do Observatório da Imprensa
Do jornalismo cidadão ao cidadão crítico
Por Lívia de Souza Vieira
Texto publicado originalmente no site objETHOS
Embora ainda sejam importantes para os estudos de newsmaking, não é difícil constatar que vivemos um cenário em que essas premissas estão sendo constantemente questionadas. As instituições jornalísticas continuam sendo mediadores importantes dos acontecimentos, mas não são mais os únicos. Junto a elas está a crescente possibilidade da emissão de informação por parte da audiência. E isso muda muita coisa.
É certo que um grau de participação da audiência na produção de notícias sempre existiu. Cartas dos leitores, ligações telefônicas e mensagens por fax, por exemplo, não são meios novos de comunicação. Da mesma forma, não estamos dizendo que havia uma passividade dos leitores com relação à informação jornalística consumida. O simples ato de mudar de canal já representava autonomia e escolha crítica do cidadão.
No entanto, a partir da década de 1990, com a explosão dos blogs, o poder de participação dos cidadãos comuns foi bastante amplificado. Inicialmente utilizados como diários virtuais, os blogs passaram a noticiar acontecimentos vivenciados por pessoas que, até então, eram enxergadas somente como ‘leitores’. O ataque às Torres Gêmeas, em 2001, nos Estados Unidos, foi um marco dessa participação. Hoje, com as redes sociais digitais, fica muito mais fácil entender o empoderamento dessa audiência.
Nesse contexto, as redações jornalísticas passaram a acolher a participação individual de forma mais efetiva, chamando tais interagentes de ‘jornalistas-cidadãos’, dentro do que se convencionou como jornalismo colaborativo ou participativo. Essas nomenclaturas são frequentemente questionadas, pois ser fonte de informação ou enviar vídeos e fotos de flagrantes do cotidiano não fazem do cidadão, necessariamente, um jornalista.
Mesmo com essas ressalvas, há inúmeros exemplos que mostram que esse é um caminho sem volta: a emissão de informação jornalística, ou seja, de interesse público, não é mais exclusividade dos jornalistas.
A partir desse contexto, vamos acrescentar um ingrediente à reflexão: além de produtores de notícias, cidadãos comuns estão, cada vez mais, exercendo o papel de críticos do jornalismo feito pelas empresas tradicionais de mídia.
Tal fato igualmente não é algo novo, pois as críticas às práticas jornalísticas ocorreram quase que ao mesmo tempo do nascimento dos primeiros jornais. Nos dias atuais, sites de crítica de mídia como o Observatório da Imprensa, por exemplo, possuem artigos de profissionais de diversas áreas.
Embora não seja nova, a crítica ao jornalismo tem ganhado contornos interessantes nas redes sociais, com destaque para a utilização do humor através dos memes. Dessa forma, o empoderamento do cidadão comum se volta para a crítica à produção jornalística, seja questionando linhas editoriais ou enquadramento de determinados acontecimentos. Consideramos que tal fenômeno possui implicações éticas, pois, ao viralizarem nas redes, os memes depõem contra a credibilidade historicamente construída pelas instituições jornalísticas.
Com fundamento ou não, questionar as instituições é também questionar o próprio jornalismo, embora saibamos que os dois não são a mesma coisa. Após mais de 300 anos de jornalismo institucionalizado, não é fácil separar as empresas do que é o jornalismo, propriamente dito.
Quando a imprensa vira piada
Em janeiro deste ano, a Folha de S. Paulo deu, em manchete, o hoje já conhecido episódio do barco de Lula. De acordo com a reportagem, Marisa Letícia, mulher do ex-presidente, adquiriu um barco e mandou entregá-lo em um sítio na cidade de Atibaia (SP), o que comprovaria uma relação próxima de Lula com a propriedade.
O sítio está registrado em nome de Jonas Suassuna, sócio do filho de Lula, Fábio Luiz. Também de acordo com a Folha, que ouviu uma fornecedora de material de construção e um marceneiro, a reforma do sítio teria sido paga pela empreiteira Odebrecht.
