Com Temer no poder, o “Estadão” se volta contra a Lava Jato, por José Antonio Lima

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Dallagnol: até a confirmação do impeachment, o alvo era a corrupção. Agora é ele (Foto Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil)Deltan Dallagnol

da CartaCapital

Análise

Com Temer no poder, o “Estadão” se volta contra a Lava Jato

por José Antonio Lima

 Os editoriais do jornal abandonam a campanha “anticorrupção” e voltam sua mira aos investigadores

Não é segredo que os integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, assim como o juiz Sergio Moro, responsável por julgar as ações em primeira instância, contam com o apoio da imprensa para avançarem o combate a corrupção.

Em um famoso artigo de 2004, intitulado Considerações sobre a operação Mani Pulite, Moro destaca o papel da imprensa como força auxiliar dos investigadores da operação Mãos Limpas na Itália. Mais recentemente, a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen, ao agradecer um prêmio internacional recebido pela Lava Jato, destacou que “o apoio da sociedade civil e o trabalho da imprensa (…) podem garantir efeitos duradouros às transformações que estamos vivendo”.

Neste contexto, editoriais recentes do jornal O Estado de S.Paulo, aqueles que exprimem as opiniões dos donos do jornal, devem causar certa estranheza aos procuradores e ao magistrado. Após apoiar com afinco as investigações que ajudaram a viabilizar a derrubada de Dilma Rousseff, o Estadão se voltou contra a Lava Jato. 

Ataques a Dallagnol

Na segunda-feira 7, o jornal escolheu como alvo Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa. “Tem gente com poder sobre a operação que, sob o argumento de punir todo e qualquer ato de corrupção, deseja inverter a mais elementar lógica jurídica, pondo em risco o trabalho de toda a operação e, assim fazendo, consagrar no Brasil o direito autoritário, próprio das tiranias”, afirma o Estadão.

Na sequência, o jornal diz que Dallagnol procura uma “relativização do direito de defesa” e o critica por defender que “a existência de processo penal contra uma pessoa seria elemento suficiente para alterar o juízo sobre sua inocência” e que a “existência de prova ‘para além de uma dúvida razoável’ seria suficiente para condenar o réu”. 

Nesta quarta-feira 9, o Estadão voltou à carga contra Dallagnol. Em novo editorial, denunciou “manifestações a favor de um Direito autoritário, próprio das tiranias”, bancadas pelos procuradores e atacou a OAB e o próprio MPF por não censurarem o procurador, defensor de “abusos”, segundo o jornal.

“As leis estão sendo cumpridas”

As posições de Dallagnol são conhecidas desde que ele ganhou proeminência. Pode-se criticar o procurador pelo mérito delas, mas não por falta de coerência. Não é o caso do Estadão.

Em 15 de janeiro de 2016, uma carta pública assinada por mais de uma centena de advogados criticou de forma dura a Lava Jato, acusando os investigadores de provocar uma “neoinquisição” e desrespeitar direitos e garantias fundamentais, inclusive a presunção de inocência que o Estadão agora defende com ardor. Em janeiro passado, no entanto, o jornal tinha outra visão.

Em editorial de 17 de janeiro, intitulado Manifesto irrefletido, o jornal dos Mesquita fez chacota com a carta dos advogados, classificando o documento de “defesa de interesses privados”, “molecagem” e uma empreitada em favor de “seus clientes”.

Sobre a Lava Jato, o jornal tinha a dizer que ela estava “plenamente inserida nos caminhos institucionais”, que “não se vislumbra qualquer ameaça ao Estado de Direito” e que “as leis estão sendo cumpridas”. Preocupava os advogados, afirmava o Estadão, somente “a consistência dos passos dados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário”.

As “Dez Medidas” são boas ou ruins?

No editorial desta quarta-feira 9, o segundo contra Deltan Dallagnol em três dias, o Estadão aproveitou para criticar as “Dez Medidas Contra a Corrupção“, idealizadas pela força-tarefa da Lava Jato, bancadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e defendidas por Dallagnol em uma grande campanha pelo País.

Para o Estadão, as medidas contêm em seu bojo “explícitos abusos”, “como a aceitação de provas obtidas ilicitamente, restrições ao habeas corpus e o fim, na prática, do prazo de prescrição”.

Em julho passado, o jornal pensava diferente. No dia 21 daquele mês, o Estadão publicou o editorial Antes tarde do que nunca para celebrar o avanço das Dez Medidas na Câmara. Naquele ponto, a publicação defendia a campanha, lembrando se tratar de iniciativa dos procuradores, destinada “a aperfeiçoar, acelerar e tornar mais rigoroso o processo de investigação e julgamento dos casos de corrupção na gestão da coisa pública”.

