O processo político de impeachment é uma grande encenação, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – O colunista da Folha, Janio de Freitas, em seu artigo desta quinta-feira, fala do golpe em curso no Brasil contra a democracia e a presidente eleita por 54 milhões e meio de votos, Dilma Rousseff. Ele relembra o golpe de 1964, que foi alardeado como sendo “em defesa da democracia”, cujo cinismo não resistiu às evidências de tanques nas ruas, perseguições e prisões. Hoje, a situação é de golpe, mas o cenário vem enfeitado de rosquinhas e mesóclises, uma grande farsa sendo sustentada por variados farsantes. Janio afirma que as 441 páginas do relatório de Anastasia configuram “uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais”. Leia o artigo a seguir.

da Folha

Afastamento de Dilma é hipocrisia como jamais houve no Brasil

por Janio de Freitas

Quem não aceita ver golpe partidário na construção do impeachment de Dilma Rousseff pode ainda admitir, para não se oferecer a qualificações intelectual ou politicamente pejorativas, que o afastamento da presidente se faz em um estado de hipocrisia como jamais houve por aqui.

O golpe de 64 dizia-se “em defesa da democracia”, é verdade. Mas o cinismo da alegação não resistia à evidência dos tanques na rua, às perseguições e prisões nem aos crimes constitucionais (todos os militares do golpe haviam jurado fidelidade à Constituição que acabavam de trair: sem exceção, perjuros impunes). Todos os golpes tentados ou consumados antes, incluída a Proclamação da República, tiveram na formação aquele mesmo roteiro, com diferença de graus. A força das armas desmoralizava a hipocrisia das palavras.

Os militares, hoje, não são mais que uma lembrança do que foi a maior força política do país ao longo de todo o século 20. Ao passo em que a política afunda na degeneração progressiva, nos últimos 20 anos os militares evoluíram para a funcionalidade o mais civilizada possível no militarismo ocidental. A aliança de civis e militares no golpismo foi desfeita. A hipocrisia do lado civil não tem mais quem a encubra, ficou visível e indisfarçável.

Há apenas cinco dias, Michel Temer fez uma conceituação do impeachment de Dilma Rousseff. A iludida elegância das suas mesóclises e outras rosquinhas faltou desta vez (ah, que delícia seria ouvir Temer e Gilmar Mendes no mesoclítico jantar que tiveram), mas valeu a espontaneidade traidora. Disse ele que o impeachment de Dilma Rousseff é uma questão “política, não de avaliação jurídica deles”, senadores. Assim tem sido, de fato. Desde antes de instaurados na Câmara os procedimentos a respeito: a própria decisão de iniciá-los, devida à figura única de Eduardo Cunha, foi política, ainda que por impulso pessoal.

Todo o processo do impeachment é, portanto, farsante. Como está subentendido no que diz o principal conspirador e maior beneficiado com o afastamento de Dilma. Porque só seria processo autêntico e legítimo o que se ocupasse de avaliação jurídica, a partir da Constituição, de fatos comprovados. Por isso mesmo refere-se a irregularidades, crimes, responsabilidade. E é conduzido pelo presidente, não de um partido ou de uma Casa do Congresso, mas do Supremo Tribunal Federal.

As 441 folhas do relatório do senador Antonio Anastasia não precisariam de mais de uma, com uma só palavra, para expor a sua conclusão política: culpada. O caráter político é que explica a inutilidade, para o senador aecista e seu calhamaço, das perícias técnicas e pareceres jurídicos (inclusive do Ministério Público) que desmentem as acusações usadas para o impeachment.

Do primeiro ato à conclusão de Anastasia, e até o final, o processo político de impeachment é uma grande encenação. Uma hipocrisia política de dimensões gigantescas, que mantém o Brasil em regressão descomunal, com perdas só recompostas, se o forem, em muito tempo –as econômicas, porque as humanas, jamais.

E ninguém pagará por isso. Muito ao contrário. 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

21 Comentários

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  1. Por que temos que

    Por que temos que respeitar??

     

    A ordem cosntitucional já foi quebrada, o golpista janta com um ministro do stf e presidente do tse, sem que ninguem se abale com essa esculhambação, por que nós temos que respeitar o que eles decidem?  Por que os trabalgadores e aposentados tem que aceitar o arrocho salarial que retirada de direitos que eles decidem? Por que o povo mais vulneravel tem que se calar para o que eles decidem? Por que temos que assistir entrergarem de mão berijada o patrimonio naciona e a farra dos juros, uma transferencia de recursos para os mais ricos??? será que o povo brasileiro é tão bovino e submisso á midia quadrilheira e corrupta???

