Como o modelo de mercado ameaça a educação

Por Leandro_O

Comentário ao post “A educação e seus cabeças de planilha

Diane Ravitch, ex-secretária de Educação norte-americana fala sobre a falência da meritocracia no livro “Vida e morte do grande Sistema Escolar Americano”. Ravitch foi secretária-assistente de educação nos governos Bush (pai) e Clinton, além de líder do movimento para a criação de um currículo nacional – ela era uma grande defensora da meritocracia e dos testes padronizados (os provões) nas escolas de seu país, mas após trabalhar no governo, reviu radicalmente sua visão. O livro mostra como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a Educação.[1]

Leia abaixo parte da entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, por Diane Ravitch[2]:

“Por que a senhora mudou de ideia sobre a reforma educacional americana?

Eu apoiei as avaliações, o sistema de accountability (responsabilização de professores e gestores pelo desempenho dos estudantes) e o programa de escolha por muitos anos, mas as evidências acumuladas nesse período sobre os efeitos de todas essas políticas me fizeram repensar. Não podia mais continuar apoiando essas abordagens. O ensino não melhorou e identificamos apenas muitas fraudes no processo.

Em sua opinião, o que deu errado com os programas No Child Left Behind e Accountability?

O No Child Left Behind não funcionou por muitos motivos. Primeiro, porque ele estabeleceu um objetivo utópico de ter 100% dos estudantes com proficiência até 2014. Qualquer professor poderia dizer que isso não aconteceria – e não aconteceu. Segundo, os Estados acabaram diminuindo suas exigências e rebaixando seus padrões para tentar atingir esse objetivo utópico. O terceiro ponto é que escolas estão sendo fechadas porque não atingiram a meta. Então, a legislação estava errada, porque apostou numa estratégia de avaliações e responsabilização, que levou a alguns tipos de trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de esforços duvidosos para alcançar um objetivo que jamais seria atingido. Isso também levou a uma redução do currículo, associado a recompensas e punições em avaliações de habilidades básicas em leitura e matemática. No fim, essa mistura resultou numa lei ruim, porque pune escolas, diretores e professores que não atingem as pontuações mínimas.”
Sobre seu livro, comentam Sara Badra de Oliveira e Rita de Cássia Silva Godoi Menegão:[3] 

“Além dessa forma de privatização, os princípios empresariais são injetados no aparelho do Estado, que passa a utilizar um sistema de dados – os testes de múltipla escolha de habilidades básicas dos estudantes – como base para decisões de responsabilização, que envolvem recompensas e punições para escolas e seus profissionais, conforme atinjam as metas de desempenho.
[…]
No entanto, a ebulição desses acontecimentos e de tantas evidências contrárias não foi suficiente para abafar o movimento de reforma empresarial, que adquiriu novo fôlego graças aos investimentos contínuos do setor filantrópico privado, às publicações acaloradas da mídia – como a do jornal Newsweek, sem contar o glamour agora conquistado em Hollywood com o lançamento do documentário Esperando pelo super-homem, em 2010.” 

Paul L Thomas, antes um crítico de Ravitch na época em que ela promovia as mudanças nos EUA, escreveu um artigo intitulado “O Mito da Meritocracia vs. As Vantagens do Privilégio (Um Conto de Arrogância)”[4]. Paul afirma: “estou agora a considerar a necessidade de que todas as pessoas devessem ler os clássicos, especialmente os dramas clássicos, e vou nessa direção devido à completa e total falta de liderança em nossa democracia.”

“Considere Édipo,”, segue Paul, “ele nos revela um homem hábil e experiente que não só sobe ao poder supremo, mas também acredita que ele mereça esse papel. Então, e mais pungente, Édipo expõe que, mesmo entre a elite, a arrogância (o que classicamente chamamos de “orgulho”, mas na nossa dicção contemporânea é melhor capturado pela “arrogância”) supera todo o mérito de uma pessoa, especialmente em um líder .

Édipo sofre a tragédia de matar seu pai e casar-se com sua mãe, apesar de ter sido dito que isso ocorreria. Édipo não é apenas um mito ou mera ficção, no entanto, já podemos seguidas vezes como líderes não nos decepcionam em permanecer fiel às suas próprias ideologias, apesar das evidências em contrário.”

[1]“Um apelo passional pela preservação e renovação da educação pública. O livro Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano é uma mudança radical de perspectiva, escrito por uma das mais conhecidas especialistas em educação dos EUA.

“Diane Ravitch examina a sua carreira na reforma educacional e repudia posições que ela anteriormente defendeu firmemente. Baseando-se em 40 anos de pesquisa e experiência, Ravitch critica as ideias mais populares de hoje para reestruturar as escolas, incluindo privatização, testes padronizados, responsabilização punitiva e multiplicação irresponsável de escolas autônomas. Ela demonstra conclusivamente por que o modelo empresarial não é uma forma apropriada de melhorar as escolas. Usando exemplos de grandes cidades como Nova York, Philadelphia, Chicago, Denver e San Diego, Ravitch evidencia que a educação de hoje está em perigo.

“Ravitch inclui propostas claras para melhorar as escolas americanas:

– deixe as decisões sobre as escolas para os educadores, não para os políticos ou empresários;

– construa um currículo verdadeiramente nacional que estabeleça o que as crianças em cada série deveriam estar aprendendo;

– espere que as escolas autônomas eduquem as crianças que precisam de mais ajuda, não que concorram com as escolas públicas;

– pague um salário justo aos professores pelo seu trabalho, não um “salário por mérito” baseado em pontuações de testes profundamente falhos e não confiáveis;

– encoraje o envolvimento familiar na educação logo a partir dos primeiros anos.

“Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano oferece mais do que apenas uma análise da situação atual do sistema educacional americano. É uma leitura fundamental para qualquer um interessado no futuro da educação americana.

Diane Ravitch é professora e pesquisadora de educação na Universidade de Nova York e membro associado do Instituto Brookings. De 1991 a 1993, ela foi secretária-assistente de educação e conselheira do secretário de educação Lamar Alexander na administração do presidente George H. W. Bush. O presidente Clinton apontou-a para a Junta Nacional de Assessoramento Governamental, que supervisiona as testagens federais. Ela é autora e editora de mais de 20 livros, incluindo The Language Police e Left Back, e seus artigos apareceram em numerosas revistas e jornais. Nativa de Houston, Ravitch graduou-se nas escolas públicas de Houston, Wellesley College e Universidade de Colúmbia. Ela vive no Brooklyn, Nova York.”
<http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=2648>

[2]’Nota mais alta não é educação melhor’
O Estado de São Paulo, 02 ago 2010.
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nota-mais-alta-nao-e-educacao-melhor,589143,0.htm>

[3]
Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação
“[…]
A infusão de ideias de mercado na educação pública é acompanhada pela injeção de grandes somas de dinheiro por poderosos empresários e suas grandes fundações, que assumem para si a tarefa de reformar a educação. Assim, a reforma abre suas portas para o domínio de profissionais de diversas áreas, sobretudo do meio empresarial, contribuindo para a desvalorização da profissão docente.
[…]
Quando as pessoas são pressionadas a satisfazerem medidas limitadas de desempenho, suas ações irão concentrar-se obsessivamente nos aspectos que influenciam estas medidas, negligenciando os outros objetivos da educação e os aspectos qualitativos do trabalho que não podem ser mensurados.
[…]
Desde o lançamento da primeira edição, surgiram importantes movimentos de resistência de vários grupos organizados, incluindo atores como pais e professores; escândalos emergiram apontando fraudes praticadas em grandes sistemas (como Nova Iorque), antes exaltados pelos reformadores devido aos seus “excelentes resultados”; e importantes pesquisas continuam a demonstrar a incapacidade das políticas de mercado em prover melhor educação para os estudantes, bem como 
as distorções provocadas por elas. 
[…]”
<http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a17v33n119.pdf>

[4]Meritocracy Myth v. the Advantages of Privilege (A Tale of Hubris). 06 abr 2011.
<http://www.dailycensored.com/meritocracy-myth-v-the-advantages-of-privilege-a-tale-of-hubris/>

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É o que já acontece aqui

    Está afirmação de que em Minas Gerais a educação melhorou devido aos números apresentados pelo IDEB podem ter sido fraudados. Em diversas escolas os próprios professores axiliam os alunos na hora da prova para que o resultado da escola melhore (principalmente nos Estados onde a melhora nos resultados são premiados com abonos e ganhos salariais). As escolas que buscam aferir os resultados de forma correta, ou seja, sem ajudar os alunos a responder as questões da avaliação, naturalmente vão apresentar um resultado inferior daqueles onde o processo está sendo manipulado. O país que há mais tempo está entre as nações com melhor educação do mundo é a Finlândia e lá não há nenhum sistema de avaliação nacional, o que existe é um comprometimento da sociedade com a educação. Isso significa que todos os autores envolvidos no processo educacional: Estado, escola, pais e alunos assumem sua parte de responsabilidade por uma educação de qualidade. Está conversa de gestão é pra quem não quer assumir sua responsabilidade e sim punir quem tá todo dia dentro da sala de aula tentando fazer o melhor para contruir um futuro mais digno para o povo brasileiro e mesmo não possuindo nenhum recurso busca fazer o possível e, as vezes, o impossível. Na verdade, se consideramos a atual realidade da educação no Brasil, onde as escolas parecem mais um presídio do que um centro educacional, os resultados apresentados até que não são tão ruins. Faltam bibliotecas, salas de informática (quando têm, os computadores são insuficientes para o grande número de alunos), quadra coberta, sala de vídeo, laboratórios, material didático, etc. Além disso, os professores não possuem formação continuada, os salários são baixos, a carga horária é excessiva (a maioria trabalha três períodos para complementar a renda), as salas de aulas são super lotados (as escolas ganham por número de alunos matriculados, quanto mais aluno mais dinheiro) e quem não é concursado (é a maioria), pode ser demitido sem nenhuma justificativa plausível, são demitidos sem direito a nada todo final e meio de ano e portanto, ficam sem salário, não tem direito a FGTS, Fundo de Garantia, em muitos casos se quer é reconhido o INSS. Então, diante dessa realidade o resultado, apesar de ruim, poderia ser pior, se não fosse o compromisso do professor que mesmo estando no inferno, busca ocultá-lo do aluno, para que ele possa ver o paraíso que é o conhecimento. O professor deveria ser o exemplo de que estudar é bom. No entanto, aquele que dedicou sua vida a estudar e partilhar seu conhecimento com outros é exatamente o mais desvalorizado dos profissionais. Como o aluno, diante dessa constatação, pode achar que estudar é algo bom?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador