Nelson Rodrigues e o retrato em preto e branco do Brasil

Enviado por jns

O amargo retrato em branco e preto do Brasil

Nelson Rodrigues | Revista Manchete | Agosto 1977

“Hoje estamos assistindo a uma destruição de valores. Nunca a maldade humana, a perversidade humana, a ferocidade humana foram tão violentas como em nossa época.”

 

“Eu digo o seguinte: se houvesse uma guerra nuclear e o mundo acabasse, não se perderia grande coisa. Alias, de todas as épocas eu acho que a pior é exatamente a nossa.”

EXTRATOS DE ENTREVISTA À REVISTA MANCHETE EM AGOSTO DE 1977:
 
Manchete — Você está lançando o seu livro O Reacionário. Por que o livro e por que esse título?
 
Nelson Rodrigues — Este livro é uma das coisas mais sérias que já fiz na minha vida. Antes de falar de mim, mal ou bem, o sujeito deve ler o meu livro para saber o que eu acho, para saber do meu anticomunismo, saber do meu horror a Marx… Marx não toma conhecimento da morte. E nós exigimos de Marx a devolução de nossa alma imortal. Tudo isso está no livro. Agora, eu tenho uma virtude única, que é a seguinte: não tenho medo de passar por reacionário. Querem me chamar de reacionário, chamem; querem me pichar como reacionário, pichem; querem me pendurar num galho de árvore como ladrão de cavalo, pendurem. Mas eu sou homem que não aceita essa impostura gigantesca dos chamados países socialistas. Por mais que eu tenha horror da política, há muita política no meu livro. Eu acho que a política corrompe qualquer um, mas ela é um fato. Alias, vocês querem saber de uma coisa? Eu comecei a ficar anticomunista aos 11 anos de idade. Eu era um rato de jornal e nessa ocasião comecei a freqüentar o jornal A Nação, do Leônidas de Rezende, um comunista tremendo. Então, um dia assim sem mais nem menos, um rapaz me disse que, se o partido mandasse, ele estrangularia a sua própria mãe. Era só o partido mandar. A ONU, por exemplo, não considera o Brejnev um canalha. Para ela, o fato de existirem intelectuais internados em hospícios não representa um ato atentatório aos direitos humanos. Agora, vou te dizer uma coisa: eu pensei muito quando dei ao meu livro o título de O Reacionário. Porque no duro, no duro, eu não sou reacionário. A mais cruel forma de reacionarismo está nos países socialistas, na Rússia, em Cuba, na China, etc. Realmente, eu sou um libertário. Veja você: dois pobres-diabos cidadãos soviéticos seqüestraram um avião para deixar o paraíso e foram parar na Finlândia. Entregaram-se ao governo finlandês, que os devolveu ao Brejnev. Vão ser naturalmente fuzilados. Pois bem: quem protestou contra isso? Onde está o manifesto dos intelectuais com 3.999 assinaturas? No duro eu sou um libertário. Eles, marxistas, é que são reacionários. Repito mais uma vez: os marxistas é que são reacionários.
 
Manchete — Nelson, ainda existe o padre de passeata? Eles ainda estão em plena atuação?
 
Nelson Rodrigues — Ainda existem e estão em plena atuação. Sempre houve o padre de passeata. É o falso padre, o sujeito que trai a Igreja, que trai Cristo, trai Deus. Este é o padre de passeata.
 
Manchete — Você está a favor do Lefebvre ou do Papa?
 
Nelson Rodrigues — Sou inteiramente a favor de Lefebvre. Eu acho que a Igreja de Cristo é a Igreja de Lefebvre. Acho que qualquer faxineiro prefere o latim. O latim é a verdadeira linguagem. Aliás, a gente não precisa entender a língua, basta o som.
 (…)
 
Manchete — Nelson, você gostaria de viver agora ou na Idade Média?
 
Nelson — Em primeiro lugar, eu não vejo nada de ruim na Idade Média, como você está insinuando. Foi uma etapa da história da humanidade, simplesmente. A Idade Média tinha seus valores formidáveis. A par disso, já afirmei que tinha uma alma de Belle Époque. Hoje estamos assistindo a uma destruição de valores. Nunca a maldade humana, a perversidade humana, a ferocidade humana foram tão violentas como em nossa época. Eu digo o seguinte: se houvesse uma guerra nuclear e o mundo acabasse, não se perderia grande coisa. Alias, de todas as épocas eu acho que a pior é exatamente a nossa.
(…)
 
Manchete — Mas você é muito amargo.
 