    1. Mesmo que façam um governo

      Mesmo que façam um governo brilhante jserá eternamente obscurecido pela ilegitimidade. Entrarão para a história do Brasil, seus responsáveis, todos, como párias.

  2. Repito o comentário que fiz ontem…

    A Constituição é claríssima ao estabelecer que um processo de impeachment só pode ir adiante se ficar comprovada realização de crime de responsabilidade pelo presidente da república. 

    Como não há prova alguma de crime de responsabilidade, não poderia haver impeachment. 

    Por esta razão, o que estamos assistindo é a realização de um golpe de estado, na medida em que levado a cabo sem respaldo constitucional. Simples assim.

    Os golpistas estão agindo de forma descarada porque as pessoas que se informam diariamente e que refletem sobre as informações recebidas são em número insignificante, se considerado o total de eleitores brasileiros. A maioria dos eleitores são ignorantes políticos, não têm qualquer reflexão sobre política.

    Não consideram, como deveria ser óbvio a todos aqueles que prezam a democracia, que o valor fundamental num estado democrático é o respeito às regras do jogo. Ou seja, nada deveria ser mais importante que o respeito à Constituição. Fora dela, instaura-se um período de vale-tudo, como já tivemos tantas vezes neste pobre país.

    Infelizmente, no Brasil ainda é muito forte a concepção golpista de se fazer política.

    Muito triste tudo isso. Estou sentindo vergonha de ser brasileiro e morar nesta República de Bananas.

  3. O DNA golpista da Folha tem

    O DNA golpista da Folha tem se potencializado nos últimos anos. Se Jânio de Freitas não fosse Jânio de Freitas, já teria sido defenestrado há muito tempo.

  4. Cláudio Freire, endosso
    Cláudio Freire, endosso totalmente seu comentário. Tengo 39 anos e nunca me senti tão ultrajado como cidadão. Apesar de não viver mais no Brasil constato que nao8raro preocupo-me imensamente mais com o que se passa aí do que alguns certamente dirão que devia.

  5. E a Lava Jato lavou o Brasil e o deixou no chão

    Mais um triste agosto para entrar para a Historia do Brasil. Sergio Moro e seu séquito quiseram passar o Brasil a limpo. Pelo andar da carruagem de toda a velha imprensa, parece que conseguiram o intuito. Destruiram as instituições brasileiras e instalaram o caos. Parabéns: fascistas e oportunistas de todos os naipes estão satisfeitos.

  6. são os mesmos assassinos e ladrões…

    …  de 1964, voltando ao poder. Os financiadores também são os mesmos, e os objetivos também.  Devoradores do futuro e das esperanças do povo brasileiro, contam com as polícias militares (doutrinadas durante décadas), para oprimir e torturar o povo. 

    Por enquanto, com os olhos do mundo voltados para o Brasil, por causa das olimpíadas, a #repúblicadosladrões vai disfarçar a repressão, ….  passadas as olimpíadas, vão começar a matar gente, …  já vimos esse filme e, no final,  o povo morre.

    Uma vaga esperança vem, por incrível que pareça, de setores das forças armadas, onde existem alguns redutos  de patriotismo que podem se insurgir contra mais  essa traição à Patria….

     

    1. são os mesmos…

      Janio de Freitas está correto mas também não está dizendo toda a verdade. Todo processo eleitoral e politico brasilero é uma encenação. E uma fraude. E todas as forças ditas democráticas, que reformaram a Constituição, aceitaram e impuseram esta fraude com o objetivo de chegar ao poder. E chegando, todos sem exceção, agora condenam um processo viciado e corrupto. Temos um parlamentarismo velado, 3 em 5 presidentes impostos de forma indireta pelo vontade do Congresso Nacional. Um autoritarismo politico sem a anuência do voto.  Seu voto sem a validade que afirmam ter. Democracia sem participação direta do povo é apenas ditadura travestida. A derrocada de mais um presidente eleito é só mais um golpe na farsa democrática nacional. O que deveria ser corrigido na vida politica brasileira, foi omitido por todos que alcançaram o comando. Poder pelo poder foi a farsa imposta nestes 30 anos por quem se autoproclamou democrata. Caro sr. Janio,todo  o Brasil é uma encenação, realizada por canastrões e assistida por miseráveis.. 

