O novo programa do PSB, por Renato Janine Ribeiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Hoje, no Valor Econômico, Renato Janine Ribeiro analisa o programa de governo do PSB, que acompanha a candidatura de Marina Silva. Segundo ele, um admirador confesso de Marina, o programa não é para Justiça Eleitoral, a intenção da candidata está ali expressa.

Janine faz suas considerações sobre o Programa. Após listar pontos que merecem respeito, o articulista alerta que, depois da página 15 “os meios não dialogam com os fins! Da filosofia se passa para medidas práticas – mas sem relação com ela”. Critica a coincidência de todos os mandatos, com eleições a cada 5 anos, “E por que eleições mais espaçadas, e não mais frequentes? Tudo isso despolitiza. A escolha será menos meditada do que já é hoje. O que vai contra os ideais do programa.”, aponta Janine.

Outro assunto abordado por ele é a questão do mandato ser do eleito e não do partido. Para Janine cria-se um risco de que, ao fazer isso, crie-se “canais paralelos aos da democracia representativa, esta última fique mais frágil, mais vulnerável ao canto de sereia do Poder Executivo”.

É bom lembrar que pontos destacados por Janine sobre o PT e colocados também como mérito da Rede, estão previstos no Plano Nacional de Participação Social, o Decreto 8243, que foi sancionado por Dilma e o Congresso tenta transformar em Projeto de Lei para vetar a participação popular, chamando-o de bolivariano.

Do Valor

O novo programa do PSB

Por Renato Janine Ribeiro

Confesso: o programa de governo que li com maior atenção foi o de Marina Silva. Posso criticá-lo e o farei, mas jamais ocultei a admiração por ela e pelo que traz para a discussão pública. Vejamos as propostas políticas do início de seu Eixo I, “Estado e democracia de alta intensidade”. Recomendo a leitura do programa. Um dos maiores elogios à candidatura é que ela escreve e assina o que realmente quer. Não é um documento só para a Justiça eleitoral. Tenho ouvido gente dizer que programa se compra ou se encomenda, e depois se esquece. Advirto: não é essa a intenção da candidata.

O melhor da Rede é a vontade de empoderar a sociedade para discutir o que, hoje, é monopólio dos partidos e dos políticos. O projeto acerta ao dizer que não bastam choque de gestão ou eficiência gerencial, pois conferem mais poder ao gestor e desconhecem o caráter essencialmente político, até popular, da reforma do Estado – que deve aumentar seu teor de democracia, assim como democratizar mais a sociedade. A democracia atual é de baixa qualidade porque avessa às formas de participação: diagnóstico de esquerda, com o qual o PSDB dificilmente concordaria. Marina quer mais povo, não menos, no Estado. Critica a concentração de poder. Exige transparência, facilitada pelos recursos digitais hoje disponíveis. Não é fortuito que só ela, dentre as lideranças de oposição, não tenha atacado o decreto de Dilma Rousseff sobre a participação popular. Propõe “plebiscitos e consultas populares, conselhos sociais ou de gestão de políticas públicas, orçamento democrático, conferências temáticas e de segmentos específicos”. Elenca um rol admirável de formas de participação.

O projeto de fazer a política sair dos gabinetes, das câmaras, para estar na sociedade, seja em reuniões presenciais, seja em formas de atuação virtuais, é ético e oportuno. É enorme o atual desinteresse pela política, o desdém pelos políticos; quer-se reverter isso. O PT na oposição falava em democracia direta, a Rede em democracia de alta intensidade. Não são a mesma coisa. O PT pensou na democracia direta a partir de movimentos sindicais, aos quais se associavam, com igual legitimidade, movimentos sociais e de vizinhança, grupos unidos por queixas e projetos comuns, como homossexuais, negros, mulheres, usuários de drogas, artistas, em suma, quem acreditasse que outro mundo é possível. A Rede saúda os movimentos sociais “históricos” e quer combiná-los com “as mobilizações que surgem por meio das novas tecnologias”, em referência às assim chamadas revoluções do Twitter e do Facebook. É um pouco vago, mas saúdo esse aprofundamento do projeto de democracia participativa de Franco Montoro ou essa retomada da democracia direta do PT em suas primeiras décadas.

