na fala, pela escolha de palavras chãs, pelo rasgo de olhos pícaros que nos fitam, acompanhando o efeito das armadilhas que lança. Ele narra nesse ator – ele próprio – pela ambientação que situa, uma ambientação absolutamente econômica de cenários, cenários só personagens, e, o que reforça a ilusão de conversa, ele aparenta ser também ouvinte, quando na verdade faz pausas de radar, para ver como se refletiram aqueles sinais que lançou”.

Foi um nacionalista sem trégua.  Amante do povo brasileiro, amante incurável, sem remédio ou subserviência. Dizia ele, lembrando Machado de Assis: “ ‘No Brasil existem dois países: o Brasil oficial e o Brasil real’. Eu interpreto”, dizia Ariano Suassuna, “que o Brasil oficial é o nosso, dos privilegiados. E o país real é o do povo. E Machado dizia: ‘o país real é bom, revela os melhores instintos.  Mas o país oficial é caricato e burlesco’”. Falava mais Suassuna: “a classe dirigente do Brasil quer que o Brasil seja uns Estados Unidos de segunda ordem. Eu não quero nem que seja Estados Unidos de primeira. Eu quero que o Brasil seja o Brasil de primeira..”.   Amado por todos, até mesmo pela vanguarda, que ele mais de uma vez hostilizou. É verdade, ele era um conservador em matéria de costumes e de arte. Pra se ter uma ideia, ele nunca aceitou o teatro de Nelson Rodrigues, por achá-lo um amontoado de perversão e perversidade. Mas isso pouco importa agora. O mais importante é destacar que ele era um humanista, um conhecedor de humanismo clássico, um homem cultíssimo, que falava sobre a literatura picaresca na Espanha antes de Cervantes. Um erudito que se disfarçava bem na fala de sertanejo, no sotaque pernambucano, nordestino entranhado.

No seu amor pelo povo, no nacionalismo que busca o melhor da civilização brasileira, era um exemplo a ser seguido por todos escritores brasileiros. 

Enviado por Urariano Mota e publicado também no Vermelho.org

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

7 Comentários

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  1. Ariano Suassuna é o Ariano de

    Ariano Suassuna é o Ariano de todos os signos do zodíaco. E muito mais que isso. É a alma do povo brasileiro na sua mais perfeita e sincera expressão. É a síntese mais extraordinária da própria alma brasileira. Um porreta.

  2. Perda irreparável.

    Os brasileiros que não tem “complexo de vira latas” e  que amam o Brasil de forma incondicional – têm com a partida do Ariano Suassuna – uma perda realmente irreparável!! Ariano sempre permanecerá vivo em nossas mentes pelo imenso legado que nos deixa e este deve ser replicado para todas as gerações – presentes e futuras. Não podemos permitir que as pessoas e principalmente os jovens continuem a sofrem a intensa lavagem cerebral promovida pelos oligopólios midiáticos e outros.

  3. Pior é de avião

    Eu tenho um amigo pernambucano que desfrutava da amizade de Ariano Suassuna e foi ele quem me contou a seguinte história:

    Durante uma fase da vida, Ariano Suassuna teve muito medo de avião.

    E um dia resolveu fazer uma viagem de carro entre o Recife e o Rio de Janeiro.

    Ciente desta decisão, um amigo então ponderou:

    – Ariano, rapaz, você é doido? Você quer fazer uma viagem de carro entre o Recife e o Rio de Janeiro? Homem, vá de avião! Por acaso você não sabe que as estradas brasileiras são todas esburacadas, principalmente a Br 116?  São buracos enormes, verdadeiras crateras lunares.  De repente aparece um buraco desses na sua frente, você perde o controle da direção, o carro capota e só o diabo sabe o que poderá acontecer com os seus braços, pernas e clavícula, para não falar na coluna vertebral.

    Ao que Ariano respondeu:

    – Rapaz, pior é viajar de avião porque vai um buraco enorme acompanhando a aeronave o tempo todo.

     

     

  4. Querido, queridissimo,

    Querido, queridissimo, brilhante, brasilerissimo, brasileirinho, brasileirão, inteiro, perfeito no mais que perfeito, no presente, no pretérito, no futuro que ainda vai beber do seu talento. Ariano Suassuna. Minha alma, também brasileira, está triste. Mas só por hoje, dia de sua despedida material. Ariano estará presente sempre na minha memória. Não o conheci pessoalmente, mas pelos seus personagens e suas histórias, acabei me metendo em suas rodas, como se fosse da família.

  5. “… ele nunca aceitou o

    “… ele nunca aceitou o teatro de Nelson Rodrigues…”. No que tinha toda razão pois trata-se de ‘teatro’ feito para escandalizar, para faturar. Acho que nem mesmo o autor, se fosse honesto, suportaria esses tipo de ‘teatro’.

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