Para o jornal, aprovar o pacote seria, por parte do Congresso, uma “oportunidade de acelerar o processo de reconquista do apoio e respeito populares” diante do “sentimento majoritário de repulsa dos brasileiros”.

O que motivou a mudança? 

A chave para entender a mudança de posição do Estadão não está na atuação de Moro e da força-tarefa, que persistem iguais desde o início da Lava Jato, ou em uma repentina conscientização dos donos do jornal a respeito de como a sociedade brasileira deve avançar. Está no funcionamento de uma redação no Brasil.

Assim como todas as redações nacionais, o Estadão tem em seus quadros uma série de jornalistas competentes e gabaritados. A liberdade de atuação de editores e repórteres varia, no entanto, conforme a “maré”. O ímpeto jornalístico da redação é libertado quando os alvos das reportagens são de interesse dos donos da publicação, mas contido quando não interessa a eles.

As mudanças no mar em que os jornalistas navegam são informadas apenas raramente de maneira explícita. No caso do Estadão, em que os editorialistas têm uma grande proximidade com os donos do jornal, os editoriais têm um peso grande. Os textos da página 3 são, portanto, recados ao “chão da fábrica”.

E a mensagem neste caso parece evidente. Quando a petista Dilma Rousseff estava no poder e a empreitada contra ela estava alicerçada na campanha anticorrupção, o apoio à Lava Jato era parte do script para derrubar um governo visto como indesejado pelo Estadão.

Confirmado o impeachment, a maré virou. A ênfase sai do combate à corrupção e passa para uma alegada proteção de direitos fundamentais. O objetivo único da mudança do Estadão parece ser, entretanto, proteger seus interesses, contemplados por Michel Temer (PMDB), e, por consequência, o próprio governo. Nos últimos dias, o Planalto tem armado uma arapuca para a Lava Jato. Será que os donos jornal embarcaram na expedição?

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

21 Comentários

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  1. Noiados como Dalanhóis,

    Noiados como Dallanhóis, Ferdandos, Ior Romários, Janotas, Moros et caterva, já fizeram o serviço sujo. Agora é descartá-los, sem que não percam a mira de sempre: Lula. Foi no que deu dar poder a figuras sem noção. Vai lá nos EUA fazer o que fazes aqui, vai Dallanhol:  alegando defesa do interesse nacional, Trump demitiu a PGR na primeira crítica endereçado ao governo eleito. 

    1. Bom Dia José, me permitas uma

      Bom Dia José, me permitas uma pequena  correção . Na frase ” Vai lá nos EUA fazer o que fazes aqui, vai Dallanhol:” acho q te enganastes e usastes “‘fazes” em vez de “‘fezes” não?

  2. Garantismo de ocasião.

    A nossa classe dominante é garantista de ocasião. Sabe muito defender a CF e o devido processo legal quando lhes convém. Foi assim quando do julgamento do “mensalão”. Por falar nisso, kd o Barbosa, kd o Azeredo (PSDB-MG).

  3. Depois de fazer o serviço sujo, os Trouxas levarão pé na bunda

    A mão que afagava o Dallagbosta é a mesma que agora o apedreja.

    Esses peões são descartáveis na hora em que não são mais convenientes.

    Toma, seu Trouxa Otário.

  4. Começa o clamor pela volta do

    Começa o clamor pela volta do garantismo.

    Tirando o Lula de cena, a artilharia da mídia vai alvejar os messiânicos do mpf-judiciário. E os capitães do mato e o PT serão considerados os responsáveis pela destruição do país.

    Com a elite brasileira não se brinca. Sabujos e republicanos têm o tratamento que merecem. E os Mesquitas são muito mais elite que os Marinhos. Frias e Civitas então…tá longe.

  5. Essa bola ja foi levantada

    Essa bola ja foi levantada pelo DCM, agora que já se prestaram ao serviço sujo vão ser descartados sem dó nem piedade, igualzinho aquela estória que vimos recentemente do menino pobre que ia mudar o Brasil, aliás, onde foi parar o tal menino?  No lixo, certamente! 

  6. Mas já faz um bom tempo que

    Mas já faz um bom tempo que sabíamos que isto iria acontecer não?E o Estadão é só o começo. Agora vou adorar ver os verde-amrelinhos batendo panelas e girtando ‘ fora Dallagnol “‘Fora  Moro ” e por ai.

