Como melar um processo judicial, por Rogério Dultra

Enviado por Webster Franklin

Do blog Democracia e Conjuntura

Tudo que você sempre quis saber sobre como melar um processo judicial mas tinha medo de perguntar

Por Rogerio Dultra dos Santos

Imagine que você é um juiz criminal e tem dois objetivos: a) transformar-se em herói nacional, prendendo grandes executivos, parlamentares e donos de grandes empresas com estardalhaço e em rede nacional, e, ao mesmo tempo, b) contribuir para destruição de um agrupamento político importante, porém incômodo, abrindo o caminho para que as assim consideradas elites tradicionais retomem o controle do Estado.

Estes dois alvos, veja, são complexos e trazem um sem número de efeitos colaterais. Deverá evitar, acima de tudo, que os danos se voltem contra você.

Mas a receita do sucesso é relativamente simples: feche negócio com o Ministério Público, que geralmente quer ver qualquer coitado que passa pela sua frente nas grades; transforme-se em associado eletivo e fonte de informação privilegiada para jornalistas da grande mídia e, o ingrediente fundamental da receita, mele o processo, isto é, evite que ele prospere para além dos factóides que você irá criar.

Isto mesmo. Se você quer: a) aparecer de paladino da justiça, b) produzir dezenas de imagens simbólicas de empresários algemados e passando necessidade atrás das grades, durante o tempo que você quiser, c) criminalizar e, ao final, sepultar o maior partido de massas do país, abrindo as portas para o modo usual de governo das elites, faça de tudo para que ninguém seja de fato condenado. Um rico algemado no jornal de hoje vale mais que mil políticos condenados não se sabe quando e nem por quem.

Estabelecidas as linhas gerais, preocupe-se com os detalhes.

Um pormenor de peso é o seguinte: uma coisa é o processo penal e outra coisa completamente diferente são os direitos previstos na Constituição. No processo, esses direitos não precisam ser obedecidos. Como você é um juiz e não um constitucionalista, nem defensor de direitos humanos para bandido, não se importe com a Constituição nem com o “devido processo”, ou mesmo com o “princípio” da legalidade (pois é só um valor), com a ampla defesa, nem com esse negócio de presunção de inocência. Se há presunção é porque os indiciados e réus têm culpa no cartório. Em resumo: não perca tempo com direitos fundamentais. Deixe isto para os Ministros do STF (mas lembre-se, o ideal mesmo é que este processo nunca chegue lá. Você não precisa disto: a ideia é que a República caia antes).

Outra coisa relevante: nunca prenda ninguém com base em provas. Para que perder tempo e dinheiro público com investigações infindáveis, análises contábeis, escutas autorizadas, perícias de documentos, softwares, imóveis e contas, ou com testemunhas inalcançáveis. Prenda sem motivo. A doutrina o autoriza a fazer isto. Até mesmo a associação de magistrados vai apoiar a sua conduta. Praticamente todos fazem a mesma coisa. A diferença importante é que você vai fazer com ricos e políticos. Ma non troppo. Lembre-se: é tudo fogo de palha.

Agora, se você quer mesmo brilhar em cada passo, preocupe-se que, em todos os movimentos da Polícia Federal, em cada conversa de seu grupo de Procuradores com a mídia e em cada folheada dos autos em segredo de justiça sempre vaze uma coisa. Pode ser um nome, ou melhor, uma lista de nomes de políticos que supostamente poderiam ser investigados, uma conta na Suíça (mesmo que declarada no Imposto de Renda), um bilhete que seja. Cada vazamento gerará uma avalanche de suspeitas, de teses, acusações e defesas que permitirão que os seus réus sejam vistos sempre como mais culpados e mais criminosos. E isto tudo sem que você precise escrever uma linha.

Vão questionar os seus procedimentos. Afinal, ricos e poderosos geralmente têm bons advogados. Mas, lembre-se, você tem a mídia ao seu lado! Uma notícia de primeira página abafa a voz de qualquer advogado. Com a amplificação dos telejornais, com a repetição das redes sociais e com a chancela da dos periódicos impressos, as suas hipóteses virarão indícios, as suspeitas, provas e as delações – atente-se para as delações! – serão o combustível para a transmutação de qualquer dúvida em verdade.  Afinal, um dedo em riste vale mais que mil análises contábeis.

