No fim dessa novela, a vítima será mesmo o trabalhador?, por Leonardo Puglia

Do Brasil Debate

No fim dessa novela, a vítima será mesmo o trabalhador?

por Leonardo Puglia

A resistência dos democratas pode mudar o final previsível, defendendo-se os direitos históricos dos trabalhadores até que se acumulem forças para a retomada de uma ofensiva progressista
 
Durante meses, a grande mídia brasileira contou, em capítulos diários, uma novela em que o grande vilão era o responsável por todos os males de um pobre país. Queda do preço das commodities, impacto econômico da Operação Lava Jato, ataques especulativos… Nenhum desses fatores encontrava espaço na trama: a crise política, econômica e institucional enfrentada pelo Brasil era fruto exclusivo da corrupção e da irresponsabilidade fiscal de um único partido.

O melodrama fez o sucesso esperado – sobretudo entre espectadores de classe média -, e milhões de pessoas saíram às ruas para pedir a saída de uma presidente eleita democraticamente, sendo prontamente atendidos por parlamentares atolados até o pescoço em denúncias de corrupção. O impeachment, contudo, não seria o capítulo final, pois a narrativa tinha como objetivo não apenas angariar apoio para a ruptura democrática que rasgou os votos de 54,5 milhões mas, também, justificar o que viria a seguir: a implementação a toque de caixa de uma violenta agenda neoliberal.

Quando perceberam que sobraria para eles, alguns apoiadores do impeachment começaram a enxergar furos nessa história. Afinal, teria um presidente não eleito a legitimidade para desmontar, em apenas dois anos, nosso já limitado Estado Social e retirar direitos fundamentais dos trabalhadores? Entre exemplos nesse sentido, podemos citar a aprovação da PEC do teto dos gastos, os ataques à CLT e uma proposta de reforma previdenciária que condena o pobre a morrer trabalhando.

O argumento do governo e da grande mídia é de que tais reformas seriam necessárias para a retomada do crescimento, pois, ao reduzir custos de produção e ao reequilibrar as finanças públicas, tornariam nosso país mais competitivo; atraindo, assim, capitais e aumentando a taxa de reinvestimento interno como consequência mecânica da elevação das margens de lucro.

Não se trata de um argumento novo, entretanto. Foi usado em outras histórias, quase sempre com final trágico para os trabalhadores. Foi o que prometeram, por exemplo, as autoridades europeias para justificar condições de empréstimo impostas à Grécia endividada, como privatizações, cortes em investimento social e uma série de reduções de impostos que tornou a carga tributária sobre o capital a menor da Europa: 15%, contra 25% no resto do continente.

Ao invés da prometida retomada do crescimento, o que se viu foi o aprofundamento da crise, fazendo a economia grega encolher 1/4 desde 2008, na pior recessão desde a Grande Depressão norte-americana. Na prática, as medidas deprimiram ainda mais a demanda interna, e a redução acentuada de impostos sobre o capital não apenas foi inócua do ponto de vista do crescimento como minou a capacidade de pagamento do governo, ao acelerar ainda mais a queda da arrecadação precipitada pelo encolhimento da economia. Resultado: a dívida pública que, em 2008, correspondia a 117% do PIB; em 2015, havia chegado a 177%.

Ou seja, as medidas estrangularam a economia e agravaram a situação fiscal, provocando insatisfação crescente do povo grego, que, em 2015, colocou o SYRIZA no poder, partido de esquerda radical construído em torno do discurso antiausteridade.

A burocracia da Zona do Euro, contudo, mostrou-se intransigente mesmo diante da situação de calamidade e se recusou a negociar qualquer mudança de rumo, renovando as condições para assinaturas de novos memorandos. O desprezo da elite financeira pela vontade do povo grego se tornou ainda mais evidente quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras convocou referendo no qual 63% dos eleitores disseram “não” às medidas de austeridade.

Tsipras buscava criar constrangimento político, mas, diante da reação oposta, foi forçado a se submeter às mesmas imposições que havia prometido combater, provocando grave crise em seu governo. O episódio, na realidade, acabou evidenciando o descolamento em relação à realidade social de uma elite financeira e de uma ciência econômica ortodoxa que colocam, sem pudor, seus interesses e pressupostos ideológicos acima das instituições democráticas.

Durante anos, trabalhadores de diversos países ocidentais foram levados a acreditar que suas perdas salariais e o desmonte do Estado Social seriam compensados pela valorização contínua do mercado imobiliário e que seu consumo poderia ser financiado indeterminadamente pela oferta de crédito barato. Essa ilusão, no entanto, estourou com a bolha em 2008 e com a desaceleração chinesa.

É certo que a resposta de governos centrais estatizando dívidas dos bancos e injetando liquidez evitou uma crise como a de 1929, mas ainda não é possível perceber sinais de transformação política que evitem décadas de estagnação na economia global, pois os atores sociais dispostos a mudar os rumos da história mundial continuam em posição de coadjuvantes.

A insatisfação com as instituições tem sido canalizada, na verdade, por uma direita populista, que ganha protagonismo apontando o imigrante como bode expiatório e prometendo o fechamento das fronteiras como salvação. É esse o cerne da retórica que elegeu Trump, fez a população britânica votar pela saída da UE e que pode levar Le Pen ao poder na França.

No entanto, diante do grau de integração e de mobilidade de capitais que atingiu a economia mundial, é pouco provável que o isolamento autárquico dê resultados. O Estado-Nação, na verdade, tem se mostrado limitado demais para lidar com as dinâmicas da contemporaneidade, e o que se pode esperar da ascensão da extrema-direita nos países centrais é não somente a retração do comércio mundial e dos fluxos migratórios, como o escalonamento da intolerância.

E é nesse contexto adverso que o neoliberalismo lança seu ataque mais violento ao trabalhador brasileiro, rompendo a ordem democrática e tendo como alvo principal o pacto social que fundamentou a Constituição de 88. Portanto, mesmo que o argumento do governo e da mídia se justifique e o Brasil se torne mais competitivo, é difícil acreditar na retomada do crescimento sustentável diante do atual cenário mundial.

Aos democratas brasileiros resta resistir, defendendo direitos históricos e o caráter social da ‘Constituição Cidadã’, até que se acumulem forças para a retomada de uma ofensiva progressista. Nesse processo, a disputa de narrativas será decisiva para romper mistificações midiáticas, trazendo os mais interessados – os trabalhadores – de volta ao centro da luta.

Leonardo Puglia é jornalista formado pela UERJ, sociólogo e doutorando em ciências sociais pela PUC-Rio. Atualmente é professor no curso de Comunicação Social da FSMA, em Macaé-RJ
 
Redação

2 Comentários

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  1. resistir é preciso.
    insistir,

    resistir é preciso.

    insistir, mais ainda: BRASIL re-DILMA-se!

     

    sem crime, sem impeacment!

    todos Às ruas, de seg a sex, Às 18h em todoas as cidades em seus lugares classicos de protesto.

    anular o golpe parlamentar e reconduzir Dilma a seu local de direito.

     

    o povo é chave, abram-se os portões!

  2. Fala sério !

    Claro que serão os trabalhadores, uma vez que os partidos ditos de esquerda estão utilizando a classe operária como moeda de troca para obter vantagens na escolha das mesas diretoras (Câmara e Senado).

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