No entanto, o que a reportagem não destacou em manchete é que o barco é, na verdade, uma pequena embarcação, quase uma canoa motorizada, que custa R$ 4.126. No mesmo dia, a fragilidade da ‘denúncia’ começou a ser questionada nas redes sociais.
Com a legenda ‘as canoa, os triplex, os foguete da nasa… E um dia será do filho do Lula’, o meme feito pela fanpage ‘Deboas na Revolução’ no Facebook faz alusão ao filme “O Rei Leão”, para criticar a relevância de tal “denúncia”.
Também de forma bem-humorada, a imagem abaixo chama atenção para o papel social do jornalismo de checagem e verificação dos fatos. Se levada à reflexão, podemos entendê-la como um alerta importante do público, já que, ao deixar de cumprir funções essenciais, o jornalismo deixa, em última instância, de ser reconhecido como tal. Diversas pessoas e páginas compartilharam a imagem, de modo que é difícil saber a fonte original.
A imagem abaixo, compartilhada pelo escritor Fernando Morais, é uma espécie de análise semiótica de uma página do jornal O Estado de S. Paulo, em que o autor critica detalhadamente as escolhas editoriais do veículo. Desde a diferença nos semblantes de Lula e Fernando Henrique Cardoso até a estrutura verbal dos dois títulos. A intenção da crítica, que viralizou nas redes sociais, foi mostrar novamente as acusações a que Lula é submetido pela imprensa, das quais o também ex-presidente FHC é poupado.
Questionando especialmente os títulos das notícias, a página ‘Caneta desmanipuladora’ noFacebook os reescreve de forma objetiva e, segundo o próprio nome, sem manipulação. A página recebe muitas colaborações, o que reforça nosso argumento de que os leitores não só percebem os enquadramentos enviesados da cobertura jornalística tradicional, como também a criticam. Veja alguns exemplos abaixo:
Brincadeira séria
A relação dos jornalistas – e do jornalismo – com sua audiência foi marcada por tensões ao longo do tempo. A arrogância profissional e a primazia na emissão das informações fizeram com que os lados de quem emite e de quem recebe estivessem bem demarcados durante um longo período.
Atualmente, com o quase desaparecimento dessa demarcação, cabe às instituições ouvir de forma séria seus leitores. São eles que atestam a credibilidade de que tanto se vangloriam as empresas jornalísticas. Embora circulem pela internet de forma bem humorada, a crítica à imprensa precisa ser levada a sério.
Estamos falando, portanto, de um desafio ético, que diz respeito à credibilidade e à própria sobrevivência das empresas jornalísticas. Há que se tomar atitudes para além da retórica de que os leitores são o maior patrimônio de um jornal. Começar a ouvir as críticas que partem de cidadãos comuns é o primeiro passo para a reflexão sobre o futuro do jornalismo.
Um caminho interessante para a formação de cidadãos críticos e atentos é o contato com a leitura crítica da mídia desde a infância. Dessa forma, o cidadão aprenderia, ainda na escola, a desenvolver um senso crítico e a ler as notícias de maneira a questionar e interpretar os mais diversos enquadramentos. Seria uma excelente maneira de entender as relações entre a mídia e as audiências, o que certamente elevaria a qualidade do noticiário. Cidadãos que questionam contribuiriam, assim, para uma imprensa melhor, dentro e fora das redes sociais.
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Lívia de Souza Vieira é doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS
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É um fenômeno global
É um fenômeno global a Fox também apóia os Republicanos no EUA e promove, dentro de sua programação jornalística, coberturas que denigrem a imagem dos candidatos democratas
No Brasil Globo, Estadão, Folha e Veja, como exemplos, já perderam há muito tempo seus leitores “pensantes” aqueles com a devida capacidade de raciocionar criticamente sobre a opinião dos outros, os que sobraram foram os (e)leitores “passivos” e os que vêem suas opiniões retrógradas espelhadas na mídia
Pra piorar ainda existe o controle familiar e político dos jornais no Brasil, a maioria dos jornais regionais são de propriedade de famílias de políticos que fazem a cobertura jornalística sobre o devido interesse de seus patrões, alías sempre foi assim…
http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/novo-alvo-do-mpf-os-politicos-donos-da-midia-3650.html
Para onde vamos?