Nelson Rodrigues — Como?
 
Manchete — Muito amargo em face da vida.
 
Nelson Rodrigues — Meu coração, meu anjo: a amargura é o elemento do artista. A amargura dá uma dimensão fantástica ao artista.
Redação

10 Comentários

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  1. Reacionário, mas genial

    Suas opiniões políticas podem ser mais do que controversas; em não digo em relação ao comunismo, mas a diversas frases infelizes como “toda mulher gosta de apanhar, exceto as normais”.

    Mas seu conservadorismo tinha estofo, tinha conteúdo, argumento e,  principalmente qualidade.

    Grande escritor e, principalmente, dramaturgo, suas obras permanecem bastante atuais.

    1. Cara, essa frase que você

      Cara, essa frase que você citou é de um texto ficcional dele, não  opinião. Ele tem uma história pessoal trágica e não inclui violência contra a mulher. As opiniões são polêmicas e datadas  (latim na missa) mas a obra ficional e dramatúrgica é genial.

    1. Pode até ser genial. Mas tb cretino e reacionário mesmo

      Nao vejo por que idolatrar  e absorver essas frases horríveis, só porque ele é um grande artista.

  2. Mil anos terão que acontecer

    Mil anos terão que acontecer ate que a humanidade entenda a plenitude da genialidade de Nelson Rodrigues.

    A esquerda de botequim gasta um discurso de horas para explicar os efeitos do colonialismo.

    Nelson define em duas palavras, “complexo de vira latas”.

    Em plena ditadura se auto intitulava “reacionario”, para poder declarar ao mesmo tempo que “a liberdade é mais importante que o pão”.

    Alguns “de esquerda” não gostavam dele, mas os militares menos ainda.

    Apenas tinham que engoli-lo.

  3. Teatro – notas, canto e poesia na Obra de Nelson.

    José Celso.

    Já em 2012, os riscos : “[Nelson] ainda tem muito a dizer nessa grande transformação moral que o Brasil nesse momento …  partido fundamentalista …; [ele] engole, como Nietzsche engole, todo esse obscurantismo de quem quer fazer do Brasil um país tipo um Irã de Jesus”.

    “[Nelson] de importância radical, porque ele é paradoxal”.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=qKk5wJu4W_k%5D

    Entre junho e julho de 2012, foi realizada a exposição “Ocupação” sobre a vida e a obra d dramaturgo, escritor e jornalista. De curadoria de Maria Lúcia Rodrigues e Sonia Muller, esteve instalada no Itaú Cultural, em São Paulo.

  4. Desconfio de que hoje o

    Desconfio de que hoje o Nelson é admirado pela esquerda, não pela sua genialidade ou por não ter papas na língua, mas por ser genial, falar o que bem quer sem medo de ser considerado politicamente incorreto, principalmente e acima de tudo, por estar morto. Se fosse vivo, seria chamado de coxinha reaça.

  5. Vinícius ao fim de uma entrevista revela tb uma amargura

    naquele livreto bom, dois volumes, entrevistas com escritores e poetas. A com Raduan Nassar também é bem boa (não tanto quanto uma antiga na Veja, páginas amarelas, quando a Veja se podia ler, e numa edição de uma revista mensal, esqueço o nome – tá na estante: arguto, ultra bem-humorado, debochado crítico das panelas artístico-culturais. Largou sua festejadíssima obra (2 livros, Lavoura Arcaica e contos ), e se mandou de volta pra sua fazenda criar gado, sem se forçar inspiração, dispensando louvações de leitore, joranlistas, críticos, o diabo a quatro, mandou tudo pra… (Cito pq gosto de personalidades assim).

    1. pra citar humorados (em seu papel de ferino direitista que é ):

      Olavo de Carvalho. Quem não leu… e não gostou… não sabe o que tá perdendo. Destaco o 1º volume de O Imbecil Coletivo”  (só pelo título criativo e sarcástico já vale). Que ninguém saiba, cochicho: uns vídeos dele são de morrer de rir (sério), um artigo “A Verdadeira Cultura Negra”, faz tempão, na FSP, é demais de bom (o danado é que tem umas verdades, pelo menos a meu ver). E pelo menos é realmente alfabetizado e culto (não que eu enalteça isso, por si só )

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