Outra coisa que vai demandar atenção é o trato com a classe política. Comece perseguindo o segundo escalão. Eles não estão acostumados a lidar com o mundo do direito. Se aproveite disso. Como você precisará de apoio nas cortes superiores para chegar ao estrelato, não se esqueça de bajular os Ministros do Supremo. Dê presentes para eles em forma de militantes presos. Um militante histórico algemado na Proclamação da República não tem preço. E irão te agradecer por isto, não colocando nenhum óbice seja na prisão dos tubarões graúdos, seja na sua futura indicação. Pense nisto com carinho. Este é o seu gol.

Mas, lembre-se, não vão deixar você em paz. Se prepare para isto e oriente seus familiares. O silêncio e a constrição são o melhor remédio. Deixe que a mídia faça o seu trabalho. Ela está ao seu lado e irá chancelar cada passo que você der. Ainda assim irão questionar a sua imparcialidade. Finja que não é contigo. Você acabará ganhando algum prêmio empresarial e sairá em editoriais e capas de jornais e revistas como um empreendedor de sucesso! Nem o Tribunal nem mesmo o Corregedor terão coragem de colocar freios em você, mesmo que você acabe falando ou dando declarações esquisitas aqui ou ali. No fundo, estarão todos te aplaudindo (ou com medo da repercussão negativa)!

Apesar de ser a sua finalidade capital, não deixe o sucesso subir à cabeça. Você será convidado para dezenas de conferências, entrevistas, clubes e jantares. Todos o festejarão no supermercado, no shopping, na farmácia. Mas é você que tem a caneta. A responsabilidade da condução do processo é sua. E quando disserem que está na hora de prender um Presidente, pense duas vezes.

Quem faz o trabalho sujo das elites tem prazo de validade. Dura o tempo que é útil. A sua principal tarefa é conseguir sair ileso do processo. Esta é a malandragem suprema. Veja: você irá desnudar como o judiciário realmente funciona – irá desagradar não somente a classe dos advogados, mas aqueles que se fiam que a justiça é correta e imparcial e aqueles que sempre se locupletaram dela mas o fizeram em silêncio; você será o vértice da luta de classes no país, pois o seu processo funcionará como catarse de uma violência social que se acumula há séculos, num país cujas elites são, no fundo, escravagistas; você colocará em questão a ordem jurídica, pois o direito e suas regras atrapalham o desenvolvimento de seu processo; você e o seu processo atacarão frontalmente a ordem democrática, já que a voz das urnas não é a voz que você ouve nas conferências, clubes e jantares – a voz das ruas deve ser calada; e você, caro amigo, você é uma peça substituível – um burocrata numa instituição entupida de burocratas com vontade de poder que nem você.

Então, agora que o seu processo está em andamento, agora que você não pode voltar atrás nem que você queira – e você, convenhamos, não quer –, chegará a hora de encarar o imprevisível. A sua malandragem será ser capaz de improvisar na imprevisibilidade e voltar toda a energia reativa já gerada contra você a seu favor. Esta é a malandragem usual da classe política e da classe empresarial. O seu problema é que você fez direito. Não é nem político, nem empresário. Vai ter que se virar nos trinta. E como dizem no teatro para dar sorte – por que isto tudo, você sabe, é uma pantomima – Merda para você!

Rogerio Dultra

13 Comentários

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  1. Para com isso.Pra que tanta

    Para com isso.Pra que tanta explicação?

       É simples: Se Sarney estiver de um lado,está melada a investigação.

                Evidente que não é o único que mela.

                 Mas é o mais notório.

  2. Dois ex-presidentes do STF,

    Dois ex-presidentes do STF, Maurício Corrêa e Joaquim Barbosa, seguiram este script e foram descartados como lixo pela elite, depois de usados.

    Moro já cruzou o Rubicão e a sorte (dele) foi lançada.

    O único alento é saber que esse tipo de celebridade tem vida curta.

  3. Sérgio Moro está mais
    Sérgio Moro está mais interessado em notoriedade do que em recato.  Ele  não conhece a Lei Orgânica da Magistratura ou se recusa a cumprir a mesma.  Age como um ator ou um parlamentar, não como um Juiz que profere decisões nos autos sobre pessoas e fatos investigados.  Não respeita o direito de defesa e de manifestação das pessoas investigadas.  Se esforça para destruir reputações com base em suspeitas. Prende para obter delações. Efetua prisões com base em suposições como se o princípio constitucional da inocência não tivesse valor.   Recusa-se a respeitar o Estatuto da OAB que garante o sigilo das comunicações entre advogados e clientes e garante a inviolabilidade do escritório e dos arquivos do defensor da parte.  Forneceu a imprensa a notícia da “não investigação de Lula”.  E, muito mais grave, faz pré-julgamentos em público.  Como foi que este moço passou no concurso para Juiz? Porque o CNJ o mantém no cargo? 