Tudo indica haver um esforço à cooptação de tolos, imbecis e desinformados.
Com essa gente na mão fica fácil mudar o mundo.
“Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela QUANTIDADE ! Eles são muitos “
– Nelson Rodrigues –
Enquanto isso, no caderno de
Enquanto isso, no caderno de esportes…
O atacante arrematou de fora da área, mas a bola acabou saindo direto pela linha de fundo. Antes que o goleiro cobrasse o tiro de meta, o árbitro da partida consultou seus auxiliares e também o quarto árbitro, depois dirigiu-se ao meia armador e mostrou-lhe cartão vermelho, expulsando-o de campo. O capitão e o resto do time protestaram em vão. Finda a partida, os repórteres perguntaram qual havia sido a justificativa do juiz para a expulsão do camisa dez.. “Eu diisse que ele nem havia participado da jogada, aí o juiz respondeu que ele e os outros fizeram um julgamento político e resolveram expulsar o cara”, declarou o capitão. O árbitro da partida também foi procurado pelas equipes de reportagem, mas limitou-se a dizer que o motivo da expulsão “não vinha ao caso”.
Sem comprimisso com a verdade dos fatos
Excelente texto. Constatações relevantes que deveriam servir às reflexões dos barões da mídia e seus soldadinhos.
Lamentavelmente não vão.
É bem possível que, diante dessa realidade, os patrões procurem encontrar novos métodos de engabelar tolos e desavisados porque, tudo indica, são os alvos preferenciais desse tipo de “jornalismo” que cada vez mais vem sendo praticado pela velha mídia.
jornalismo é a arte de separar o joio do trigo e publicar o joio
Não canso de repetir que não existe “a imprensa”, isso é uma absração, o que existe são empresas de comunicação. Nem sei se podemos chamá-las de empresas jornalísticas. Só se for do jornalismo descrito por um comentarista aí da matéria:
“O jornalismo é a arte de separar o joio do trigo, e publicar o joio”. Gostei, vou adotar essa máxima
Aos mestres, com carinho
Muito boa peça de análise. Em especial, o último parágrafo, de que pessoalmente atesto a importância pois tive a sorte e a honra de ter uma professora de História que dava como uma das atividades a tarefa de selecionar notícias de jornal e delas fazer resumo, análise e justificativa de sua escolha.
Escola pública da periferia de São Paulo em fins de 1980 e início dos 1990. Gratíssima, professora Iara, em seu nome agradeço a um grupo de professores – Clóvis, Olga, Rinaldo, João, Sônia, Geraldo, Ivone, Solange, Isabel, Marcia, Jussara, Edileusa, cidadãos conscientes, dedicados, vocacionados ao magistério, e acima de tudo, pessoas com qualidades éticas e afetividade abnegadamente aplicadas ao exercício sublime de educar pessoas pra vida e pra reflexão.
Escola com conhecimento, afeto, convívio das diferenças e estímulo da criatividade em todas as atividades-desafios, diálogo e liberdade como prática, disciplina e responsabilidade como consequência, esta “utopia” é a ameaça ao (ab)uso da educação como adestramento pra formação de “mão de obra qualificada?!”, e que este crime chamado, de modo eufemista e falacioso, de “escola sem partido” quer esterilizar.
Escola é um dispositivo naturalmente revolucionário, pode se transformar num laboratório do pensamento consciente ou uma fatal perda de tempo e destruição de boas sementes.
Investir na formação e plano de carreira dos educadores é nossa única garantia de transformação social profunda e significativa.
Parabéns a quem resiste ao ingrato desafio, ora como formigas, ora como testemunhas de Sísifo.