  7. O que me chama a atenção

    O que me chama a atenção nisso tudo é que essa mídia conservadora e golpista poderia se dar muito bem com qualquer substituto de Temer, seja ele vindo do STF ou do congresso.. ou até mesmo emplacar um candidato em eleições indiretas. Entretanto ela preferiu abraçar esse governo ilegítimo e manchado de sangue. Qual o motivo? Qual o medo? Estaria ela sendo chantageada também? Estaria ela com medo de se expor à luz quando esses caciques caírem e não terem mais nada para entregar?

     

     

  8. Figuras facilmente criticáveis são alvos fáceis para a imprensa.

    Moro e Dallannhol são figuras que tem certamente pés de barro, não é necessário para demoli-los usar criatividade ou inteligência é só mandar um estagiário ler uma boa parte do que já foi escrito na imprensa alternativa e divulgar com ênfase na grande imprensa.

    Os tiozinhos que ficam a frente das TVs ou se informam pelos grandes órgãos da mídia imprensa que em duas ou três semanas eles vão virar lixo, aí é dar a palavra chave aos tribunais superiores de segunda ou teerceira instância que simplesmente estão sentados em cima de todas as revisões de penas estabelecidas na primeira instância, quando fizerem isto irão cair a grande parte destas condenações. e alguns que eram criminosos vão virar martires.

    O problema básico de tudo isto é que as contradições do atual governo vão continuar a existir, ou seja, não é por isto que os serviços públicos vão melhorar e o desemprego irá diminuir.

  9. o exemplo barbosa não te serviu..

    Acreditou e se acreditou, e esta empáfia bem alimentada pela imprensa outrora tua amiga (da onça) e tão necessárias nas tuas sandices está te descartando com desonra.

    Uma obscura cidade do profundo interior deste estado agrícola do sul vai ser o teu tumulo, terás tempo para meditar.

  10. Estadão, um jornal a serviço do patrão

    E a classe média conservadora servindo de massa de manobra. “Como ela é inteligente, como ela é inteligente” 🙂

  11. Escrevio com seriadidade e

    Escrevio com seriadidade e sem ironia.

    Muitos blogs ficam lendo noticias e articulistas que escrevem segundo o que pensam.

    Pouco importa ( exemplo aleatório;lULA  é um horror)

    Se 100 jornalistas escreverem isso, essa notícia não circula;

    Mas um, apenas um , escreve que Lula é paz e amor.

    É esta que circula nos blogs de esquerda–muitas x sem dar crédito.

    Se até o ultra conservador Reinaldo Azevedo é conta manada ( e escreve todos os dias sobre isso). por que os Lulistas são tão radicais a não reconhecer um erro sequer dele ?

    Desculpe pela redundância de chamar Lulistas de radicais.

    Erro,mais um, de escrita,

  12. A força das marés
    “A liberdade de atuação de editores e repórteres varia, no entanto, conforme a “maré”.”
    A maré agora: $$$$$$$$$$$$$$$$.

  13. Vi isso tem umas 2 semanas

    Peguei um táxi, o taxista ouvindo uma rádio do PIG, o “comentarista” (?) (sic) levantando a bola da dúvida: ah, mas essa operação está estrangulando a economia. Temos que pensar nos empregos, blá, blá, blá….

     

    Lembro direitinho desse mesmo joguinho sujo em 1999, quando FHC fez alí, sim, o verdadeiro “mensalão” para comprar a aprovação a sua candidatura e reeleição, e a oposição via, principalmente, o PT, tentou emplacar a CPI DA CORRUPÇÃO. Eram chuvas de “comentários” como “investigar é muito importante mas o governo precisa trabalhar”. Lembro do JN usando Joelmir Beting como o verdadeiro motoboy dessa pizza. E eis que a corrupção no Brasil começou em 2002. Antes, não vem ao caso.

  14. Em nosso Haiti, a classe

    Em nosso Haiti, a classe dominante controla totalmente o Estado e a grande mídia. Esperemos que a esquerda, agora, passe da infância diretamente para a maturidade. Se não o fizer, estará liquidada. 

  15. Srs.: HOJE ,12/02, no blog do

    Srs.: HOJE ,12/02, no blog do Noblat, tem uma materia assinada por JoséPadilha, intitulada “A importância da Lava-jato”  na qual ele elenca  “Vinte e sete enunciados sobre a oportunidade de desmontar o mecanismo de exploração da sociedade brasileira”. Acho que essa reportagem merecia uma resposta de um jornal como o GGN. Ele se deu ao trabalho de elencar 27 ítens, e em nenhum deles falou sobre a paraticipação da Globo no que ele chama de “o mecanismo”. 

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