FHC na LASA: a expulsão do embaixador do golpe, por João Feres Jr

O Comitê Executivo da Latin American Studies Association, em Nova Iorque, por unanimidade condenou o impeachment, considerado um ataque à democracia brasileira. FHC, frente aos protestos, cancelou sua participação. Aqueles quem FHC chamou em nota de “mentes radicais” são acadêmicos que um dia o consideraram um exemplo de intelectual latino-americano.

FHC na LASA: a expulsão do embaixador do golpe

por João Feres Jr

Uma apresentação de Fernando Henrique Cardoso estava programada para a Sessão Presidencial do congresso da Latin American Studies Association (LASA), que ocorre entre os dias 26 e 31 maio em Nova York. FHC e o ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos, foram convidados para falar sobre “os caminhos da democracia na América Latina”. Esse congresso é especial para a LASA, pois nele a associação comemora cinquenta anos de existência.

A reação começou tão logo que a programação do congresso foi anunciada. Acadêmicos filados à LASA, brasileiros e estrangeiros, organizaram um abaixo-assinado pedindo a revogação do convite. Os amigos de FHC revidaram com um outro abaixo-assinado acusando o primeiro de promover a censura à liberdade de expressão. A LASA a princípio manteve o evento, apenas retirando a palavra “democracia” de seu título. Com a aproximação da data do congresso mais e mais filiados manifestaram sua insatisfação com a presença de FHC, uma liderança do golpe contra a democracia brasileira, em uma comemoração tão importante para a associação. Textos foram escritos mostrando o papel ativo que FHC teve como ideólogo do movimento de deposição da presidente Dilma Rousseff, desde 2014, quando ela impôs a quarta derrota eleitoral consecutiva a seu partido, o PSDB.

FHC não resistiu à pressão e no primeiro dia do evento informou o Conselho Executivo da LASA que não compareceria. O ex-sociólogo divulgou nota pública dizendo que não iria porque não desejava “dar pretexto para mentes radicais, dirigidas por paixões partidárias, usarem [sua pessoa] em uma luta imaginária ‘contra o golpe’, um golpe que nunca existiu”.

“Mentes radicais”? Essa é uma descrição muito imperfeita das pessoas que reagiram contra sua presença na LASA. Durante o congresso houve várias manifestações contra o golpe., mas o ato mais significativo foi a aprovação unânime, por parte do Conselho Executivo da entidade, de uma moção muito dura contra o impeachment de Dilma. Entre outras coisas, o texto declara:

“A LASA denuncia o atual processo de impeachment no Brasil como antidemocrático e insta seus membros a chamar a atenção de todo o mundo para os precedentes perigosos que esse processo estabelece em toda a região”.

E mais:

“A maneira arbitrária com a qual o processo de impeachment está sendo conduzido contra a Presidenta Dilma Rousseff constitui ataque contra a democracia brasileira”.

A equação é simples: a LASA condena o impeachment de Dilma como um ataque à democracia brasileira, FHC foi um articulador entusiasmado do impeachment desde o começo, assim, FHC é hoje inimigo da democracia brasileira.

O ex-presidente do Brasil está certo de cancelar sua participação, pois o próprio Comitê Executivo da LASA o declarou, indiretamente, persona non grata no evento que comemora o jubileu da entidade. Mas se os diretores da LASA assumiram tal posição, seriam eles as “mentes radicais” contra as quais FHC apontou o dedo? Claro que não. Só pode dizer isso quem não conhece a LASA, o que não é o caso de FHC, ele mesmo um latinoamericanista.

A LASA é uma associação de especialistas no estudo da América Latina fundada nos Estados Unidos em meados da década de 1960. É mormente uma entidade criada por norte-americanos para organizar um campo de estudos, os Latin American Studies, que existem quase que exclusivamente nos EUA. Os Latin American Studies surgiram como um esforço conjunto da sociedade e do Estado norte-americanos para produzir conhecimento sobre os países da América Latina com a finalidade de informar os esforços de manutenção da hegemonia daquele país na região. Corria a Guerra Fria, e a prioridade geopolítica dos EUA era a luta contra o comunismo no mundo. Entre os fundadores da associação havia vários policy scientists, acadêmicos com envolvimento profissional com o governo do país, geralmente de perfil conservador e imperialista.

Mas já ao final da década de 1960 as coisas começaram a mudar, com a ascensão de pesquisadores jovens, muitos deles influenciados pelo Movimento por Direitos Civis e pelos movimentos contra a Guerra do Vietnam. Eram politicamente progressistas e, talvez por isso, começaram também a olhar para a produção intelectual que vinha da “América Latina” com mais interesse. De toda produção “latino-americana”, a que mais lhes cativou foi a Teoria da Dependência — baseada em uma análise de inspiração marxista que explora a conexão histórica entre o desenvolvimento dos países centrais com o subdesenvolvimento dos países periféricos. Entre os dependentistas latino-americanos lidos pelos acadêmicos norte-americanos, o então sociólogo Fernando Henrique Cardoso foi o mais bem-sucedido. Seu livro Dependência e Desenvolvimento da América Latina, escrito em conjunto com o chileno Enzo Faletto, influenciou gerações de acadêmicos e é até hoje um dos mais lidos em cursos de Latin American Studies nos EUA.