Uma participação maior do povo é o tema principal

Mas, quando chegamos à página 15, um “box” pretende traduzir este arrazoado – sério, correto, prioritário – em medidas que devam “deflagrar” a reforma política. Contudo, esse minirresumo executivo não bate com a filosofia antes exposta. Os meios não dialogam com os fins! Da filosofia se passa para medidas práticas – mas sem relação com ela. No “box”, é só política institucional. O que se propõe de prático e de imediato? Primeiro, a coincidência de todos os mandatos, inclusive municipais, numa única eleição a cada cinco anos, sem reeleição. Já defendi a reeleição e não volto ao tema. Mas há no país uma queixa constante sobre as eleições federais e estaduais que, sendo simultâneas, nos fazem preencher ao mesmo tempo cinco ou seis cargos. Somar-lhes as municipais fará elegermos de uma só vez sete ou oito cargos. Ora, se este ano a campanha presidencial nublou a dos governadores, para não falar dos legislativos, como será se renovarmos todos os cargos ao mesmo tempo? E por que eleições mais espaçadas, e não mais frequentes? Tudo isso despolitiza. A escolha será menos meditada do que já é hoje. O que vai contra os ideais do programa.

E uma contradição: quer-se preencher os “cargos proporcionais” segundo “a Verdade Eleitoral”, definida como a regra de proclamar eleitos os candidatos individualmente mais votados, sem levar em conta o partido ou coalizão a que pertençam. É curioso que isso seja exatamente o “distritão” proposto pelo vice-presidente Michel Temer. Aliás, assim os cargos deixam de ser preenchidos proporcionalmente, portanto a expressão “cargos proporcionais” deveria ser trocada por “deputados e vereadores”. Mas isso acaba com os partidos. Na verdade, as candidaturas avulsas, adiante recomendadas, deixam de ser a exceção e se tornam a regra. Todas as candidaturas serão avulsas. Não conheço país no mundo que adote esse critério, dado que esses cargos são preenchidos pelo voto ou distrital ou proporcional.

Há duas más consequências: primeira, cada candidato terá como adversários todos os demais candidatos, não sendo de seu interesse aliar-se ou somar suas forças a ninguém que dispute o mesmo cargo. Segunda, os partidos se liquefazem.

Assim o mandato deverá pertencer ao eleito, não ao partido. Daí, a troca de partidos estará na lógica do sistema. Há o risco de que, em vez de criar canais paralelos aos da democracia representativa, esta última fique mais frágil, mais vulnerável ao canto de sereia do Poder Executivo. Isso pode até piorar nossa política! Porque, enfim, o programa tem um descompasso entre a meta nobre da maior participação popular, mas que não se traduz em nada concreto, e as reformas concretas, só que confusas e possivelmente com efeitos indesejados. Ainda estamos longe do ideal, que aprovo, de uma democracia de alta intensidade.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras no Valor.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. Meu desencanto é quase total’, diz Hatoum após desistir de votar

     

    Meu desencanto é quase total’, diz Hatoum após desistir de votar em Marina

     

    O escritor amazonense Milton Hatoum era uma das celebridades que apoiavam a candidatura de Marina Silva à Presidência. Mas ele trocou de opinião no final de semana.

    Leia mais em: http://zip.net/blprpM

     

  2. Clausula de barreira

    O que falta é impor a clausula de barreira, para termos MENOS partidos de aluguel. Quiça nenhum. E apenas 3 ou 4 partidos com ideario coerente.

  3. A “nova política” é o grito de auto-afirmação…

    … dos analfabetos políticos!

    Está claro quem são “os melhores” para marina: A pior “elite” do mundo!

    O povo que deixe as decisões de governo para os “especialistas”.

     

  4. Porque Aécio não vai renunciar antes do primeiro turno

    Porque é no intervalo entre o primeiro e o segundo turno, depois de contabilizados os votos que “darão” a vitória à Marina , que o PSDB poderá chantagear mais ou menos a candidata por ministérios e cargos no segundo e terceiro escalões. Quanto mais votos o Aécio Neves tiver no primeiro turno, maior será o número de “melhores” do PSDB que farão parte de um eventual governo Marina. Claro que também entrarão na jogada os Malafaias da vida e a Neca do Itaú. Esta última, se não ocupar um ministério, poderá exigir da Marina 2 ou 3 deles. Ou vocês acham que o investimento do Itaú na Marina é a fundo perdido?

    Portanto, é no intervalo entre o primeiro e segundo turno que o toma-lá-dá-cá vai funcionar a todo o vapor.