  4. Ele atua como um enfante

    Ele atua como um enfante imprudente (predicado indispensável em magistrados, não é à toa que existe o termo jurisPRUDÊNCIA).

    Indignado, revoltado, acicatado, assoberbado virou “parte” no processo. Sem entender ou entendendo muito bem que o que está em jogo é a disputa pe-lo-po-der; pe-lo-po-der.

    Nos dois casos isso é indesculpável em um magistrado, mas não para um tigre.

    Acusação de corrupção sempre foi arma política. Só ele e uma manada de concurseiros e MBAs acreditaram que tudo se trata de um “projeto de poder” de um partido.

  5. Como Joaquim Barbosa o Moro é

    Como Joaquim Barbosa o Moro é mais um serviçal do andar de cima com data de validade. Quando o circo do golpe se for ele também cairá no merecido ostracismo.

  6. Moro

    Se eu fosse o PT, contratava uns vinte seguranças para o Moro.  Imaginem se o prazo de validade estiver vencendo – e parece que está – e os beneficiários da situação resolverem que o descarte abrupto poderá ser a senha para chegar mais cedo ao Poder. Hummm…

  7. Basta colocar um Ciro Gomes

    Basta colocar um Ciro Gomes ou um Roberto Requião no Ministério da Justiça para acabar com as palhaçadas do Moro, dos procuradores e desses delegados partidarizados. E ai se fosse nos EUA! Já estariam todos na cadeia!

  8. Sem luta e resistência não há vitória

    Tudo bem ! O Moro é o Moro, a mídia é a mídia e a oposição é a oposição… E farsa é essa que está ai, descrita no relato.

    Agora, isso tudo só é possivel graças à passividade e a covardia infinita do Governo.

    Mil vezes prefiro morrer combatendo do que perecer inerte, sem reação, calado. Sem luta e resistência não há vitória.

    Pois no final, o inimigo terá vencido a guerra sem nenhuma baixa…

  9. É um excelente recado. Mas

    É um excelente recado. Mas não pode comever o destinatário porque ele não pode mudar seus compromissos. Há uma grande possibilidade de que quem escreveu o roteiro que o Moro segue não foi nem ele nem o Destino. Embora, se verdadeira, esta observação não possa diminuir um milímetro sequer da sua responsabilidade pessoal sobre o que faz. A segurança inabalável com que comete barbaridades de deixar o Diabo de queixo caído, dá a entender que a mão poderosa que sustenta tudo não é a dele e nem mesmo a da inconstante mídia que o apóia já também por obrigação. A mão poderosa traz em sua palma ele e a mídia, ao lado de um imenso arsenal de martírios que ela tem reservado para jogar sobre o país nos momentos certos do seu espetáculo golpista.

  10. Eu ri.

    Um título mais honesto deveria ser “Por que melar processo judicial?” Daí começava descrevendo porque é imprescindível ao desenvolvimento nacional que certas pessoas do país não sejam jamais investigadas e processadas, e depois seguia a toada mostrando o que fazer para melar processos caso algum tresloucado decidisse ignorar essa verdade u-lulante. Ao final, o autor, no melhor estilo maquiavélico, concluiria que sim, há virtude na proteção aos corruptos, quando ela se presta ao bem maior de favorecer a permanência do Príncipe (Partido) no poder. E, se alguns magistrados do país são incapazes de compreender essa verdade auto-evidente, que tenham seus processos devidamente melados até que “criem juizo”.

    Um texto assim poderia não ser exatamente um tratado ético, mas ainda seria mil vezes mais honesto para com o pensamento e a obra da maioria do blog, além de não ofender a inteligência dos  demais leitores.

    1. Faz o seguinte:

      Faz o seguinte: escreva você o seu texto,  e o publique, se tiver competêcia suficiente para isso. Deixe de querer remendar o texto alheio!

      1. Já tive vários textos

        Já tive vários textos publicados aqui, nenem. Sou um dos membros mais antigos do blog, de uma época em que ainda se estimulava a seriedade e o contraditório por aqui. Não mais. Não faço questão alguma de publicar mais nada e pelo contrário, quanto menos atenção eu tiver de vocês, melhor. Pois meu “público-alvo” é outro, se é que me entende. Eu dialogo com as (poucas) pessoas sérias que ainda frequentam o blog, cada vez mais assustadas com a decadência do nível dos debates.

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