Os acadêmicos norte-americanos que ascenderam à direção da LASA desde o final da década de 1960 e que permanecem até hoje ocupando a maioria dos cargos diretivos da entidade estão muito longe de ser “mentes radicais”. Durante a história da associação repetidamente manifestaram seu apoio decidido à democracia no continente, mas nunca ideias que possam ser interpretadas como radicalismo político, a não ser para quem olha de uma posição radical de direita. São em sua imensa maioria gringos progressistas, eleitores do Partido Democrata.

E aí é que reside o cerne de mais uma derrota sofrida por Fernando Henrique Cardoso, essa de caráter fortemente biográfica: ele acaba de ser condenado, escorraçado, por aqueles para quem um dia foi um herói, um exemplo de intelectual latino-americano. Tratado como um inimigo público da democracia por norte-americanos, brasileiros e hispano-americanos, que aos milhares compareceram ao evento, tornou-se o personagem mais notório da comemoração do cinquentenário da LASA, infelizmente, para ele e para todos, da pior maneira possível. E isso aconteceu não porque os membros da LASA modificaram sua posição histórica, mas porque FHC se converteu com passar dos anos de sociólogo não somente e ideólogo de direita, mas em arauto e embaixador do golpe no Brasil.  

Redação

20 Comentários

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  1. O Príncipe da privataria está

    O Príncipe da privataria está pouco se lixando para a LASA, o golpista tinha como objetivo retirar uma presidenta eleita legitimamente pelo voto popular, despois como todos os outros coxinhas quer tirar o dele da reta.

    1. Ele é muito vaidoso e

      Ele é muito vaidoso e orgulhoso. Deve estar sim sentindo caro o preço que está pagando por fomentar o golpismo. Aliás, vestiu a carapuça, porque se ele acha que não houve golpe, deveria ter ido lá defender sua posição… ou mandado o Serra irem seu lugar 😉

  2. talvez por que as mentes

    talvez por que as mentes radicais, a serviço de certos partidos, tiraram a força uma presidenta leita com 54 milhões de votos!!

    Quem não se lembra: Fora já, fora já daqui, o FHC e o FMI!

  3. Se inveja matasse…

    FHC morre de inveja do Lula.

    FHC achou que Lula se daria mal na presidência.

    Não foi assim, aliás, foi muito superior a FHC.

    Enquanto FHC recebia diplomas Honoris Causa pelo trabalho que fez antes de assumir a presidência, trabalho esse que pediu para que esquecêssemos, Lula ganhou prêmios o respeito pelo trabalho como presidente, retirando milhões de brasileiros da miséria.

    Agora, o pouco respeito que FHC tinha no exterior está desaparecendo.

    Não estranharei se algumas universidades retirarem as homenagens a esse golpista.

     

    MORRA DE INVEJA, GOLPISTA!!!!

    1. Inveja é a mais precisa descrição

      É icônico ver um professor-doutor, PHD e ex presidente ter inveja de um torneiro mecânico. O que lhe causa inveja não é, obviamente a titulação mas sim o caráter.

    2. Inveja é a mais precisa descrição

      É icônico ver um professor-doutor, PHD e ex presidente ter inveja de um torneiro mecânico. O que lhe causa inveja não é, obviamente a titulação mas sim o caráter.

  4. “Presidencial Crise in Brazil”, por Mara Telles
     

    Mara Telles adicionou 3 novas fotos — com Adalberto Moreira Cardoso e Silvana Krause Silvana em New York, New York. – · 

    “Presidencial Crise in Brazil”, mesa com minha participação e com Adalberto Moreira Cardoso e Bresser Pereira. O Golpe foi desenhado e explicado para os cientistas presentes ao Congresso da LASA – Latin American Sudies Association. Apresentei os aspectos que levaram à crise política ( economia, escândalos políticos midiáticos, crise de gestão, crise de representação e uma oposição que não aceitou os resultados eleitorais). Mas, também destaquei a narrativa de gênero e violência simbólica às mulheres, que foram elementos importantes na produção da “legitimidade” do Golpe Parlamentar com os adesivos que insinuavam a cultura do estupro (eu os mostrei), a Capa da IstoÉ, o “Tchau, Querida”, que desagou num Ministério de Homens, Brancos e Corruptos. I enjoied to participate.

  5. O pai que nunca foi…

     Este é o pai do plano Real que nunca foi, foi Itamar, e pai de uma criança na Italia  que nunca foi, talvez Itamar novamente.Este pseudo intelectual de triste lembrança falou uma verdade na vida : todos os presidentes que combateram a corrupção no pais cairam…

    1. FHC = Tartufo

      Mino Carta há muito tempo já afirmou: FHC é o Tartufo exemplar.