    1. Amiguinho, você acha que a

      Amiguinho, você acha que a Neca é pessoa que ambiciona ministério ???!!!! . . . . . Ela apenas quer uma coisa, poder entrar no Palácio do Planalto na hora que quiser e sem ser anunciada . . . . -E aí Marina, como estão as paradas? Vamos ver se está tudo certinho minha santa . . . . . . Amiguinho, ela quer apenas isto . . . . . .

  5. Marina e BRICS

    Por gentileza, alguém poderia informar sobre a opinião da Marina na politica externa, especialmente os BRICS?

     

    Estou com uma leve impressão que a Marina é alinhada ao EUAs e queria saber o quanto sua vitória ameaçaria os BRICS.

    1. Ela fala em alinhar com os

      Ela fala em alinhar com os USA e que os acordos tipo BRICs terão que ser vistos sob a ótica “dos Direitos Humanos” . . . . precisa de desenho???!!!!!!!!! . . . . . 

  6. Iludidos. Qual governo ideal para um intelectual?

    Os filosofos, sociologos, antropologos e intelectuais, com raríssimas exceções, vivem de passado e no passado. Não acompanham a evolução. Implicam em apenas viver o presente para entendê-lo, vivem e desfrutam  da matéria: dos computadores de alta performance  para escrever esses artigos que acham que farão efeito algum  na formação direcionada de opinião da maioria. Iludidos.

  7. Pura mistificação

    Eu não escondo minha admiração pelo Renato Janine. Mas cair nesse palavrorio de “democracia de alta intensidade” é  pura mistificação. Caramba; O que é “mais povo no Estado” pelo amor de deus? Como se faz isso? Por decreto? De cima para baixo? Nossa cultura politica vai mudar pelo desejo de A ou de B? Sejamos realistas e vamos começar  discitindo o apromoramento das nossas instituições, principalmente o Judiciário, que é uma vergonha… Depos vem a cereja do bolo. O fim dos partidos e  adesão ao voto distrital. Tudo muito americanizado, como convem ao marinismo.  É programa para “ingles ver” sim,  para o TSE, ou para engabelar os tolos.  Renato Janine mostrou que os fins não são corentes com os meios. Nada é coerente com nada na trajetoria dessa moça dessa moça…

  8. Prof.Janine? Sou fã de carteirinha

    Renato Janine Ribeiro é um intelectual de primeira linha, filósofo, professor de Ética na USP, um homem notável. E é simpatizante declarado da Marina Silva desde que ela aparaceu na vida vida pública. Entretanto, percebe-se, não é um admirador acrítico: tem a hombridade e a grandeza de ânimo de discordar da candidata da sua preferência e fazer uma crítica consistente e fundamentada ao programa do partido em que ela se abrigou. É o tipo de eleitor com um enorme discernimento político em quem podemos nos espelhar.

    Teve uma polêmica braba com o Nassif (e outros) anos atrás. Uma mãe foi assaltada por bandidos no Rio e os ladrões arrastaram seu filho (João Helio) por quilometros. O garoto morreu. O Professor Janine, apesar de todo o sua formação acadêmica em ciencias humanas, compreensivelmente revoltado, disse ser favorável à pena de morte para aqueles criminosos. Bem, não sei se fizeram as pazes, também não sei por onde andam aqueles animais e nem como anda o coração da mãe daquela inocente criança.

  9. ainda bem que o programa

    ainda bem que o programa coloca coisas que o pt quer fazer ou já fez,

    a diferença é que o pt botou o pé na estrada há mais de trinta anos, sem contar que boa parte dos membros do partido foi  formada na velha luta pós-68.

    e o pt foi formado com  os sindicatos e movimentos sociais e com boa parte dos membros da igreja vinculados à teologia da libertação no abc.

    o pt tem hiustória e pretende, creio,  continuá-la.

    essas propostas do psb são boas mas duvido que consiga implementá-las com o entorno político que a devorará certamente com suas políticas neonliberais que desempregam e estagnam  a economia.