      1. Cidadão,
        Tu fazes várias

        Cidadão,

        Tu fazes várias afirmações peremptórias sem apresentar nenhum dado ou argumento para balizá-las. Assim, até eu. 

         

         

         

  7. Anastasia

    Jânio esqueceu-se de elogiar o relator da comissão.  Imaginem que o advogado da Dilma entregou o documento de defesa – quinhentas páginas – no último fim de semana.  Anastasia conseguiu ler tudo, refletir sobre o conteudo e preparar o relatório, com mais de quatrocentas páginas, que refuta as teses da defesa. Se ele fosse participar da olimpíada, deixava o Bolt no meio do caminho, assim como deixou as evidências desse golpe honduro-paraguaio.

  8. Sabemos e conhecemos as

    Sabemos e conhecemos as inclinações da Folha, o seu apetite

    voraz para apoiar e respaldar golpes de estado. O Jãnio também sabe.

    Pot isso mesmo, sutilmente, desanca o seu patrão sem piedade ao dizer

    com todas as letras que “a situação é de golpe sustentada por farsantes

    e hipócritas”  O Sr, Frias é farsante,  hipócrita ou fdp?

    1. Sao os três predicados que definem os Frias
      Aliás, quatro pois acrescentaria mais um: BURRO.

      Só um burro não percebe que uma sociedade mais justa é excelente pra todo mundo, até mesmo pra elite.

  9. De volta à velha Nova

    De volta à velha Nova República Velha.

    E ainda bem que Vila Izabel ainda dá samba porque o resto nem mais isso.

  10. Já em 28/04/2016, no texto

    Já em 28/04/2016, no texto “Sobre farsas e farsantes”, este escriba já antevira o caráter hipócrita desse processo. Um reles jogo de cartas marcadas, uma encenação burlesca para dar ares de seriedade(institucionalidade) ao que não passava(passa) de um golpe na modalidade “parlamentar” nascido de uma conspiração envolvendo políticos da oposição, mídia partidarizada- compromissada e agentes públicos do sistema de repressão, valendo-se, isso também é fato, de uma conjuntura econômica adversa e da impopularidade da presidente da República. 

    Entretanto, a trama só foi à frente pela omissão de um Supremo Tribunal Federal que, à guisa da “não interferência em outro Poder”, lavou as mãos como Pilatos.  quando na realidade a isso se sobrepõe um imperativo maior que é a defesa da legalidade e da Ordem Democrática. A desculpa de que o impeachment é um processo político-administrativo  e que portanto só aos políticos cabem os juízos e as ações para dar ou não consequência ao mesmo, é furada. 

    O ato, é sim, de cunho político-administrativo porque gerado e conduzido por um Poder político a partir de atos administrativos, mas a responsabilização é penal. Ou seja, não há essa estória de “responsabilidade política” dado que nessa dimensão nenhuma responsabilidade lhe pode ser cobrada. Eis porque o sistema é dado como “presidencialista”. 

    Assim, quando o presidente interino-usurpador Temer fala em “processo político” ele simplesmente trai a sua formação e consciência jurídica; quer justificar o injustificável. 

    A consequência mais nefasta para o país se eventualmente a presidente Dilma for condenada não será apenas tornar efetiva a interinidade de um governo formado por golpistas e lastreado por uma ideologia liberalóide, mas o estupro da Constituição e o irrompimento de um novo sistema político: o presiparlamentarismo. O Mundo mais uma vez se ajoelhará frente a nossa inexcedível capacidade de sempre piorar o que já está ruim. 
     

  11. Maior do que a maior hipocrisia

    Belíssimo texto.

    A hipocrisia do afastamento de Dilma, como jamais houve no Brasil, nos espanta.

    No entanto, maior do que a maior hipocrisia jamais vista no Brasil são a apatia e o conformismo dos brasileiros frente a tamanha hipocrisia.

  12. o churrasco e p

    Quando o presidente interino e o presidente do tse se reunem num churrasco para discutir os proximos passos do golpe pode-se esperar o tudo.

    Em nenhum pais realmente democratico isso ocorreria ou seria aceito.

    Mas por aqui tudo bem, afinal estamos em em época de JO, de da-lhe alienação.

    Pão e Circo. Panis et circensis!

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