      Portanto, não surpreende ele articular o Golpe de direita no Brasil e posar de democrata nos EUA.

  6. Irrelevâncias e relevâncias

    Intelectualmente, FHC está morto.

    Pode ser que daqui a cem anos o “redescubram”, mas hoje o que ele produziu (sua teoria da dependência incluída) não é mais que mofo nas bibliotecas e nas análises dos cientistas sociais.

    Como representante empoado do establishment das castas senhoriais, ele também está moralmente morto. Ninguém moralmente idôneo, mundo afora, o defenderia. Sua retórica mi-mi-mi só é capaz de produzir náusea.

    Então, essa balela de argumentar uma “censura à liberdade de expressão”  não é mais que marola de alguns reacionários e arrivistas que apenas prezam pelo puxa-saquismo de alguns fiapos corporativos.

    Só que não faz muito sentido tomar esse episódio pontual como motivo para encher a bola da LASA. Essa instituição é território americano, que existe para sustentar a hegemonia da agenda intelectual norte-americana (e, portanto, irremediavelmente liberal) para a a América Latina.

    Nem de longe a LASA é a mais importante associação de estudos americanistas. O Congresso Internacional de Americanistas (ICA), que ocorre a cada três anos, tem 140 anos de existência, é muito mais denso, volumoso e plural, e suas edições são feitas revezando Europa e América a cada uma.

    Já a LASA é tão provinciana  que, depois do 11 de setembro, durante várias edições, para não sucumbir, precisou fazer seus congressos fora dos Estados Unidos, porque muitos dos participantes latino-americanos com trabalhos inscritos eram barrados pelas autoridades norte-americanas nos aeroportos.

    Esse retorno do congresso a Nova Iorque quer se apresentar como o momento de “arejamento”, mas, no fundo, uma grande farsa, para encobrir o que realmente interessa: dar a pauta da agenda intelectual ao quintal latino-americano, algo que o ICA jamais tentou fazer.

    Para completar com uma pequena contribuição informativa, uma nota de rodapé de um artigo meu publicado há dois anos:

    “Se, durante a década de 20, os estudos de países e culturas estrangeiras, nos Estados Unidos, haviam enfatizado a China e o Japão, por conta do seu interesse comercial, em 1940 é criado um Joint Commitee para estudos de América Latina, seguido, no pós-guerra, pela criação de Joint Commitees para o Sudeste Asiático e para Estudos Eslavos. Nesse ínterim, ‘autoridades do governo reconheceram a importância dos estudos regionais [area studies] tão logo os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra. […] Em 1943, o Departamento de Defesa [War Department] estabeleceu os estudos de áreas e línguas estrangeiras como parte do Programa Espe-cializado de Treinamento do Exército em 55 universidades e instituições superiores. 13.185 homens alistados estavam inscritos nesse programa em dezembro de 1943. As Escolas de Treinamento em Assuntos Civis do Exército, estabelecidas à mesma época em 10 universidades, treinaram oficiais para administrar, após a guerra, os territórios ocupados’ (Patterson e Lauria-Perricelli, 1999: 221-222, tradução nossa).” (Para além de Terras Altas e Terras Baixas. Modelos e tipologias na etnologia sul-americana)

     

  7. Realidade: descaramento do descarado

    “No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os políticos têm medo do passado.” Chico Anisio, Política Operária

    Nassif: esse imortal insepulto, que existe em função dos antepassados e de conchavos políticos, com ferrugem nas hematitas, possivelmente há de pedir cancelamento de sua inscrição no LOAS. É seu costume, na política do avestruz, quando se diz indignado, falar mal da instituição que lhe tenha antes homenageado. Às Universidades que lhe conferiram o doutor honoris causa e que também o fizeram ao ex presidente Lula, ele devolveu todos os diplomas e comendas porque não suportava dividir a honraria com um simples operário, ele, de raça ariana e superior. Evidentemente, estas instituições haveriam de agradecer a tão medíocre intelectual. Até porque, quando uma respeitável entidade condecora um desclassificado ela não só estaria louvando o desmoralizado, tanto quanto se desmoraliza. 

  8. Pá de cal no esquife do moribundo.

    Este artigo  é demolidor. O autor joga uma pá de cal sobre o cadáver do pseudo-sociólogo que agora foi rejeitado até por aqueles que o bajulavam, fingindo lhe admirar. O lixo da História é o lugar reservado a FHC e asseclas.

  9. Tartufo

    FHC tem nuances de Cristovam ou Cristovam tem nuances de FHC? Eis a questão.

    “Significado de Tartufo

    Aquele que é hipócrita; indivíduo que dissimula ou engana.
    Beato falso; devoto enganador.

        Tartufo célebre persinagem de Molière, representação per-
        feita da hipocrisia.”
     

    PS: Que falta lhe faz um PIG, hein Cristovam?

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