     

  10. Marina e os seus
    Miguel do Rosário afirma: “em se tratando da autonomia do Banco Central, Marina Silva não irá recuar.” Por quê? Marina tem 04 grupos (com seu respectivo segmento social atrelado a eles): 1) Sonháticos (ambientalistas progressistas) – juventude;2) Evangélicos (da Assembleia de Deus e Pastor Malafaia) – classe C;3) Políticos pragmáticos do PSB – operadores políticos;4) Economistas e intelectuais liberais ligados ao mercado financeiro – mídia. Os dois primeiros, antípodas, estão preocupados com a “microeconomia”. Dos valores da igreja (contra casamento gay, aborto, etc.), às políticas ambientais conservacionistas e o apoio ao terceiro setor (ONGs, cooperativas, etc).O terceiro grupo, preocupado em ganhar a presidência. O quarto está preocupado em comandar a economia do país. Neste caso, a Marina terceiriza a Fazenda e o BC (talvez o MPOG). Nenhum dos três primeiros grupos se importa com os objetivos do quarto grupo. Além disso, as políticas conservacionistas, se encaixam como uma luva para quem defende altas taxas e juros e alto superávit primário – corta-se os investimentos para grandes obras e gastos sociais para reduzir o consumo e a produção, que polui.Em virtude disso, este é o grupo mais seguro e consolidado. Não há porque recuar na autonomia do BC. Pelo contrário este segmento social é que garante os recursos de campanha, música para os ouvidos do terceiro grupo dos políticos pragmáticos. O problema de Marina está na contradição entre os sonháticos de valores liberais e os evangélicos conservadores. Se os sonháticos abrirem mão de seus valores morais, podem ficar com o “meio ambiente” só para eles.  Por outro lado, se os sonháticos não abrirem mão da defesa de seus valores morais, pode afetar o apoio da juventude mais progressista.  Além disso, se a política econômica recessiva for desmascarada, pode afetar a classe C (mobilidade urbana, financiamentos habitacionais e educação, emprego, etc).  A bola da política está rolando… 

  11. Marina deixou claro…

    … sempre declara que ELA teve vinte milhões de votos.

    ELA.

    Por isso, se é Rede, se é PSB, tampouco importa.

    Poderia haver um pouco de razão em torno da questão da representação se as formas políticas de base, não institucionais, fossem francamente democráticas.

    Relacionar a política à representação é reducionismo.

    Muitas ongs demonstram ser o fuzzy power em sua excelência; nem precisa invadir um país.

    Ao lado delas, as religiões pentecostais que constituem outras formas de coletividade, mais mistificadoras e tão perigosas para o Estado laico. E ainda tenho que ouvir sobre o “fundamentalismo islâmico”…

    E as manifestações de junho… ah, a ascensão do homem-multidão e, como tal, perigosamente difuso. Tal revolta pode ir para qualquer espectro político…

    Por isso a Marina é francamente esperta. A crítica que se dirige a ela é por falta de coerência política; prefiro dizer que é daí que ela deriva seu poder de voto. Pois ela fala de “coexistência”. Brincando, a  “coexistência” tem problemas lógicos, físico-químicos, políticos e metafísicos. Pra coexistir, as coisas precisam perder parte de sua natureza, o que faz a própria coisa perder identidade e corre o risco de desaparecer. Ou ser outra coisa. Por isso, Marina só pode ser vaga, tergiversar.

    Pensando bem, ela também corre o risco de desaparecer. Se isto ainda não ocorreu…

     

  12. democracia de alta intensidade na politica econômica??

    No ‘rol admirável de participações’ do programa de MArina, a participação da sociedade civil na definição da politica econômica está completamente ausente. Não há proposta de orçamento participativo, de alocação de gastos de acordo com as demandas da sociedade civil. MAis do que isso o programa preve um Conselho de Responsabilidade Fiscal para fiscalizar o ‘cumprimento de metas fiscais’ – as metas serão estabelecidas de ‘forma participativa’?? não há isso no programa. O Conselho será escolhido ‘de acordo com critéritos técnicos’ de acordo com regras estabelecidas em lei. Alta intensidade democrática??? As metas de inflação fazem parte do ‘rol de participações’??? também não. Haverá plebiscito para saber se a população deseja um BC independente?? nada disso!! O presidente do BC será eleito pela população?? Não, democracia de alta intensidade com a moeda de forma alguma!!!

    Ou seja, a economia para os ‘especialistas'(leia-se ‘operadores do mercado’), nada de participação democratica de alta intensidade aqui.  A democracia de alta intensidade parece mais uma forma de se discutir e participar de todo o resto em troca da aceitação da gestão econômica ultraliberal dos ‘especialistas’.

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